Os grandes temas do agronegócio (Parte II/II)

Edição XV | 04 - Jul . 2011

    Retomando a discussão em torno dos temas relevantes aos gestores do agronegócio, vale a pena destacar que, entre este artigo e o anterior, o Governo levou uma sonora derrota na Câmara Federal em relação ao novo Código Florestal Brasileiro, mas, pelo visto, apenas perdeu uma batalha, não a guerra. Outras virão, o que obriga os gestores do agronegócio à vigilância diuturna e articulação estratégica redobrada. O próprio tema das fusões, decisivo na questão da verticalização, sofreu um revés, mantendo a expectativa, com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) adiando a consequente criação da Brasil Foods (BRF), uma das maiores empresas do mundo no setor de alimentos.

    De outro modo, restaram ainda cinco questões-chave a serem consideradas e que permanecem cruciais como centro do debate em torno de um setor econômico (o agronegócio) cuja representatividade ano a ano é reforçada pelos indicadores de desenvolvimento, utilização intensiva de tecnologia, participação decisiva no Produto Interno Bruto (PIB) do país e emprego de mão de obra (cada vez mais capacitada): a nova matriz energética mundial e o agronegócio; as questões logísticas e tributárias; política econômica em detrimento da política agrícola; a potencial crise alimentar mundial; e a sempre pífia gestão empresarial.


    Gestão empresarial – execução, inovação e marketing

    A começar pela gestão empresarial, cujo tema é reiteradamente discutido neste espaço, fica evidente que o agronegócio ainda possui grandes gargalos. Coabitam nesse campo as organizações cuja gestão utiliza o que há de mais avançado, ao mesmo tempo em que outras se mantêm ao sabor da sorte e dos incentivos do Estado para sobreviver ou avançar.

    Mesmo naquelas cujo modelo de gestão se aproxima da administração estratégica, há duas grandes áreas que requerem atenção diária e revelam-se mais prementes no campo: a execução eficaz e a inovação permanente. Obviamente que estes temas não estão restritos ao agronegócio, mas nele possuem área de necessária expansão e difícil implantação; logo, se caracterizam como cruciais para a diferenciação e eficácia das organizações, sejam elas de serviços, no setor produtivo propriamente dito ou mesmo na indústria.

    Outro tema que, reiteradamente, tem sido discutido na mídia, mas que apenas possui poucas e isoladas ações concretas é o marketing. O setor de produção, notadamente o de commodities, possui pouca possibilidade de manobra para utilizar-se do marketing como instrumento capaz de contribuir decisivamente para os resultados da empresa, mas os demais setores podem fazer amplo uso, porém apresentam dificuldade para fazê-lo. 

    Por outro lado, aquelas que conseguem comercializar produtos com identificação da unidade produtora associando uma marca, abrem um leque muito grande de opções de marketing, como é o caso do setor de sementes, levando em consideração segmentação de produtos por atributos de qualidade, de mercado e rastreabilidade, por exemplo. Há casos inovadores nesse sentido.

    A falta de atenção dada ao marketing no agronegócio como um todo é evidente, levando-se em consideração a dificuldade em demonstrar ao país a relevância econômica e social, em tempo de angariar a simpatia de boa parte da população para os mais diferentes pleitos, o que em outros países, mesmo o setor sendo menos importante, seria de fácil revelação.


    A nova matriz energética mundial e o agronegócio

    A discussão em torno da matriz energética adotada pela humanidade tem sido tema cíclico. Dado o conjunto de argumentos ambientais, econômicos, políticos, de escassez potencial e inclusive de sobrevivência da espécie no planeta em relação à mudança na demanda de energia, o agronegócio é um candidato inconteste para suprir, de diferentes modos, essa necessidade.

    O Brasil em especial, possui condições ambientais e principalmente de tecnologia para assumir a vanguarda dessa transformação. Contudo, não dá para cobrir-se de glória antes do tempo, uma vez que, ao mesmo tempo, também possuímos problemas de ordem legal e de estratégia pública, que nos possam dar garantias relativas desse sucesso. Alguns países já têm dado mostras que são capazes (mesmo em relação ao álcool) de suplantar essa nossa potencial vantagem, criando tecnologias alternativas de produção.

    Por ora, mantemos um cenário otimista. Se levarmos em consideração a matriz energética atual, praticamente 50% das nossas fontes são renováveis, embora petróleo e derivados ainda representem mais de 30%. Comparado com a média mundial, estamos bem, dado que apenas 15% da energia gasta é de origem renovável, mas precisamos entender que manter ou tornar-se protagonista neste ambiente requer do governo e da sociedade entendimento de que energia é uma questão estratégica e não casual. 


