O cenário se confirma, mas há esperança

Edição XVIII | 06 - Nov . 2014

    Como é de costume em momentos de instabilidade, dúvida ou tendências econômicas perigosas, o desassossego se instala no ambiente e o alvoroço chega a se tornar visível, quando não o desespero. Parece que o agronegócio volta a sentir os calafrios cíclicos que lhe são peculiares, agora somada a instabilidade de um governo (nem tão novo), na nossa tenra democracia.


    Já Vimos Esse Filme

    No início do ano escrevi um artigo, tomando como lógica as organizações empresariais de um modo geral, onde afirmava que 2014 seria ‘um ano para ter paciência e melhorar a produtividade’, já ciente dos problemas advindos da sincronia de três fatores redutores da nossa competividade: o carnaval, a copa e as eleições.

    Como era de se esperar neste ano, a previsão de crescimento do nosso Produto Interno Bruto - PIB (como apenas um dos indicadores econômicos) está cada dia mais realista e menos afeita a arroubos ideológicos ou escaramuças pré-eleitorais (agora pós-eleitorais). Pelo andar da carruagem e contrariando as previsões (bastante ilógicas) do ministro da economia, precisamos ficar satisfeitos se o índice apontar crescimento nulo.

    Especificamente no agronegócio, embora não houvesse previsão consistente à época, somou-se o derretimento dos preços das principais commodities, tornando o que já era uma previsão temerária, uma constatação irretorquível sobre a necessidade de, mais uma vez, fazer jus a fama de grande capacidade técnica e elevado senso de adaptação, que o setor possui.

    Já estamos falando de 2015 e 2016, porque no agronegócio os players já se movimentaram e quase tudo está arranjado para o ano que vem. Não deve haver grandes novidades no front, salvo pequenos solavancos aqui e algumas oportunidades minguadas ali. Mas o grande tabuleiro está constituído, devendo-se considerar o que já está aí visível. Apenas uma hecatombe poderia mudar algo significativamente.

    Ao que tudo indica, teremos mais um período em que a gangorra agropecuária vai pender negativamente fazendo com que apenas os mais preparados, com lastro financeiro e pouco nível de endividamento aproveitem as oportunidades que tempos assim oferecem. É essa exatamente a tecla que reiteradamente aperto. Há anos falo disso. Mas como de costume, são poucos os que se preparam para momentos assim. A manada segue o seu destino.

    Seguir incólume por períodos assim tem sido exceção e um desafio hercúleo, embora se torne uma necessidade inerente ao agronegócio, já que é um processo relativamente recorrente, anunciado e de certo modo previsível. Por isso mesmo, não há necessidade de desespero (não pelo menos para os minimamente capitalizados), já que para o médio e longo prazos os sinais no horizonte são alentadores e oferecem boas perspectivas como prognóstico.


    Integrar-se à estrutura

    O grande desafio em qualquer atividade parece ser entender que ela é um negócio em si e não deve ser conduzida apenas com foco na produção, deixando o restante ao sabor das circunstâncias. Ou seja, as atividades estão sujeitas inevitavelmente a altos e baixos, principalmente em relação aos preços e às oportunidades de mercado. No agronegócio, o processo de produção primária apresenta essa característica de modo indelével, necessitando se preparar e integrar ao restante das estruturas para, desse modo, reduzir os efeitos nefastos das oscilações.

    Contudo, essa tarefa é proporcionalmente mais difícil à medida que menor for a escala de produção. A capacidade de interferir nos ganhos ao longo das cadeias de produção está diretamente relacionada ao tamanho da capacidade produtiva e às estratégias de integração aos demais agentes. Quanto maior e mais integrada, menores são os danos financeiros e econômicos, além de mais protegida a empresa normalmente consegue se apresentar.

    Obviamente que se tamanho é um problema a ser considerado na sua empresa, há apenas a estratégia das alianças e da cooperação como capazes de suplantar essa dificuldade. Contudo, isso requer, de um lado, inteligência emocional evidente e, de outro, flexibilidade individual em detrimento aos interesses coletivos.

    Os arroubos em períodos de vacas gordas também são motivos de preocupação, principalmente porque vêm acompanhados de aumentos no endividamento e apenas algumas vezes estão combinados com os ganhos reais de produtividade e lucratividade.

    Uma regra sábia é ‘mantenha-se capitalizado e represe recursos’, isso deixa você dormir melhor e também garante tranquilidade para sua empresa em momentos de dificuldade do setor, além de eventualmente permitir o aproveitamento de oportunidades que surgem nestes momentos. O raso da filosofia já considerava acertadamente que ‘tudo o que está bom em determinado momento vai piorar e vice versa’. Não há dúvida nisso.

    Em situações como a que estamos vivendo agora (preços baixos e custos elevados) é que o processo de concentração de renda também se intensifica. Nesses casos, normalmente os mais capitalizados ou com maior poder de intervenção aproveitam-se das dificuldades dos demais para ampliar o seu sistema produtivo.


    Recuperação Judicial

    Um dos aspectos mais evidentes de que as coisas não andam bem são as recuperações judiciais que começam a pipocar no agronegócio pelo Brasil afora. Cada vez com mais intensidade. Antevendo um cenário não muito animador no curto prazo, basta uma pequena pesquisa na internet e encontraremos um número significativo de empresas. E a lista vai aumentando diariamente.

    É verdade que o ano não vai bem para as empresas de um modo geral. Não é exclusividade do agronegócio. Basta acessar os relatórios mensais do Serasa Experian que perceberemos a evolução mês a mês, no comparado do ano anterior. Os indicadores têm aumentado significativamente.

    No agronegócio, os setores mais debilitados e que mais sentem o problema são as empresas que comercializam produtos agrícolas e veterinários, notadamente intensificado com o crescimento da venda direta entre indústrias e produtores rurais, principalmente a partir de meados dos anos dois mil. Desde essa época, quando a crise atingiu o setor, muitas distribuidoras e revendedoras de insumos encerraram suas atividades pelo país a fora.

    De lá para cá, tivemos um gap interessante, em que o agronegócio como um todo experimentou crescimento vigoroso e recuperações importantes, mas não parece ter sido o suficiente para estancar a erosão financeira de várias empresas, o que deverá se agravar agora, em detrimento deste novo cenário.

    Na prática, a situação atual da economia brasileira, de conjuntura desfavorável, merece atenção redobrada de todos os gestores e em especial daqueles que não conseguiram fazer, ou simplesmente não fizeram, a tarefa de casa no momento em que tiveram oportunidade. Dois aspectos que se complementam devem sempre estar em mente: “o mercado cobra o seu preço e dinheiro não aguenta desaforo”.

    Do ponto de vista da gestão, deve-se sempre buscar uma alternativa anterior ao pedido de falência. Nesse sentido é que, antes da recuperação judicial, entram os planos de reestruturação geral (algo que gestores em dificuldade deveriam fazer espontaneamente e não apenas nestes momentos drásticos). 

    Consiste na elaboração de um plano com o histórico detalhado da crise, sua origem, o diagnóstico sistêmico da empresa e, por conseguinte, as possíveis soluções para o imbróglio. Somente se isso não funcionar é que os especialistas recomendam a recuperação judicial, ou na pior das hipóteses, se nada mais for possível, o pedido de falência.

    Aguardemos os novos capítulos dessa novela cujo enredo não se esgota. É conhecidamente periódico.

    Até a próxima.


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