A Robustez do Negócio de Sementes

Edição XV | 04 - Jul . 2011
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Hermann Platzen-platzen70@t-online.de

    Desde 1924, a International Seed Federation (ISF) realiza anualmente o seu congresso, em distintos países, tendo como foco principal o negócio sementes. Neste ano de 2011, o congresso teve como sede a cidade de Belfast-Reino Unido, reunindo 1.450 participantes, dos quais mais de 90% foram da iniciativa privada, com atividades no segmento de sementes. O evento é composto principalmente pelo ambiente de negócios, onde mais de 300 mesas são colocadas para tal fim, num espaço superior a 2.000 m2², e por reuniões técnicas dos comitês da ISF, que tratam de assuntos que objetivam facilitar a atividade, reunindo ao redor de 200 profissionais da iniciativa privada.

    Os participantes, que vão ao congresso para realização de negócios agendam, em geral mais de 30 reuniões durante os três dias do evento, mostrando-se bastante efetivos na condução de seus assuntos. É interessante observar os movimentos e expressões nas mesas de negócios, com peculiaridades que variam de acordo com a origem dos participantes, provenientes de 75 países membros da ISF.  Estima-se que mais de três bilhões de dólares são comercializados em sementes durante o congresso, significando que praticamente a metade do negócio internacional de sementes, de 7,5 bilhões de dólares anuais, é efetivada durante o evento. Isto significa que uma boa estrutura de espaço e comunicação deve ser proporcionada aos participantes. Ressalta-se que somente é permitida a participação no evento, e principalmente nas mesas de negócio, dos membros da ISF, que na sua grande maioria representam as associações nacionais de sementes. Por exemplo, do Brasil, a Abrasem e a Braspov são as entidades-membros. Sendo os membros da ISF as associações nacionais, e essas com vários sócios, pode-se estimar que a ISF agrega mais de 10.000 membros oriundos dos 75 países.

    A efetivação de negócios, em montante superior a três bilhões de dólares durante o evento, significa que uma grande cadeia é colocada em marcha, como a produção das sementes em si; a vistoria dos campos; a colheita; o beneficiamento das sementes, envolvendo a secagem, limpeza, classificação, tratamento e embalagem das sementes; a avaliação da qualidade pelos padrões das ISTA, com emissão do Certificado Laranja; o transporte (navios, caminhões, trem); contratos, pagamentos, entre outros. Como pode ser observado, a efetivação dos negócios pressupõe a profissionalização do setor, envolvendo profissionais de diferentes áreas do conhecimento.


    Os comitês da ISF

    Os comitês da ISF são constituídos em função da necessidade de facilitar o negócio de sementes, sendo seus membros originários do setor privado. Por exemplo, no Comitê de Fitossanidade, o dr. Carlos Kishimoto pertence à empresa Sakata, enquanto o dr. Gloverson Moro pertence à Syngenta. As empresas disputam a participação nos comitês, entretanto, como a ISF é global, as vagas tendem a obedecer a uma distribuição geográfica. Há uma percepção de que 40% do sucesso das empresas é função do ambiente em que atuam, 30% de seu produto, e 30% da gestão em si. Assim, a participação nos comitês é uma atividade muito importante no ambiente sementeiro em que as empresas atuam, justificando-se a destinação para tal, de uma fração de tempo de seus profissionais. 


    Suporte legal

    As regras para o comércio de sementes podem ser consideradas como a principal justificativa para a origem da ISF. No primeiro congresso da entidade, ocorrido em Londres, em 1924, os participantes adotaram um contrato padrão para o comércio internacional de  sementes a serem utilizadas na agricultura. Com o passar dos anos, o contrato evoluiu para um conjunto de regras que são praticamente aperfeiçoadas anualmente. As regras contemplam as desconformidades com relação à quantidade e qualidade de sementes, forma de pagamento, época de envio, entre outros aspectos. 

