Antes e depois da crise

Edição XIII | 02 - Mar . 2009

    Embora as dimensões reais do desarranjo econômico global ainda sejam desconhecidas, sabe-se de pronto que o processo colocou em cheque os modelos de gestão e negócios dos principais setores do planeta, entre eles o agronegócio. Nesse novo cenário em formação é adequado desde logo que os gestores se concentrem mais nos fundamentos administrativos e comecem a priorizar estratégias de médio e longo prazos em detrimento de ações reativas e pontuais. Entender e se posicionar na nova ordem é o grande desafio.

    O processo é cíclico

    A primeira grande crise ocorreu em 1929, com a quebra da bolsa de Nova York, e foi acompanhada por um período de depressão econômica, falência de bancos e de empresas, elevado desemprego, além de consequências nefastas no mundo todo.

    Na desestabilização de 1987 houve indícios de que o principal motivo se originou nos sistemas automáticos de trading, que em função de uma pequena descida do preço das ações, abaixo de determinados valores técnicos, iniciaram vendas automáticas de grandes lotes, o que levou o mercado a um pânico geral, dando o start para as vendas em cadeia. Como o governo interveio rapidamente as consequências não foram tão significativas. 

    Posteriormente, ainda tivemos a crise mexicana de 1994/1995; a asiática, em 1997/98; e principalmente a da Nasdaq, em 2000, alterando o processo natural de desenvolvimento dos mercados e da própria economia mundial.

    Somado a todas estas que afetaram globalmente a economia, houve outras convulsões e distúrbios pontuais que prejudicaram os agentes produtivos ao longo das cadeias de produção dos principais produtos agroindustriais, ora prejudicando um, ora outro. 

    As consequências foram diferentes, de um lado, em função da rapidez e profundidade da intervenção do Estado e de outro, pelo modelo de gestão e saúde econômico-financeira com que cada empresa tem conseguido enfrentar a crise no seu início. 

    No entanto, é importante perceber que os ciclos deste conjunto de tensões associadas têm-se repetido em intervalos cada vez menores e apresentando consequências frequentemente mais danosas e cumulativas. Se olharmos ao redor, perceberemos que o patrimônio das empresas está trocando de mão com rapidez impressionante.


    O cenário é positivo

    Tanto no curto como no médio e longo prazos há perspectivas positivas. Do mesmo modo que na economia como um todo, no agronegócio é unânime a percepção de que diante do atual cenário espera-se pelo menos dois ou três anos intensos de fusões e aquisições por parte das empresas mais estruturadas e posteriormente um novo ciclo de calmaria, estabilização e crescimento.

    Em relação ao mercado agropecuário, por exemplo, estamos vivendo um momento histórico, com ampliação e retomada crescente das exportações para vários produtos. De outro, mesmo com uma pequena retração no crescimento mundial, a demanda por alimentos é crescente e continuará constante, gerando pressão sobre os preços das commodities agrícolas. 

    Este cenário faz sentido devido ao processo de inclusão alimentar e a ampliação prática da segurança alimentar, principalmente nos países em desenvolvimento e naqueles que tangenciam a linha da miséria, o que significa quase uma centena de milhões de pessoas ávidas por comida, somente neste ano.

    Mesmo a intensa retração de crédito privado para a agricultura,  deverá lentamente se normalizar. Neste ano-safra (2008/2009), ela se manifestou num momento completamente impróprio, gerando problemas adicionais de liquidez, de um lado pelos altos custos de produção com que a safra foi iniciada e de outro, pelo fato de que muitos produtores já estavam em dificuldades financeiras desde a crise da agricultura deflagrada a partir de 2004.


    Práticas acertadas

    Frente a casos como estes é importante ater-se ao negócio e aos seus clientes. Investir com foco, normalmente, é a melhor estratégia ao invés de se encolher e esperar, pois situações alarmistas sempre geram maior número de perdedores do que de ganhadores. Em tempos de turbulência, mantenha a atenção da sua equipe ao core business da empresa, usando os seus pontos fortes e, na medida do possível, invista na correção das suas fraquezas.

