A diferenciação que não é mais um diferencial

Edição XXIII | 03 - Mai . 2019

    Diferenciação é uma das palavras de ordem, tanto no ambiente empresarial como no profissional. Qualquer empresário ou gestor sabe que sua empresa precisa se esforçar com o que for possível para se diferenciar no mercado, tornando seus produtos e serviços atrativos se quiser ter alguma chance real de sobreviver. Quiçá avançar.

    Mas, a impressão que se tem é que não há grandes diferenças e falta criatividade. As oportunidades de diferenciação, ao que tudo indica, se esgotaram. Basta ver os anúncios publicitários com um pouco de atenção: são todos muito semelhantes. Parece tudo a mesma coisa, logo a diferenciação apenas será percebida através do vale-tudo do marketing.


    A experiência de uso e o juízo de valor

    Uma maneira simples de avaliar se o seu modo de diferenciação está realmente alinhado com a sua identidade e filosofia é fazer um exercício, simulando ou colando a sua chamada, slogan, mote de campanha ou o produto em si em algum dos seus concorrentes. Se você notar imediatamente que aquilo não tem nada a ver com a outra empresa, parabéns, você está no caminho certo. Caso contrário, revise a estratégia, pois a sua situação é “mais do mesmo”. 

    Diante do grande e real desafio, a primeira questão que precisamos ter em mente é que para nos diferenciarmos nem sempre precisamos mudar. Pelo contrário, às vezes manter-se firme no propósito, nos valores e nas práticas pode ser um grande diferencial. Logo, se diferenciar mudando algo que está dando certo pode trazer mais problemas que benefícios.

    Por uma razão simples: as mudanças nunca podem prejudicar a experiência de uso. Especialmente quando ela já é boa. Ou seja, nenhum cliente quer ter surpresas na sua recompra ou readoção de qualquer produto ou serviço da empresa em que é cliente, a não ser que o benefício seja de tal modo evidente que as expectativas sejam superadas imediatamente.

    Não pode haver um solavanco em relação ao histórico de adoção. Ninguém gosta de mudanças que afetam a forma do que já está dando certo. Ao se diferenciar no mercado, o benefício da mudança precisa ser percebido imediatamente pelo cliente. Se não houver percepção real e imediata dos benefícios, a mudança será encarada como um problema e, por consequência, poderá ser nefasta para a organização.


    Três perguntas inconvenientes

    Sob o ponto de vista mercadológico, há pelo menos três questões fundamentais que qualquer empresário ou gestor precisa saber responder sobre o seu negócio se espera ter um mínimo de visão e segurança. Se tiver dificuldades imediatas em fazê-lo, é importante que reveja as concepções da existência e dos propósitos da sua organização.

    A primeira é exatamente em ter claro: qual o principal objetivo estratégico do seu negócio, numa visão de longo prazo? A segunda consiste em quais são os efetivos diferenciais competitivos da sua empresa ou produto? Ou, dito de outro modo, o que faria alguém querer fazer negócios com você? E por consequência, uma vez identificadas as individualidades, como você garante esses diferenciais que julga ter?

    Se você é capaz de apenas responder a isso, por consequência, podemos concluir que sua empresa já possui um nível de entendimento e um nível de competitividade acima da média no mercado. Vamos a elas.


    Atrair e reter clientes

    Em relação à primeira questão, muito se fala em lucro, rentabilidade, eficiência, qualidade, atendimento ao cliente, dentre outras similares. Todas podem fazer parte de um conjunto de objetivos importantes a serem alcançados de algum modo e em algum momento. Mas nenhuma delas reúne o que de fato é vital para seguir em frente no longo prazo.

    Não tenho dúvidas que o único objetivo capaz de garantir isso se resume em atrair e reter os clientes. Sim, a nossa preocupação fundamental como gestores deve ser sempre no principal stakeholder que possuímos: o cliente. Mas, mais do que isso, tudo o que fazemos deve levar em consideração que nosso objetivo é atrair e depois mantê-lo o mais longo tempo possível.

    Não se iluda com o resto. Quem faz a esteira funcionar é o cliente e mais ninguém. Toda a estrutura trabalha para isso. O foco deve ser nele. Se tivermos lucro, mas o cliente está insatisfeito, por exemplo, no médio prazo o cliente se vai e o lucro também. 

