As variabilidades e as consequências do clima em sementes de soja

Edição XXIII | 02 - Mar . 2019
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br

    As cultivares de soja estão sendo desenvolvidas e a semente, cartão de visita da cultivar, transformou-se num difusor de tecnologias e carrega alto valor agregado. Alternativas são apresentadas aos produtores para escolha de tipos de hábito de crescimento, ciclos, resistência a pragas, e estão presentes no portfólio das empresas obtentoras. Aqui existe o ponto nevrálgico. A confluência dos aspectos hábito de crescimento, principalmente, hábito indeterminado e a precocidade, quando associados ao clima incerto dos últimos tempos, está sendo determinante com relação à qualidade de semente, com ênfase no potencial fisiológico.


    O entorno da produção de sementes de soja e suas consequências

    Existe o caminho dicotômico: por um lado, a entrega de materiais genéticos que incrementam os rendimentos; por outro, a produção de sementes que enfrenta obstáculos para entregar aos agricultores a qualidade almejada para maximizar a produtividade. Motivos não faltam. As variabilidades da interação genótipo e clima têm sido desgastantes ao setor sementeiro, que busca em tecnologias pós-colheita uma trégua para preservação de vigor e viabilidade das sementes produzidas. 

    Vamos aos fatos. Para a qualidade de sementes de soja, devido às incertezas climáticas, cada cultivar representa uma Caixa de Pandora, referenciando à mitologia grega – a “caixa” era um grande jarro dado à “Pandora” (primeira mulher criada por Zeus) e que continha todos os males do mundo. Por que esta analogia tão cruel às nossas cultivares tão produtivas? Porque, dependendo de condições de estresses hidrotérmicos, a responsividade da soja pode carrear grandes prejuízos, a exemplo do que está ocorrendo na safra 2018/19. A realidade está estampada a todos que participam da cadeia do agronegócio. Não se trata apenas da qualidade da semente, mas também da qualidade de grão, que são severamente afetados quando o clima fica desgovernado. As temperaturas máximas foram máximas mesmo, em todo território nacional! E a semente como fica?

    Neste contexto, observa-se o desempenho e respostas das cultivares. Tudo reside na dependência da genética. Uma vez que existe uma definição muito abrangente de genótipo dado por Moreno-Martinez e colaboradores em 1994, é pertinente relembrá-la para que possamos entender os fatos.

    “O genótipo, é considerado o fator intrínseco mais importante na semente, que define as características fisiológicas e bioquímicas que interage com fatores externos que inclui o ambiente físico e biótico”. Simples assim. 

    O combo (abreviação do termo inglês combination) de algumas situações visíveis na semente de soja tem consequência no seu potencial fisiológico. No entanto, em outras, o prejuízo pode ser muito maior pelo descarte ou baixo aproveitamento na UBS ou ainda pelo reduzido período de longevidade, em razão dos estresses. A qualidade fisiológica fica muito oscilante entre testes, e mesmo entre subamostras de um teste ocorrem flutuações de resultados que dificultam as assertividades de decisões. Deve-se considerar que os defeitos, sobretudo na característica física, podem ser causadores de impactos na fisiologia das sementes. Os processos fisiológicos da semente são programados geneticamente e codificados durante o processo de sua formação.  

    Em respostas a elevações de temperatura, as plantas produzem as Proteínas de Choque Térmico. O estresse térmico faz com que muitas proteínas, que funcionam como enzimas ou componentes estruturais, tornem-se estendidas ou mal dobradas, levando assim à perda da estrutura e da atividade enzimática (a semente fica com depressões nos cotilédones). A maior parte das proteínas de choque térmico que auxiliam as células a suportar o estresse térmico atuam como chaperonas moleculares. E estas impedem que ocorram dobramentos incorretos e evitam deformação de proteínas, o que facilita o funcionamento adequado de células submetidas a elevadas temperaturas. 

    Outro aspecto verificado nas sementes oriundas de plantas que sofreram com déficit hídrico e temperaturas muito altas e tiveram secagem rápida em campo é a abertura dos cotilédones, localizada em região oposta ao eixo embrionário. A explicação dessa abertura está sendo de que a secagem de forma muito rápida faz com que não seja completa a retirada de água interna da semente. E, provavelmente, durante o período de enchimento de grãos, as condições vigentes eram satisfatórias para que houvesse uma boa granação. No processo normal, a água é retirada do interior para o exterior por diferenças de pressão de vapor da semente e do ar circundante. Uma vez que não houve a secagem normal, vai haver pressão e a semente como que explode – isso tem sido visto em várias cultivares de soja na safra 2018/19. 

    Em se tratando de estresses hidrotérmicos, a campeã da safra é a semente esverdeada, generalizada nos diferentes estados produtores. Até mesmo os estados que dificilmente convivem com esta característica, em relação às regiões do Brasil Central, já trabalham com a parcial degradação de clorofila à longa data.


Em se tratando de estresses hidrotérmicos, a campeã da safra é a semente esverdeada, generalizada nos diferentes estados produtores


    O teor de clorofila em sementes de soja é determinado pelo genótipo e sofre variação significativa entre as cultivares. Esse nível pode ser afetado tanto pelo estádio de maturação como por condições de secagem, ou por condições climáticas que podem interferir no amadurecimento normal em campo. Existe relação inversa entre o índice de sementes esverdeadas e a intensidade da tonalidade verde dos cotilédones com o potencial fisiológico das sementes, principalmente o vigor. Quanto mais esverdeada, mais problema e menor longevidade. No caso específico, em campo, a maturação é uniforme, não se evidenciam distúrbios na fenologia, ou seja, a planta sofre a senescência, seguindo um padrão de coloração normal de maturação, em relação ao total da população. 

    Entretanto, na debulha de vagens, pode-se observar algumas sementes com os cotilédones visivelmente esverdeados, sendo a localização destas sementes aleatória, tanto na planta quanto na vagem. Este tipo de semente está sendo bastante evidenciada na safra atual, em decorrência de estresses de elevadas temperaturas durante o processo de perda da clorofila. A literatura nos explica que em circunstâncias normais, durante a maturação, a enzima clorofilase degrada a clorofila em sementes de soja. Porém, em condições climáticas de elevadas temperaturas e déficit hídrico, as sementes amadurecem mais rápido do que o habitual, cessando a atividade da enzima antes que toda a clorofila tenha sido degradada. 

    Existem outras abordagens registradas, também causadoras de sementes verdes, a exemplo de maturação desuniforme, ataques de percevejos que ocasionam retenção, hastes verdes, doenças de raízes como as fusarioses, doenças do colmo como cancro da haste, e doenças de folhas como ferrugem asiática.  

    Este combo, apenas, dos três aspectos mencionados, os mais perceptíveis visualmente na produção da atual safra, precisa ser bem trabalhado e o conhecimento técnico a respeito deve ser buscado para minimizar perdas consideráveis no momento de entrega do produto. 




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