A transgenia e as fábricas biológicas

Edição XXIII | 06 - Nov . 2019
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br

    O que você acharia se medicamentos para tratamento de doenças como diabetes, AIDS, ou até mesmo câncer, pudessem ser mais baratos e acessíveis? A questão é, como produzir esses compostos em larga escala tornando a sua utilização economicamente viável? É com esse objetivo que a tecnologia do DNA recombinante, através da transgenia, vem sendo utilizada para produzir Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) que se constituem em verdadeiras fábricas biológicas “biofábricas” para a produção de substâncias de alto valor agregado.

    A aceitação dos transgênicos sempre foi maior na medicina do que na agricultura. Tanto isso é verdade que o primeiro produto comercial oriundo da transgenia é a insulina  aprovada em diversos países, inclusive no Brasil. Antes da descoberta do DNA recombinante, a insulina para o tratamento da diabete era produzida a partir do pâncreas de animais abatidos. Esse método, de maneira geral, funcionava bem nos pacientes, porém apresentava algumas limitações. A estrutura química desse hormônio isolado de animais era ligeiramente diferente da insulina humana, podendo, em alguns casos, provocar reações imunológicas nos pacientes. Além disso, era necessária uma quantidade muito grande de pâncreas para produzir uma pequena quantidade do hormônio, elevando os custos de produção, além da possibilidade da contaminação de doenças de animais. 

    A partir da descoberta do DNA recombinante, o gene da insulina humana foi inserido no DNA de uma bactéria de fácil e rápida multiplicação (Escherichia coli), a qual é amplamente utilizada em laboratório. Já na década de 1980, a insulina passou a ser produzida a partir dessa tecnologia, sendo que hoje a maior parte da insulina consumida no Brasil e no mundo é GM. 

    A exemplo disso, outros medicamentos passaram a ser produzidos por meio do DNA recombinante, por exemplo, o hormônio do crescimento, que regula funções metabólicas importantes e é essencial para o desenvolvimento corporal. Podemos citar também as citocinas, substâncias que atuam na comunicação intercelular, com aplicações terapêuticas importantes no tratamento de hepatites, câncer, entre outras. Diversas outras moléculas como as heparinas usadas no controle da tromboembolia, ou o Fator anti-hemofílico, são produzidos por meio da engenharia genética, sem contar as vacinas recombinantes, que correspondem a aproximadamente 30% do total de produtos obtidos por meio da engenharia genética e que passaram pela aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).


        (...) vacinas correspondem a aproximadamente 30% do total de produtos obtidos por meio da engenharia genética e que passaram pela CTNBio.


    Não apenas microrganismos podem ser geneticamente modificados visando produzir substâncias com aplicações em diversos setores da economia, mas também plantas e animais transgênicos. Além da produção de medicamentos, são exemplos de biofábricas a utilização da cana-de-açúcar para produção de biocombustíveis, ou ainda, enzimas usadas em atividades como fabricação de detergentes para lavagem de roupas e processamento de alimentos e ração animal. Entre as espécies vegetais, o tabaco tem sido a mais utilizada para esse fim, devido à facilidade de manipulação genética, ao baixo custo e ao elevado rendimento. Diversos estudos já foram conduzidos mostrando o potencial do uso de plantas de tabaco GM visando a produção de vacinas para doenças  como a Hepatite B, o vírus Influenza e até mesmo Zika e Ébola. 

    Culturas produtoras de grãos, como a soja, por exemplo, também apresentam potencial para esse fim. Foi o que mostrou uma pesquisa realizada em parceria entre a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e a Universidade de Londres. No estudo, comprovou-se que a soja é uma biofábrica eficiente para a produção em larga escala da cianovirina, uma proteína de algas eficaz no combate à AIDS. A capacidade natural dessa proteína extraída da alga azul-verde (Nostoc ellipsosporum) em impedir a multiplicação do vírus já era conhecida pela comunidade científica. O que faltava era descobrir uma forma economicamente viável para produzir a proteína em larga escala. Outros organismos, como levedura, bactéria e até mesmo plantas de tabaco, foram previamente testados para essa finalidade, no entanto a opção mais viável foi a soja.

    A utilização de plantas como biofábricas pode contribuir significativamente para redução de custos para produção de medicamentos, além de permitir a agregação de valor a produtos agropecuários. O Brasil possui uma legislação moderna e um sistema eficiente de avaliação da biossegurança destes produtos. O uso de plantas como biofábricas é uma área que avança nos países desenvolvidos, com empresas sendo abertas nos Estados Unidos, Canadá e China. Com o devido investimento no fomento, por exemplo, da criação de StartUps, este setor poderia gerar milhares de empregos no Brasil, permitindo que profissionais das áreas biológicas desenvolvessem empresas no Brasil, gerando tecnologia nacional, movimentando nossa economia, e com os ganhos financeiros ficando em sua maior parte aqui.

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