A conexão da condição ambiental com o potencial fisiológico da semente de soja

Edição XXII | 04 - Jul . 2018
Maria de Fátima Zorato-fatima@mfzorato.com.br

    Todos nós conhecemos a relação de dependência que existe no ecossistema, e ainda sobre a disposição dos biomas como resultado de complexas interações entre a distribuição do calor do sol, padrões de circulação do ar e fatores geológicos, os quais são causadores de amplas diferenças de temperatura e precipitação de um local para o outro e de uma estação para a outra.

    A soja é uma importante cultura que foi se estabelecendo em diferentes regiões do Brasil, com a árdua contribuição de instituições de pesquisa e programas de melhoramento genético. Se constitui numa realidade a expansão da produção, além dos estados do Sul, para o Cerrado, Nordeste e Norte do país. Pode-se dizer que houve transformação do bioma dessas regiões, tornando-as celeiros agrícolas.

    No entanto, como nem tudo são flores, para produzir sementes de alta qualidade alguns desafios, no dia a dia, têm sido enfrentados pelas empresas sementeiras. Os genótipos atuais, que em grande proporção são de hábito indeterminado – continua o crescimento vegetativo após florescimento, fato que corrobora para deixar a massa heterogênea – interagem com os fatores abióticos e bióticos, possibilitando consequências múltiplas, principalmente no vigor da semente.

    Elevadas temperaturas quando associadas ao déficit ou ao excesso hídrico, em determinadas fases, podem carrear prejuízos à qualidade do produto. 

    Nos últimos tempos, tem surgido questionamentos sobre uma situação específica, relacionada às depressões na superfície do cotilédone de soja. Fica com aparência de amassamentos, tipo covinhas, distribuídos de maneira aleatória na semente. Geralmente, têm maior incidência na produção, em locais com temperaturas mais elevadas, mas não deixando também de surgir em todas as demais regiões produtoras.  

    O assunto necessita visita à literatura, principalmente na Fisiologia Vegetal. Taiz e Zeiger (2004), que também citam outros pesquisadores no texto, relataram que, sob temperaturas mais altas, as plantas produzem proteínas de choque térmico (HSPs – heat shock proteins). Explicam de forma detalhada o que acontece e vale a pena conhecer o mecanismo, haja vista nos depararmos constantemente com o produto avariado.


    Quem são estas proteínas, como e quando funcionam?

    Os referidos pesquisadores mencionam que a maior parte das proteínas de choque térmico que auxiliam as células a suportar o estresse térmico funcionam como chaperonas moleculares – se ligam à cadeia polipeptídica, impedindo que ocorram dobramentos incorretos, mas não tomam parte na estrutura final da proteína. 

    O estresse térmico faz com que  muitas proteínas, que funcionam como enzimas ou componentes estruturais, tornem-se estendidas ou mal-dobradas, levando, assim, à perda da estrutura e da atividade enzimática. Tais proteínas mal-dobradas muitas vezes agregam-se e se precipitam, criando sérios problemas dentro da célula, servindo para alcançar um dobramento correto e assim evitar a deformação de proteínas, o que facilita o funcionamento adequado de células submetidas a elevadas temperaturas. 

    Exemplificaram ainda que, quando plântulas de soja são repentinamente mudadas de 25°C para 40°C (exatamente abaixo da temperatura letal), a síntese do conjunto de mRNAs e proteínas, comumente encontrados na célula, é suprimida, enquanto a transcrição e tradução de um conjunto de 30 a 50 outras proteínas (HSPs) são intensificadas. Novos mRNAs transcritos para HSPs podem ser detectados três a cinco minutos após o choque térmico. 

    No entanto, as proteínas de choque térmico também são induzidas por elevações mais graduais de temperatura, que são representativas do ambiente natural e ocorrem em plantas sob condições de campo. Algumas HSPs são encontradas em células normais, não-estressadas; algumas proteínas essenciais são homólogas às HSPs, mas não aumentam em resposta ao estresse térmico.

    As células induzidas à síntese de HSPs mostram desenvolvimento de tolerância térmica e podem tolerar exposição a temperaturas que, do contrário, são letais. Por outro lado, algumas HSPs não estão relacionadas, de forma exclusiva, ao estresse por temperatura alta. Elas também são induzidas por estresses ou condições ambientais bem diferentes, incluindo déficit hídrico, tratamento por ácido abscísico, lesão, temperatura baixa e salinidade. Assim, células anteriormente expostas a um estresse podem se tornar protegidas contra outro estresse. 

    Observamos neste pequeno resumo que existe um complexo envolvendo a produção de semente de soja, mas uma coisa é certa: a genética e a condição ambiental estão intrinsicamente relacionadas na resposta do efeito final.


    "Células anteriormente expostas a um estresse podem se tornar protegidas contra outro estresse"


    Efeitos da depressão na semente de soja ocasionado por estresse ambiental

    Pesquisas com depressão indicam que existe a dependência de genótipo, podendo variar de maneira acentuada com a flutuação das condições climáticas de uma safra para a outra, dificultando a padronização de métodos, em nível de campo, para selecionar genótipos de soja. A depressão causa redução no peso seco da semente, resultando em perdas significativas da qualidade fisiológica da semente. 

    Enfim, existe a multiplicidade de fatores negativos em sementes que expressam as depressões. As lavouras estão, de maneira frequente, expostas a algum tipo de estresse – um fator externo que exerce uma influência desvantajosa sobre a planta, podendo ser extensivo à semente. Portanto, é fato que, ao encontrar uma semente com a depressão, vale-se inferir que aquele campo que originou tal semente sofreu com alguma circunstância desfavorável. Na safra 2017/18, no Brasil Central, verificou-se cultivar que apresentou 100% de sementes com as depressões e o campo de muitos hectares descartados. Normalmente, as consequências são onerosas em todos os aspectos, acima de tudo, no potencial fisiológico. Resta torcer para que o genótipo, em resposta a elevações de temperatura de 5°C a 10°C, produza as proteínas de choque térmico (HSPs), conforme demonstra a literatura e minimize perdas na qualidade da semente e na economia. 

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