Um novo profissional para o agronegócio

Edição XV | 06 - Nov . 2011

    Assim como a maioria das profissões que necessitam se renovar e se reinventar, adaptando-se às mudanças do ambiente para o qual foram desenvolvidas, aquelas empenhadas em tornar o agronegócio cada vez mais competitivo também enfrentam este dilema. Deve-se levar em consideração, ainda, que o agronegócio representa um dos setores de maior transformação estrutural desde que surgiram as principais profissões criadas para dar-lhe sustentação.

    O agronegócio não é uma ciência por si próprio, e assim abarca um conjunto de aplicações de várias ciências, tendo-se consolidado cada vez mais como um sistema técnico e econômico de contornos indeléveis e de robusta constituição e importância. Desse modo, tem dado ocupação, direta ou indiretamente, para quase todas as formações tradicionais e até para algumas grandes especialidades que se desenvolveram, originalmente, para atender a outras áreas.

    Numa divisão pedagógica e amplamente aceita, temos o agronegócio da agropecuária, da transformação e da distribuição. Vou me ater apenas ao agronegócio da agropecuária para discutir o potencial perfil desse profissional que atua no setor. Embora fazer esse recorte não seja uma tarefa simples, é nela que boa parte das formações tradicionais e relacionadas tem encontrado lugar para oferecer e aplicar os seus conhecimentos. 

    Neste espaço se encontram as formações básicas das referidas áreas e que têm sido fundamentais para o seu desenvolvimento, como os engenheiros agrônomos, médicos veterinários, engenheiros florestais, engenheiros agrícolas, zootecnistas, biólogos, além de outras, cujas funções desempenhadas são inúmeras. 


    O dilema da formação

    Desde já é possível compreender o monumental desafio de formação, dado que ainda se somam as demais funções que estes profissionais podem desempenhar nos outros setores do agronegócio e as novas ferramentas que surgem diariamente. Estas precisam ser compreendidas e utilizadas cada vez mais rapidamente, como o marketing digital e as mídias sociais, apenas para ficar num exemplo.

    Uma primeira percepção é que formar profissionais cujo conhecimento contemple o eclético e o específico é algo bastante difícil na atualidade. Lembro-me que havia um slogan bastante difundido na década de 1980 e 1990 sobre os profissionais da área, em que se propunha um ‘profissional eclético’, capaz de entender satisfatoriamente de várias áreas que compunham seu arcabouço de formação.

    Com o desenvolvimento acelerado das diferentes áreas, específicas na maioria, se tornou cada vez mais difícil também levar a cabo este intento. O desenvolvimento econômico e o desdobramento sistêmico do mercado, da produção ao consumidor, têm exigido conhecimentos peculiares cada vez mais contundentes, ao mesmo tempo em que requer conhecimentos gerais e alguns específicos em todas as formações. 

    Dito de outro modo, dentro da agronomia, por exemplo, é exigido do profissional que ao atuar na produção primária tenha conhecimentos específicos das culturas, criações ou atividades em que atua, além das subáreas, como as patologias, nutrição e entomologia, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, é esperado que tenha visão sistêmica e capacidade de compreender os negócios como um todo, algo que há pouco tempo não lhe era exigido.

    Aliado a esse aspecto e às áreas cada vez mais diversas de sua formação, torna-se praticamente impossível que as faculdades isoladamente sejam capazes de formar profissionais que consigam atender ao mercado como um todo. Ainda devem-se considerar as disparidades geográficas que, por si só, tornam o agronegócio completamente distinto dependendo do lugar onde está e aquele onde pretende ou encontra oportunidade de ocupação. Surgem os grandes e novos dilemas de formação do profissional para o agronegócio.


    Business no currículo

    Percebe-se que ainda é significativo o número de universidades debatendo-se, tentando formar profissionais que de algum modo atendam amplamente às áreas de conhecimento pertinentes a grande área de formação, algo cada vez mais difícil de perpetrar. Mesmo de história robusta, a maioria delas apenas conseguirá formar profissionais de conhecimento raso nessas áreas, um verdadeiro mestre em generalidades, sem, contudo, oportunizar que se sinta seguro e confortável em alguma delas, dificultando assim a sua inserção e consolidação no mercado.

    À luz das novas necessidades, uma das questões fundamentais para qualquer formação está na área de gestão de negócios, cuja incipiência nos currículos dos principais cursos relacionados ao agronegócio fica cada vez mais evidente. Foi uma área completamente negligenciada, muitas vezes de frequência forçosa dentre a maioria dos alunos, não representando interesse das formações técnicas. Embora palco de grandes transformações curriculares, ainda prevalece a visão produtivista, resultante da revolução verde, na maioria das faculdades que oferece cursos dessas áreas.