    A ISF possui, em seu ambiente, uma câmara arbitral para facilitar a solução das  desconformidades nas transações comerciais de sementes entre seus membros. Essa possibilidade tem facilitado sobremaneira a solução de controvérsias, pois abrevia a solução do caso, com custo bastante reduzido. A câmara arbitral pode ser utilizada tanto para o comércio internacional como o nacional; entretanto, nem todas as associações nacionais ou regionais possuem tal recurso para solução de controvérsias. Em 2010, de acordo com a ISF, foram apreciados através de câmaras arbitrais da ISF e de seus membros 19 casos referentes a germinação das sementes, 34 em relação a pureza física dos lotes de sementes, 6 em relação a pureza varietal e 42 casos em relação a documentação.

    Para facilitar, a ISF está aperfeiçoando as regras do comércio, contemplando um contrato-modelo, parâmetro de qualidade a ser utilizado, disputas, condições especiais, obrigações, entre outros elementos.



    Tipo de negócios

    Vários são os negócios realizados entre os membros da ISF durante o congresso, sendo em maior número os negócios com sementes de hortaliças, que possuem requisitos especiais de produção, quer em termos de clima – em geral frio – ou horas de luz para florescer, quer em termos de custo de produção, como os híbridos, que são produzidos em países em que a mão de obra não é tão onerosa. Neste caso, as empresas vendem ou compram as sementes diretamente ou contratam a produção de uma determinada quantidade de sementes de uma outra empresa. Em segundo lugar, na ordem de negócios, estão as sementes de forrageiras de clima temperado, como o azevém, trevos, festuca, capim Sudão, alfafa e outras, que também são vendidas ou compradas diretamente na mesa de negócios, ou então é contratada a produção de uma determinada quantidade de sementes, pelo fato de a demanda ser superior à oferta em determinado país.

    Nos últimos anos, no hemisfério sul, vem aumentando a contratação da produção de sementes de milho híbrido ou das linhas puras, para empresas com atividades no hemisfério norte. Neste sentido, pode-se observar publicidade de associações de produtores de sementes do hemisfério sul promovendo as suas facilidades para atender a demanda das empresas localizadas em outra região. Atualmente, não é necessário estar no local certo no momento certo, e sim saber onde está este local e conhecer o arcabouço legal para a produção das sementes.

    É importante salientar que, para a produção de sementes para o hemisfério norte, somente estar no hemisfério sul não é suficiente. Muitos estudos são necessários para determinar a viabilidade da operação, pois o desempenho das plantas varia em função de sua carga genética e do ambiente em que crescem e se desenvolvem, além do aspecto fitossanitário. A efetivação desta oportunidade de negócio, em geral não se da noite para o dia, requer algum tempo;  no entanto, uma vez em marcha, basta manter os princípios de uma boa relação. 

    Outros negócios realizados no contato direto dos participantes relacionam-se a equipamentos para o beneficiamento das sementes, envolvendo secadores, máquinas para a limpeza, classificação e tratamento de sementes. Há poucos países com empresas especializadas na fabricação de equipamentos para beneficiamento de sementes, sendo o congresso da ISF um bom local para quem tem equipamentos desta natureza para comercializar. 


    Fitossanidade

    Um dos entraves no movimento de sementes entre países diz respeito à qualidade sanitária das sementes, uma vez que os microorganismos são muitos e os métodos de detecção não são padronizados para todos os microorganismos. Neste sentido, a ISF possui um comitê com o objetivo principal de facilitar a identificação dos microorganismos que realmente são transmitidos pela semente e podem causar danos. 

    Está sendo preparada uma plataforma internacional para o certificado internacional de fitossanidade, que contempla procedimentos para facilitar a reexportação de sementes (uma atividade essencial no comércio de sementes), entretanto outros aspectos de requisitos nacionais ainda são problemáticos. Neste sentido, buscando desenvolver uma lista, com validade internacional, sobre microorganismos transmitidos pela semente, visando auxiliar as empresas no atendimento dos requisitos adicionais de declaração da qualidade sanitária das sementes e servir como base para as autoridades nacionais de fitossanidade, no momento estabelecerem os requisitos de importação.

