Qualidade de Sementes: Umidade e Temperatura

Edição XVIII | 06 - Nov . 2014
Geri Eduardo Meneghello-gmeneghello@gmail.com
    Produzir sementes com qualidade e na quantidade demandada pelos agricultores é um dos principais desafios da indústria sementeira. Dentre as principais culturas agrícolas anuais do agronegócio brasileiro, as que demandam maior volume e, portanto, maior organização e, consequentemente, maior profissionalização do setor são: soja, milho, arroz, trigo e algodão. 

    Sabe-se que uma região que apresenta condições favoráveis para a produção de grãos nem sempre reúne condições satisfatórias para a produção de sementes, gerando a necessidade de produzir sementes em uma determinada região e de transportá-las para outros locais. A produção de sementes acaba ficando concentrada em regiões que reúnem condições mais favoráveis para tal finalidade. As condições de temperatura e do regime hídrico estão entre os principais aspectos a serem observados na escolha do local para produção de sementes. Tecnicamente, é possível produzir sementes em qualquer local apto ao cultivo, mas os riscos de se obter qualidade aquém do desejado são grandes, além de haver custos altos para criar artificialmente condições que minimizem as chances de insucesso.

    Logo, soma-se às dificuldades que o setor enfrenta a logística de distribuição da região produtora até as regiões de consumo. Para que a semente chegue, com qualidade, até o agricultor, que é o consumidor final, é necessário planejamento e adoção de rigoroso controle de qualidade, o qual é viabilizado com pessoal devidamente qualificado e treinado, em todas as fases (produção, colheita, pós-colheita, armazenamento e distribuição). 

    Conforme mencionado, destacam-se como fatores que afetam diretamente a qualidade das sementes, independente do local de produção, a água (tanto falta quanto o excesso) e a temperatura (principalmente alta, mas em alguns casos a temperatura baixa também é prejudicial às sementes, principalmente durante a fase de campo).  O termo água e umidade, para fins deste texto, serão considerados sinônimos. 

    Os níveis de umidade e temperatura considerados adequados são variados em cada fase de desenvolvimento da cultura. Por exemplo, no crescimento vegetativo a umidade adequada é diferente daquela desejada na fase pós maturação fisiológica. Da mesma forma, para cada cultura a adaptação aos níveis de umidade é totalmente diferente; talvez o exemplo mais marcante seja a cultura do arroz irrigado, que tolera solos totalmente encharcados, ao passo que em outras espécies, como a soja e o milho, a tolerância ao encharcamento do solo é de apenas poucos dias, havendo comprometimento do desenvolvimento se isso ocorrer por períodos maiores.

    Com relação à temperatura vale a mesma lógica, principalmente quanto à adaptação das diferentes culturas. Cereais de inverno, como o trigo, obviamente toleram temperaturas bem mais baixas que culturas que crescem predominantemente na primavera/verão, como é o caso do milho. Considerando o espaço disponível neste texto, não será possível tratar as peculiaridades, portando nos restringiremos aos aspectos macros da água e da temperatura sobre a qualidade das sementes. 

    Há de se considerar também que uma temperatura, considerada adequada em um determinado processo, pode ser extremamente prejudicial em outro, principalmente em função do tempo de exposição. Quarenta graus durante a secagem são aceitáveis (o processo dura poucas horas), já durante o armazenamento (com duração de seis meses ou mais) são inaceitáveis do ponto de vista técnico. Passaremos agora a elucidar alguns pontos nas diversas fases do processo em que a temperatura e a umidade atuam de forma direta.

    Produção

    Considerou-se produção a fase de campo, ou seja, período compreendido entre a semeadura de uma lavoura destinada à produção de sementes, até a maturidade de colheita. 

    Os fatores em questão (umidade e temperatura) agem de forma direta em todas as fases, vejamos: Inicialmente – falando especificamente da água –, no campo, no caso de déficit hídrico, não haverá um satisfatório desenvolvimento da planta e, logo, da semente. O assunto já foi abordado pela SEED News (Ed. N° 3 Maio/Junho de 2011), na ocasião, focando as condições ideais no que tange à umidade para germinação e emergência. Umidade inadequada compromete não só a emergência, mas todo o desenvolvimento da planta, uma vez que todos os processos metabólicos ficam prejudicados.