    O inverso também é verdadeiro: se o cliente estiver satisfeito, mas não auferirmos lucro, no médio prazo não atenderemos mais as suas expectativas, pois sem lucro fatalmente reduziremos a nossa performance e, por consequência, perderemos o cliente do mesmo modo. 

    Por outro lado, podemos ser eficazes, mas se o que entregamos não é exatamente aquilo que ele quer, ou o concorrente conseguir entregar algo melhor, que agrade mais, também perderemos. Por isso, não perca de vista seu principal objetivo estratégico: ele, o cliente.


    Os diferenciais competitivos percebidos

    Sem grande análise conceitual, você precisa saber responder: no que de fato sua empresa é boa ou melhor que as demais? O que aguça alguém a querer fazer negócios contigo em detrimento dos seus concorrentes? Em síntese, você precisa conhecer que tipo de expectativa está conseguindo atender em seus clientes e que fazem com que busquem a sua organização reiteradamente e não outra.

    Mas isso não se resume ao campo teórico ou genérico, como qualidade superior, atendimento diferenciado ou algo do gênero. Isso são termos subjetivos que podem ser muita coisa ou nada ao mesmo tempo. Precisa expressar exatamente o que você faz que dê, por exemplo, confiança ao cliente para ele voltar.

    Entregamos o que prometemos, nunca atrasamos um pedido, atendemos dúvidas ou reclamações em menos de determinado tempo, a performance a campo dos nossos produtos é em média X% e o dos concorrentes é Y%, menor. Temos os produtos Alpha e Beta, capazes de suportar X% a mais de tempo a campo, algo que os outros não têm. Somos capazes de suportar financeiramente o cliente a um custo mais baixo que as opções convencionais, dentre outros.

    Isso, sim, são diferenciais objetivos, fáceis de identificar e que, acima de tudo, devem se tornar claros e perceptíveis aos clientes, acentuadamente quando você busca comparação com as demais empresas que atuam no mercado.

    Agora, se você não for capaz de informar quais são os seus diferenciais percebidos, existe um problema sério. Mas preste atenção num detalhe: não me refiro aos diferenciais que você acredita que sua empresa tenha e sim em quais os diferenciais que você acredita que o cliente veja em sua empresa. Ou seja, os diferencias percebidos efetivamente pelo seu cliente.


        (...) a nossa preocupação fundamental como gestores deve ser sempre no principal stakeholder que possuímos: o cliente.


    Um alvo móvel

    Por fim, tão relevante como identificar os diferenciais percebidos pelos seus clientes é saber como garantir que eles se perpetuarão. Quais são as práticas, processos ou estratégias que a empresa adota para não permitir que algum diferencial se perca no médio ou longo prazo?

    Obter diferenciais não é, nem de longe, a grande dificuldade, mas desenvolver estratégias para que esses sejam mantidos ou novos diferenciais sejam continuamente desenvolvidos é o grande desafio real.

    Para ilustrar essa realidade, numa determinada ocasião o CEO (chief executive officer) de uma corporação da indústria automobilística foi questionado se não era temeroso para a organização que as empresas fornecedoras de peças e equipamentos (que também forneciam para os seus concorrentes) conhecessem todo o sistema e auxiliassem no desenvolvimento dos seus produtos finais. E, desse modo, era possível que os concorrentes copiassem facilmente suas inovações.

    Respondeu que não havia problema algum em a concorrência tentar copiar o que faziam, pois quando estes se tornariam capazes de oferecer ao mercado a inovação copiada, a sua empresa já estaria novamente um passo a frente, dado que a sua estratégia era ser um “alvo móvel”.

    Em síntese, o diferencial dessa organização, que continua como uma das mais sólidas do mundo no setor, não era na inovação em si, ou na diferenciação aparente, e sim no modo de como fazer a inovação surgir dentro da empresa. Isso sim, um diferencial que integra tácito e explícito, algo efetivamente difícil de copiar.

    Por fim, é relativamente afiançável dizer que, se você e sua empresa forem capazes de responder a essas perguntas com segurança, já é excelente, mas se adicionalmente fizerem funcionar essa lógica, seu porto seguro sempre estará visível e próximo, já que ele também é um alvo móvel.

    Até a próxima.

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