    Política econômica em detrimento da política agrícola

   Associado ao Marketing institucional do agronegócio, a política agrícola sempre foi uma questão relegada a segundo plano pelos governos. Na prática, ao longo da história do país, a política agrícola tem sido subserviente à política econômica, o que inibiu o desenvolvimento sustentado do agronegócio como um todo. Foi graças ao empreendedorismo (empírico na maioria dos casos) que boa parte se desenvolveu, a começar pelas aberturas nas fronteiras agrícolas. Ao contrário de outros tempos, quando fazíamos caravanas para ver o modelo de produção americano e europeu, hoje são eles que deixam o velho mundo e a terra do tio Sam, além dos chineses é claro, para entender o salto tecnológico, econômico e também social do agronegócio brasileiro.

    Nessa área, porém, temos uma evidente crise histórica de entendimento sobre o desenvolvimento sócioeconômico e principalmente de representação política. Quando não, as duas, como ocorreu até meados da década de 90. Essa experiência deveria ser suficiente para que, de uma vez por todas, a política agrícola se tornasse estratégica na filosofia dos governos, como uma estratégia de estado. De outro lado, os gestores do agronegócio precisam compreender definitivamente que é em torno das questões políticas que se decidem os rumos de um país democrático como o nosso, por isso um tema crucial na nossa agenda.


    A potencial crise alimentar mundial

    Junto com a questão energética, o incremento de parcela significativa da população mundial à faixa de consumo e o aumento da demanda pela ascensão social reafirma e fortalece a condição estratégica que o agronegócio possui nesse cenário.

    Para termos uma idéia, a população mundial bateu a marca dos sete bilhões e, embora a taxa de crescimento venha caindo desde o início da década de 1960, o crescimento populacional absoluto não tem precedentes na história da humanidade. Segundo expectativas da ONU, até 2045 seremos algo em torno de nove bilhões de habitantes, e desse total mais de 60% estarão residindo na zona urbana, indicador que hoje está próximo dos 50%. 

    Associado a esse incremento populacional, temos que considerar que ainda temos um bilhão de pessoas passando fome todos os dias, e, dado à conscientização e desenvolvimento gradativo do planeta, boa parte destes será incorporada à faixa de consumo rapidamente. Isso nos dá mostras do desafio, tanto produtivo como político, que a humanidade, e principalmente países como o Brasil, terão pela frente.

    O que parece preocupante, de outro lado, é que os incrementos produtivos necessários para atender essa demanda crescente e consistente ainda necessitam de vigoroso apoio tecnológico em várias partes do planeta, destacadamente na África, Índia e inclusive no Brasil. Soma-se a esta necessidade o viés ambiental (uma discussão legítima e mundial, mas conduzida até aqui por idealismos e interesses obscuros) associado à produção comercial de alimentos e que requer dedicação decisiva, tanto no ambiente político como econômico. 


    As questões logísticas e tributárias

    O Brasil é um dos países que possui a pior estrutura e matriz logística interna. Como se não bastasse, para reduzir a nossa competitividade, ainda possui um dos mais confusos e perniciosos sistemas tributários do mundo. A ineficiência nestes dois setores dá mostras de como os setores produtivos não fazem parte das políticas estratégicas de governo, cuja responsabilidade tem sido reiteradamente transferida para a iniciativa privada, mas não de modo legítimo, via concessão, e sim em função da inoperância do Estado e da necessidade vital das organizações empresariais.

    Tanto a matriz logística como a tributária estão ultrapassadas e não são mais capazes de dar suporte a um país que definitivamente ingressou no ambiente concorrencial mundial e é alvo contumaz de barreiras tarifárias e não-tarifárias nos países de destino de seus produtos. A preocupação em alinhar esses dois aspectos ao cenário competitivo é ainda mais relevante, uma vez que o agronegócio tem sido há muito tempo a base da balança comercial brasileira, sustentando o seu superávit.

    Perder competitividade pela inoperância e incompetência interna é relegar a segundo plano a própria oportunidade de desenvolvimento que generosamente se apresenta para nós. O que parece preocupante nisso tudo é que não há no front nenhum sinal de que isso vá mudar decisivamente no curto prazo. Salvo iniciativas pífias e demoradas, características de obras públicas brasileiras, como é o caso das ferrovias e de algumas rodovias, ou mesmo de algumas mudanças simplistas na tributação, não se observa esforços decisivos para a reconversão logística e tributária do país. Embora ocupe posição de destaque e se candidate a ser protagonista no setor de alimentos para o mundo.

    Até a próxima.

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