    O excesso hídrico, por sua vez, principalmente na fase de maturação, pode atrasar a colheita e a oscilação de umidade contribui para acelerar a degradação das sementes. Por outro lado, a temperatura também atua de forma direta sobre o metabolismo das plantas, afetando, por exemplo, a respiração, a transpiração, a síntese e a translocação de fotoassimilados. Sendo assim, torna-se importante a escolha das regiões produtoras, preferencialmente locais com temperaturas amenas, principalmente durante a noite, o que é obtido, via de regra, em regiões de maior altitude. 

    Temperaturas elevadas na fase de enchimento de grãos favorecem o desenvolvimento de percevejos, demandando várias aplicações de defensivos para controlar estas pragas.

    Colheita

    Embora seja uma etapa relativamente rápida, considerando o processo como um todo, é de suma importância. Caracteriza-se por ser uma fase em que o produtor de sementes ou seu responsável técnico toma a decisão, antecipando, retardando, escolhendo a regulagem da colheitadeira, adotando determinada velocidade na colheita e tipo de equipamento a ser utilizado; ou seja, o agricultor pode escolher quando e como colher. Implicações técnicas a respeito destes quesitos foram elucidadas em matéria veiculada na edição passada da SEED News (Setembro/Outubro de 2014). Vamos nos restringir, portanto, a mencionar aspectos que o excesso ou falta de umidade podem causar às sementes, visto que as temperaturas, mesmo fora da faixa considerada adequada, nesta fase do processo, pouco afetam a qualidade das mesmas.

    Sabe-se que as sementes possuem máxima qualidade no momento da maturidade fisiológica, sendo este o momento teoricamente mais adequado para a colheita, porém inviável do ponto de vista prático, pois a umidade das sementes impede o processo mecânico de colheita. Logo, é necessário esperar para reduzir a umidade até atingir a “maturação de colheita”. Considerando aspectos inerentes à fisiologia de cada espécie, em razão das adaptações evolutivas para sua perpetuação, a maturação acontece de forma desuniforme (característica indesejada para os agricultores, mas fundamental para as espécies garantirem a sobrevivência). Logo, há na colheita grande variação de umidade entre as sementes, sendo necessário realizar secagem artificial para reduzir o excesso de umidade.

    Colher com umidade muito alta pode causar amassamento das sementes (soja), e, com umidade muito baixa, pode haver danos por trincamento, sem considerar o fato de que a espera pela redução “natural” da umidade aumenta o tempo de permanência no campo. Via de regra, a umidade das sementes oscila em vários pontos percentuais (pp) ao longo do dia, contribuindo para acelerar o processo de degradação (em soja pode ser mais de 5pp).

    Secagem 

    As sementes apresentam higroscopicidade, ou seja, ganham ou perdem água num processo dinâmico em função de variações na umidade relativa do ar - UR. Para um eficiente processo de secagem é necessário o conhecimento das propriedades físicas do ar. Via de regra, o ar é forçado a passar pela massa de sementes, cedendo calor e absorvendo água, ocasionando diminuição na temperatura e elevando a UR deste. 

    O processo de secagem com ar aquecido envolve a retirada parcial de água da semente através da passagem de ar seco pelas mesmas. Neste processo, a umidade relativa tem sido utilizada como referência para inferir se a semente irá perder (processo de secagem), ganhar (processo de umedecimento) ou manter sua umidade, no caso de haver equilíbrio  higroscópico sob determinada condição.

    Modificando-se a temperatura do ar, altera-se a UR; logo, é possível aumentar a capacidade de retirada de umidade das sementes. Estes conhecimentos são fundamentais para a secagem das sementes. No entanto, cuidado especial deve ser tomado com relação à temperatura; por exemplo, no método contínuo, recomenda-se usar temperaturas do ar de 40 a 60°C, de modo que a temperatura da massa de grãos fique, no máximo, em 43°C, sob risco de reduzir drasticamente a qualidade das mesmas se ultrapassarmos este limite referencial.

    Nesta etapa do processo fica marcadamente nítida a relação próxima que umidade e temperatura possuem, pois se usa a temperatura para alterar as propriedades físicas do ar, e com isso implementar o processo de secagem da semente.

        
    Beneficiamento 

    Uma unidade de beneficiamento de sementes possui infraestrutura para recebimento, secagem, beneficiamento, armazenamento e tratamento de sementes. Em todas as etapas, após a secagem, considera-se que a temperatura deve ser reduzida ao máximo (em termos práticos, 15 a 20°C é um excelente parâmetro), visando reduzir a taxa respiratória e o metabolismo da semente. Portanto, nesta etapa do processo, a semente está seca e a temperatura do local é parcialmente controlada, logo, considera-se a etapa em que há menor influencia direta da umidade. O processo dura relativamente pouco e é realizado com a semente já seca e com baixo risco de haver temperaturas extremadas.