    Para isso, no entanto, é necessário, primeiro, que se tenha humildade e coragem suficientes para fazer o que precisa ser feito. Muitos empresários reclamam do governo perdulário, por exemplo, mas praticam uma gestão privada ancorados no mesmo modelo público. Gastam mais do que arrecadam e empregam recursos a título de receitas futuras, necessitando ano após ano de injeção de novos recursos e alongamento dos débitos. 

    Todos sabem que o agronegócio é um setor inconstante, que enfrenta solavancos freqüentes; por isso, a ordem é gastar com eficácia, fazendo uma gestão austera e planejada. Dentre os que conseguirão passar incólumes pela crise, devem estar aqueles que anteriormente estabeleceram regras de contingenciamento nas suas atividades e, em momentos de crise, aproveitam os saltos tecnológicos, de gestão e de produção.

    Tenho percebido que os produtores mais sólidos, com grande longevidade, adotam pelo menos dois comportamentos similares. Primeiro, um modelo de planejamento contigenciado, e segundo, têm no conhecimento o seu ativo principal, dando manutenção a ele de forma estratégica, valorizando a sua equipe.

    Na prática, não trabalham com a corda no pescoço e mantêm reservas financeiras e de energia já alocadas no próprio planejamento, o que lhes confere segurança e tempo estratégico para reorganizar as coisas nos momentos de crise.

    Segundo, ao invés de ter no imobilizado físico o seu principal ativo, intensificam o investimento em conhecimento de modo contínuo, período a período, o que os torna capazes de retomar a frente com maior rapidez toda vez que há um solavanco na economia, a tecnologia muda ou o cliente for mais exigente.


    Como se preparar para depois

    A capacidade de autofinanciamento dos produtores tem sido debatida intensamente a partir dos efeitos da crise de confiança e a redução do crédito privado. Desde o final da década de 80, o produtor se tornou um mero coadjuvante, perdendo, inclusive, importância no cenário político, motivado pela retração do estado no financiamento das atividades comerciais, relegando à iniciativa privada esse papel.

    Embora de difícil execução e somente realizável no médio prazo para a maioria dos produtores, a estratégia mais adequada está, de um lado, em continuar a captar recursos da iniciativa privada para financiar a sua produção e, de outro, decisivamente desapegar-se ao capital imobilizado e caminhar para a geração de liquidez e capacidade de autofinanciamento, permitindo que produza com maior segurança e a um custo financeiro menor.

    Desse modo, se estamos num mundo que agora se retrai, quem fizer esforço adicional para se preparar, fortalecendo os seus músculos, tende a sair em vantagem quando a crise se dissipar. Haverá o momento em que isso acontecerá. A verdade é que a gangorra vai retomar a curva de ascendência e nesse momento a sua empresa poderá sair na frente.

    Por isso, nessa hipótese a melhor estratégia é investir em conhecimento de alta qualidade, que poderá ser obtido através de um bom programa de capacitação para os funcionários mais comprometidos, consultorias de performance, novas tecnologias e cursos de média duração (MBA’s e especializações) nas áreas mais deficitárias. 

    Outra lógica que deverá permear os mais beneficiados neste novo cenário está naqueles que atuam com escala e de forma organizada. Por isso, um tema fundamental neste momento é o da cooperação e alianças estratégicas, com as quais é possível criar economia de escala e de escopo ao mesmo tempo, algo difícil de fazer isoladamente, principalmente para os médios e pequenos produtores.


    A hora é de investir

    Uma verdade secular é de que em momentos de crise as oportunidades aparecem. Por isso, ao contrário do comportamento da maioria, tenho visto com alegria empresários do agronegócio decidindo favoravelmente por novos investimentos. As oportunidades prementes que normalmente surgem nesses períodos estão na ampliação das atividades, mas também nas atividades complementares.

    Sejam produtores pequenos ou grandes, corporativos ou familiares, a mistura ideal do perfil daqueles que possuem hoje capacidade de investimento está num histórico de aguçado senso de oportunidade, austeridade emocional e gestão heterodoxa.

    Por isso, o investimento, além da ampliação das atividades, compreende também os processos de gestão, com investimentos em sistemas, na própria formação de equipes de trabalho e em conhecimento estratégico.

    Até a próxima.

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