    A visão e os conhecimentos técnicos obviamente devem continuar a ser o principal foco das formações do agronegócio, mas como elemento de apoio imprescindível e cada vez mais complementar a qualquer uma delas estão as noções (apenas isso) cruciais sobre gerenciamento, envolvendo aspectos relacionados a mercados, finanças, custos, estratégia, negociação e recursos humanos. Entender de gente começa a ser tão importante quanto entender de física, química ou matemática.


    Uma nova função

    Assim como na medicina, onde reiteradamente surgem novas especialidades cujo propósito é exatamente entender do todo e ser capaz de oferecer um diagnóstico preciso sobre qual especialidade técnica deverá ser consultada ou qual encaminhamento seja o mais profícuo, também em boa parte das áreas e formações do agronegócio começa a fazer falta um profissional com qualidades técnicas semelhantes. 

    Já existem demandas para estas características profissionais, mas serão muito maiores a partir do momento em que as especialidades técnicas começarem a se tornar crescentemente específicas, algo já perceptível em várias áreas. Deverá surgir um profissional de elevada sensibilidade e profundo conhecimento sistêmico em sua área de formação, com capacidade de utilizar ferramentas modernas de análise do negócio, principalmente onde esta atividade está inserida, fundamentado nos aspectos técnicos, mas como um especialista em visão sistêmica e diagnose, capaz de ser um verdadeiro executivo de formação técnica apurada.

    Não consigo perceber nas grades curriculares dos principais cursos e das principais faculdades algo que possa sugerir a formação de um profissional com estas características que o mercado começa a procurar. Se estes atributos não forem apresentados pelas formações das áreas originais, algo que deve preocupar principalmente os corporativistas, deverá ocorrer a lógica substituição destes profissionais por outros de áreas diversas. 

    Como país em desenvolvimento, continuaremos a ter espaço generoso para as formações de alto conhecimento técnico e voltado para o exercício e aplicação de conhecimentos de campo. Mas o surgimento desse novo perfil tem dado mostras indeléveis – e talvez justamente pelo novo dinamismo que o país experimentou a partir do final da década de 1980, com o surgimento do agronegócio estruturado e integrado ao mercado internacional – que ele deverá se perpetuar e se consolidar.


    Não pode faltar no currículo

    Além dos conhecimentos relacionados aos negócios e de estarem cientes das novas funções que lhe serão atribuídas, as escolas deverão se preocupar em tornar os profissionais mais estrategistas, com maior capacidade para atuar nas áreas táticas e estratégicas das organizações. Desse modo, o desafio é inserir no currículo capacidade e autoformação, como um verdadeiro autodidata, uma das principais características dos profissionais de sucesso em qualquer área. Em tempos onde o conhecimento se renova diariamente, munir os profissionais de capacidade de aprendizagem deve ser a principal e elementar provocação de qualquer graduação.

    Um engenheiro agrônomo, por exemplo, não é mais um profissional que atua na agricultura ou na pecuária, mas sim um engenheiro do agronegócio. Porém, como formá-lo, se o “conhecimento eclético” é insuficiente e fluído? É exatamente por isso que há crença forte de que a flexibilidade nas formações deverá ser cada vez maior e as especialidades de interesse devam ser inseridas ainda na fase de graduação, cada vez mais intensamente. 

    Embora as faculdades formem profissionais com as mesmas nomenclaturas, cada uma delas poderá ter algumas poucas especialidades ou áreas onde deverão se destacar. Estrategicamente, cada escola poderá formar um profissional com maior capacidade declarada numa determinada área, mas nenhuma delas poderá escapar da necessidade de muni-los de conhecimentos sobre o processo sistêmico da produção agroindustrial, imprimindo-lhes capacidade de visão autopoiética nas suas práticas diárias, em detrimento da mera aplicação no setor primário.

    O último grande desafio dessa nova formação está em conhecer as complexidades das diversas realidades geográficas. Cada universidade parece ainda formar os seus profissionais para que trabalhem na região onde ela está inserida, numa visão tacanha da realidade que o agronegócio nacional e mundial vive. É cada vez mais claro que os profissionais precisam conhecer os vários agronegócios do país, permitindo-lhes entender as grandezas e os significados regionais, o que efetivamente os capacita para aplicar o conhecimento técnica com distinção. Com a ditadura do ambiente dinâmico, esse profissional precisa ser um “cidadão do mundo”.

    Por isso, é essencial que em seu currículo acadêmico seja dada ênfase para os estágios e os intercâmbios técnicos, preferencialmente fora da sua área de conhecimento geográfico, interações com outras regiões, estados ou mesmo países, a começar no princípio do curso. Ele precisa viajar para conhecer as distintas realidades, a ampla diversidade do agronegócio e sedimentar os argumentos, permitindo que emita juízos de valor mais coerentes e sólidos quando for um profissional.

    Até a próxima.

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