Os mesmos cultivos de sempre

Edição VI | 02 - Mar . 2002
James Delouche-JCDelouche@aol.com

    Nossos ancestrais costumavam levar sementes dos cultivos que consideravam importantes em suas explorações e migrações. Eles compreendiam a importância destes para sua sobrevivência, gostavam das espécies que cultivavam e as queriam disponíveis quando e onde viessem a se estabelecer. As condições em um novo local, contudo, não eram sempre adequadas para suas espécies preferidas. Em tais casos, nossos ancestrais adotavam os cultivos já em uso na nova localidade, ou juntavam seus pertences e sementes e mudavam-se para uma outra região. Apenas muito raramente eles escolhiam a opção óbvia de domesticar novos cultivos a partir da flora local, e quando tentavam esta opção, não obtinham sucesso. O fato notável na história da agricultura foi a extraordinária capacidade de observação dos primeiros homens que domesticaram espécies vegetais para produção de alimentos. Eles selecionaram e domesticaram espécies de plantas com características desejáveis para produção de alimentos e fibras que não houvessem sido substituídas por outras espécies. E estas espécies são os nossos mesmos cultivos de sempre, dos quais os mais importantes já estavam bem estabelecidos 500 anos AC. 


    Espécies vegetais domesticadas para alimentação e produção de fibra

    A primeira domesticação de plantas bem documentada teve lugar no Crescente Fértil, as planícies inundadas dos rios Tigre e Eufrates, há cerca de 10.000 anos. Oito espécies vegetais, denominadas "culturas iniciadoras", foram domesticadas: três cereais - dois tipos de trigo e cevada; quatro leguminosas - lentilha, ervilha, grão-de-bico e ervilhaca; e linho. Estas espécies apresentam características que as fizeram especialmente atrativas para produção de alimentos e facilitaram sua domesticação: o produto comestível é a semente; o rendimento do produto comestível por unidade de área é   relativamente grande; a colheita e trilha são relativamente rápidas e fáceis; nutricionalmente, as sementes de cereais são ricas em carboidratos enquanto as oleaginosas são ricas em proteínas; todas as espécies são anuais e a maior parte de sua energia é dirigida à rápida produção de sementes, que é o produto comestível; o produto alimentício é relativamente fácil de ser armazenado; e são espécies de auto-polinização, de forma que os tipos selecionados para cultivo podem ser mantidos facilmente.     Os primeiros e mais importantes cultivos domesticados foram os cereais e leguminosas que, em conjunto, fornecem uma dieta nutritiva para o homem. Mundialmente, estes cultivos são ainda hoje os mais importantes. Em algumas áreas, particularmente nas terras altas úmidas, subtrópicos e trópicos, as principais fontes de carboidratos eram (e ainda são) culturas de tubérculos e raízes, tais como batata, batata doce, e outras que não cereais. Especula-se se estes cultivos de tubérculos e raízes, propagados vegetativamente, foram domesticados como alimentos principais nestas regiões devido ao fato dos cereais propagados por sementes não terem evoluído devido às condições adversas para a sobrevivência das sementes. 


As espécies vegetais utilizadas para a alimentação humana não mudaram muito desde o início da agricultura. 


    As chaves para a domesticação Existe pouca evidência definitiva sobre os processos envolvidos na domesticação de plantas. Jared Diamond, em controverso livro, especula que, além dos critérios óbvios utilizados na escolha das plantas a serem domesticadas, tais como tamanho da semente, gosto, facilidade de preparo como alimento, armazenabilidade, e assim por diante, mudanças em três características nas populações selvagens foram as chaves para a domesticação. Primeiro, a característica de fácil e precoce debulha das sementes desenvolvida para a dispersão das espécies foi um sério obstáculo à domesticação e teve que ser superado. A aparente solução foi procurar na população de plantas, mutantes que retivessem por mais tempo as sementes em lugar de dispersá-las tão logo elas ficavam maduras. Segundo, os mecanismos de dormência desenvolvidos em populações de espécies vegetais para distribuir a germinação no tempo, impediam a germinação e emergência relativamente sincronizadas e uniformes, necessárias para a produção de um cultivo.

    A provável solução neste caso foi também a identificação de plantas mutantes com menor grau de dormência que permitisse germinação e emergência relativamente rápidas, mas que ainda impedisse que as sementes germinassem "na espiga", uma condição desastrosa para uma cultura. Terceiro, muitas das espécies com boas qualidades para domesticação eram auto-estéreis ou auto-incompatíveis. Esta condição resultou em polinização cruzada, a qual aumentou muito as dificuldades na seleção e manutenção das características desejáveis do mutante, de forma que mutantes auto-férteis (auto-polinizadores) com as características desejáveis eram procurados, multiplicados e então domesticados. Cultivo de trigo, arroz, batata, feijão, soja, seleção para não debulha precoce, nível mais adequado de dormência e auto-fertilidade? Todos estes cultivos antigos, assim como os objetivos de melhoramento, nos são familiares. Afinal, estes são os nossos cultivos de sempre... 


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