Movimentos Pouco Sociais

Edição XIII | 06 - Nov . 2009

    Dentre os assuntos do agronegócio que pululam as manchetes na mídia, desde meados de julho, estão as arruaças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. A priori, o destaque se dá diretamente em função da pressão para ampliar as arrecadações oficiais do movimento e principalmente diante das pré-definições ao cenário político para as eleições de 2010. 

    Por outro lado, também conseguiu chamar para si o centro de pelo menos três debates importantes no contexto do agronegócio: de um lado, a burlesca discussão entre agricultura familiar e agronegócio; segundo, o direcionamento dos investimentos biotecnológicos e, por último, o modelo de descentralização fundiária, ambas diretamente relacionadas ao setor sementeiro e, por consequência, à segurança alimentar.

    As Fases do Movimento

    O movimento, que se auto-intitula social, teve pelo menos três fases distintas de relacionamento com a sociedade: a primeira, de total desconhecimento e descrédito do seu propósito e principalmente dos métodos, que em alguns casos perdura até hoje; a segunda, de percepção e amadurecimento da relevância e do seu necessário papel enquanto processo dinamizador e de resgate dos valores históricos de equidade social; e terceiro, de xenofobia, de parte a parte, com a ampla maioria da sociedade dada às práticas grotescas de obtenção das suas intenções, associado à dubiedade destes mesmos objetivos, utilizando-se justamente de expedientes similares aos que se propunha debelar no momento da sua gênese, ainda em meados da década de 80.

    Tive o primeiro contato com o movimento quando ainda era um menino de 11 anos e fazia a quinta série numa escola estadual de 1º Grau Incompleto, no interior do Rio Grande do Sul, mas me lembro nitidamente. Meus pais eram da roça, agricultores familiares, e com sacrifício conseguiam dar estudo aos seus filhos e manter uma vida digna, mesmo tendo apenas 15 hectares.

    Já tínhamos ouvido falar dos “acampados” que haviam invadido uma fazenda na região do município de Sarandi/RS, mas era algo mentalmente distante de nós e pouco ou quase nada se sabia até então do assunto. De repente, correu na vizinhança a notícia de que um acampamento havia se instalado num matagal à beira da estrada, distante apenas três quilômetros da nossa casa e quatro da vila.

    A desconfiança e o alvoroço foram imediatos. As pessoas ou organizações que apoiavam a iniciativa eram vistas com reserva e não foram raros os casos de discriminação. Movimentos sociais eram palavras estranhas, sem muito significado prático para as pessoas daquelas cidades, principalmente do interior, na sua maioria composta de agricultores familiares acostumados a produzir com o próprio esforço, e normalmente de criação familiar muito proba, recatada e de respeito à família e à propriedade.

    Na escola, a professora promoveu um debate e tive a oportunidade de fazer uma entrevista no acampamento. Assim, comecei a conhecer melhor como funcionava oficialmente a estrutura e reunir informações para discutir. Mais tarde, minha formação acadêmica e o contínuo debate me permitiram mais nitidez sobre o modelo e as questões circunscritas a ele.

    Após o período da difamação e desconfiança, passou a ostentar algum reconhecimento social e, para muitos, tinha legitimidade, gozando, em alguns casos, de certo prestígio, principalmente nas organizações religiosas e políticas de esquerda. Por fim, a idéia é que era algo que, se bem conduzido, poderia ter algum benefício, frente ao processo crescente de concentração da propriedade e da renda.

    A fase de relativa conivência da sociedade, contudo, já passou há algum tempo. Hoje existe apenas um debate velado, e a ampla maioria vê o movimento como um grupo fluído. Poucos efetivamente defendem o modelo de interlocução do MST ou acreditam na eficácia dos seus propósitos, inclusive e principalmente pela falta de consistência e de continuidade dos resultados práticos apresentados até o momento. 

    Os coordenadores têm se apresentado na sociedade, numa nítida busca de manutenção de poder e não de preocupação com o aspecto social do movimento. Os resultados materiais são ínfimos, se considerarmos os aspectos produtivos, centrais para a manutenção dos objetivos primários do movimento, dentre eles, acesso à terra. 


    Relação com o Agronegócio

    A discussão em torno do projeto econômico-filosófico do MST atinge direta e indiretamente um conjunto relevante da constituição do agronegócio. O negócio em torno das inovações tecnológicas é apenas uma das questões que, ao ser combatido frontalmente pelo MST, se coloca em lado oposto com empresas consolidadas.

    O Brasil tem conseguido estabelecer uma imagem bastante positiva em relação a alguns temas centrais da agenda de desenvolvimento sócioeconômico, dentre eles a cartelização e a verticalização. Contudo, o principal debate ainda está em relação à segurança alimentar, uma das grandes bandeiras levantadas pelo MST. Assim, torna-se relevante, à medida que a semente ocupa destaque como modelo vetor para transferência de novas tecnologias, principalmente as tecnologias de produto e de processo no ambiente produtivo mundial.

    A própria visão da distinção irracional entre agronegócio e agricultura familiar é, no mínimo, enviesada. Não há necessidade de destacar a óbvia importância da agricultura familiar, mas a falta de consideração no interrelacionamento dos setores pode provocar devaneios estatísticos, tentando isolar atividades desenvolvidas por um e por outro. 

    A afirmação de que dois terços dos alimentos são produzidos pela agricultura familiar representa uma visão parcial, pois, se levarmos em consideração o frango, por exemplo, que é amplamente produzido pela agricultura familiar, é no mínimo razoável considerar que, para se concretizar este feito, são necessários a soja e o milho, produtos característicos da agricultura comercial. Talvez aqui também valha a máxima da economia, de que números bem torturados confessam qualquer coisa.


    Contradições

    Neste sentido, podem-se destacar algumas contradições em relação à segurança alimentar. O MST não passa hoje de um grupo que reúne alguns poucos ex-produtores e muitos sem qualquer vocação agrícola, inclusive alguns que, invadindo propriedades produtivas e áreas destinadas à pesquisa imaginam colaborar para um futuro melhor, utilizando de expedientes condenáveis e condenados por boa parte da sociedade brasileira. Mais interessados na desestabilização e afronta ao Estado e principalmente à iniciativa privada do que com os avanços tecnológicos e a questão social.

    O modelo de reforma da sociedade é defendido por esse grupo que utiliza a intimidação física, muitas vezes com o apoio do Estado, contrapondo-se àqueles que, com o apoio do poder econômico, podem promover mudanças na cadeia de produção. É indispensável equilíbrio e bom senso a ambas as partes, pelos quais a sociedade brasileira agradecerá.

    Até a próxima.

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