    Armazenamento 

    Inicialmente, há de se considerar que as sementes ficam armazenadas desde a colheita até a época de semeadura na próxima safra. Nesta fase, está sob responsabilidade do sementeiro a conservação das mesmas, devendo ser “oferecidas” as melhores condições possíveis. Assim, o principal objetivo do armazenamento é a manutenção da qualidade das sementes, reduzindo ao mínimo a deterioração.

    Sementes secas a 12% de umidade e armazenadas em ambiente com UR elevada tenderão a buscar naturalmente o equilíbrio higroscópico com o ar, podendo aumentar a sua umidade. No armazenamento, a temperatura também possui influência direta, pois é notório que, para aumentar a longevidade das sementes, tanto a temperatura (do ambiente e das sementes), quanto a umidade (das sementes e do ar) devem ser reduzidas. 

    A temperatura e a umidade são os fatores mais importantes que afetam a qualidade das sementes durante o armazenamento, sendo que já na década de 1970 o renomado pesquisador J. Harrington apresentou algumas regras práticas a serem consideradas no armazenamento de sementes, que permanecem válidas até hoje:
 - Para cada 1% de diminuição do grau de umidade da semente, duplica-se o potencial de armazenamento (intervalo de 5 a 14%)
- Para cada 5,5°C de diminuição na temperatura, duplica-se o potencial de armazenamento da semente (faixa de 0 a 40°C);
- O somatório da temperatura de armazenamento (em °F) e a UR não deve ser maior que 100, desde que a temperatura não represente mais do que a metade desta soma.

    Umidade em excesso durante o armazenamento acelera o metabolismo da mesma, contribuindo para aumentar a velocidade do processo de deterioração, além de propiciar condições mais favoráveis para o desenvolvimento de patógenos. Por outro lado, a água é necessária para manter a semente viva. Não pode ser retirada toda a água de uma semente.  A água é necessária, mas se não for na medida certa pode ser prejudicial.

    Tratamento

    São inegáveis as vantagens do tratamento de sementes. Nos últimos anos houve uma grande profissionalização do setor, representada pela adoção do tratamento de forma industrial, que reduziu substancialmente problemas de contaminação dos operadores e melhorou a distribuição de produtos utilizados, maximizando a sua eficiência.

    Novamente, menciona-se que este processo está localizado junto à UBS, portanto, comentários acerca da temperatura foram abordados no item referente ao Beneficiamento e Armazenamento.

    Todavia, o processo utiliza produtos geralmente líquidos, o que contribui para o aumento da umidade das sementes. Se um lote de sementes estiver com 13% de umidade, com o tratamento haverá absorção do líquido utilizado (calda), mesmo que superficialmente. Estando a semente com umidade próxima do limiar máximo aceitável, há sim riscos com o processo, mesmo havendo evaporação de parte da calda.

    Avaliação da qualidade

    A avaliação de qualidade das sementes deve ser feita em todas as fases do processo.  Para tanto, a avaliação mais comumente realizada é, sem dúvida, o teste de germinação, que possui padronização para um grande número de espécies e há padrões mínimos de percentagem de germinação estabelecidos na legislação para fins de comercialização. Os procedimentos para sua realização são normatizados no Brasil pelo Ministério da Agricultura, através das Regras para Análise de Sementes. Internacionalmente, há padrões estabelecidos pela ISTA - International Seed Testing Association. Ambos os documentos explicitam as condições de realização dos testes, que em essência versam sobre: - o tipo de substrato a ser utilizado, sendo o mais comum o papel germiteste ou papel mata borrão; - o período de duração do teste (data das contagens). Por fim, relacionado ao tema ora discutido temos a umidade do substrato – segundo a RAS, durante todo o teste, o substrato deve ser suficientemente úmido, a fim de dar às sementes a quantidade de água necessária para a germinação. 

    O substrato, especialmente o de papel, não deve ser tão umedecido a ponto de formar uma película de água em torno das sementes, já que este excesso restringe a aeração, prejudicando a germinação. Para a maioria das sementes deve ser adicionado um volume de água em quantidade equivalente a duas ou três vezes o peso do substrato.

    Com relação à temperatura, há uma variação bastante grande, como pode ser observado na tabela no texto, com espécies apresentando temperatura ótima para condução do teste, 10°C, e outras com 35°C. Por outro lado, para algumas espécies, como o milho e a soja, há a possibilidade de serem utilizadas diferentes temperaturas, constantes durante todo o período de realização do teste, e até mesmo temperaturas alternadas, simulando a alternância que ocorre na natureza dentro do dia e da noite. Esta variação de temperaturas está relacionada com o ambiente em que as espécies naturalmente se desenvolvem. 

    Algumas espécies possuem dormência, e a realização do teste de germinação, sem a observância desta característica, pode gerar um resultado impreciso, sendo, portanto, recomendada a aplicação de métodos para superação, um dos quais é a temperatura, sendo que para algumas espécies são utilizadas temperaturas baixas e para outras temperaturas altas (ver exemplo no texto).

    Em contra partida, a título de exemplo, pesquisas são realizadas buscando identificar genótipos que toleram temperaturas de germinação abaixo da considerada ótima para a cultura, permitindo com isso aumentar a janela de semeadura, por exemplo, em arroz. A identificação de genótipos tolerantes ou adaptados a esta condição é feita mediante a exposição durante o período de germinação a temperaturas sub ótimas. Aqueles materiais que conseguem germinar e formar plântulas normais são considerados mais adaptados a esta realidade.

    Os agricultores estão se profissionalizando, exigindo cada vez mais sementes de qualidade. Atentos a isso, os produtores de sementes precisam avaliar a qualidade de suas sementes, não somente com o teste de germinação, que fornece apenas a viabilidade do lote, e que não raras vezes possui baixa correlação com o desempenho no campo, sendo necessária a realização de testes de vigor. Dentre os mais utilizados e com metodologia mais calibrada está o Teste de Frio, que expõe as sementes depois de acondicionadas no substrato a temperaturas na faixa dos 10°C por período de sete dias, e, na sequência, é conduzido o teste de germinação nas condições estabelecidas nas RAS para a espécie. Sementes de boa qualidade apresentam alta taxa de germinação mesmo expostas a este estresse.

    
   Outro teste bastante utilizado é o teste de envelhecimento acelerado, cujo princípio baseia-se no fato de que a taxa de deterioração das sementes é aumentada consideravelmente através de sua exposição a níveis muito adversos de temperatura e umidade, considerados os fatores ambientais preponderantes na intensidade e velocidade de deterioração.

    No teste de envelhecimento acelerado, as sementes são submetidas a uma situação de estresse (atmosfera com alta temperatura e umidade relativa) no período que antecede a sua germinação. Sementes de boa qualidade toleram essa situação de estresse e mantêm sua capacidade de produzir plantas normais quando germinar. O conhecimento e o manuseio das condições de temperatura e umidade estão intimamente relacionados com todo o processo de avaliação da qualidade de um lote de sementes.

    Considerações importantes

    Estes dois quesitos, Água e Temperatura, andam juntos em todas as fases de uma semente, deste o início do desenvolvimento de uma planta, passando por todo o período de produção, até a efetiva utilização da semente. Portanto, torna-se imperioso a todos os envolvidos no negócio sementes conhecer as implicações que os extremos (falta ou déficit hídrico e temperaturas muito baixas ou muito altas) podem causar na qualidade das sementes.

    Por outro lado, se conhecermos os limites e as implicações que água e temperatura exercem sobre a semente, podemos nos planejar, para minimizar efeitos negativos e potencializar aspectos positivos, criando, na medida do possível, condições mais satisfatórias para manter a qualidade do mais importante dos insumos da agricultura: a Semente. Profissionais e empresas ligados ao setor de sementes, preocupados com a qualidade de seus serviços e/ou produtos devem estar atentos e em atualização constante.

    A qualidade final de um lote de sementes é a soma de uma série de atributos gerenciados por diversos processos. Cada etapa, se inadequadamente adotada, contribui para redução da qualidade, que atingiu seu ápice na maturidade fisiológica (Qualidade 100). Se quisermos entregar uma semente ao consumidor, por exemplo, com qualidade 90 (Empresas Top devem focar em qualidade maior que este patamar), devemos perseguir a perfeição em cada etapa. Há de se considerar que em cada uma das diversas fases do processo – campo, colheita, secagem, beneficiamento, armazenamento, tratamento, ensaque, transporte até revenda, manuseio na revenda – poderão ocorrer falhas. Independente do motivo, se em cada etapa houver acontecimentos que contribuam para a redução de dois pontos percentuais na qualidade, já estaremos nos aproximando do limiar mínimo aceitável, e isso é extremamente perigoso. 

    Conhecimento técnico e profissionalismo são aspectos chaves para a eficiência.

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