    O aspecto de fitossanidade no comércio internacional de sementes é de tal magnitude,  que as associações regionais de sementes, como a SAA (Seed Association of the Americas), estão em constantes reuniões com as autoridades nacionais para facilitar o movimento das sementes entre os países e com isso o negócio. A SAA já realizou vários workshops sobre patologia de sementes envolvendo o setor público e privado, e os avanços estão sendo notórios. Quando as pessoas sentam para conversar com objetivos claros e bem definidos, coisas boas acontecem.  


    Tratamento de Sementes

    O tratamento para proteção e/ou desempenho das sementes recebe atenção especial da ISF, que tem um comitê específico desenvolvendo atividades proativas  com seus membros, para maiores benefícios da indústria de sementes e dos agricultores. O tratamento industrial contribui para uma agricultura sustentável e organizações regulamentárias, minimizando a exposição dos encarregados do tratamento de sementes e facilitando a normatização para o comércio de sementes, quer nacional ou internacional.

    Nos últimos tempos, vários avanços foram obtidos na qualidade e eventos genéticos na semente – em produtos químicos e biológicos, no tratamento de sementes, e coatings e equipamentos, na aplicação dos tratamentos. Especificamente em relação ao tratamento de sementes, a evolução se deve principalmente a:

• Aumento dos produtos sistêmicos;

• Novos princípios ativos e novos conceitos, como os biológicos e os fitohormônicos;

• Aplicações sofisticadas com várias camadas de revestimento;

• Atenção com a proteção dos operadores;

• A conscientização de que a semente deve ser de alta qualidade fisiológica e ter alto desempenho, o que trouxe para perto das empresas de sementes as empresas de produtos para tratamento.

    Com o acidente da mortandade de abelhas, na Alemanha, em 2009, o Comitê de Tratamento de Sementes da ISF montou um grupo de trabalho para minimizar riscos do tratamento de sementes, quer no processo em si ou em outras operações, como a semeadura. Este grupo está trabalhando para apresentar uma proposta de controle de qualidade no processo de tratamento de sementes. Isto envolve esquemas especiais como a mensuração de riscos e avaliações de qualidade, como a liberação de pó e uniformidade do tratamento, a logística de transporte e a eliminação de materiais descartáveis. A proposta do processo de qualidade do tratamento de sementes será apresentada para sementes de milho, sendo prevista para 2012, provavelmente durante o congresso da ISF no Brasil.

    O tratamento de sementes traz grandes benefícios para toda a cadeia produtiva, envolvendo o produtor de sementes e a indústria química, os fabricantes de equipamentos, os sistemas de avaliação da qualidade, as revendas e o agricultor que irá usufruir dos benefícios de uma semente bem tratada com os produtos adequados. Isso envolve a profissionalização de vários atores.   



    A coleta de royalties

    Nos congressos da ISF é consenso que o país anfitrião apresente algum aspecto do negócio de sementes em seu país e, para tal, os organizadores decidiram apresentar o sistema de coleta de royalties sobre variedades protegidas no Reino Unido.

    O Reino Unido é adepto da convenção da UPOV de 1991, que contempla a proteção da variedade até o grão, ou seja, o agricultor que deseja guardar o seu grão e utilizá-lo como semente na próxima safra, pode fazer; entretanto, deve recolher os royalties do melhorista. 

    A cobrança dos royalties sobre a semente certificada é relativamente fácil, pois envolve licenciamento do produtor de sementes para comercialização e os devidos registros em órgãos governamentais; porém a cobrança de royalties sobre a semente salva pelo agricultor é tarefa difícil, envolvendo, em geral, grandes negociações. No Reino Unido, quem se encarrega da coleta dos royalties é a British Society for Plant Breeders (BSPB) sob a supervisão do governo, sendo que 25% dos royalties vêm da semente salva – isso para trigo –, enquanto, para cevada, o percentual não alcança 15%. O sucesso da cobrança de royalties sobre a semente salva, segundo a BSPB, está no acordo obtido com a federação dos agricultores e as empresas que realizam o beneficiamento das sementes com UBS móveis, bastante comuns no Reino Unido.

    O royalty é cobrado com base na área semeada ou na tonelada de grão produzida em que todo produtor licenciado de sementes é auditado e a inspeção sobre a semente salva é feita duas vezes ao ano, uma na primavera e outra no outono. Segundo a BSPB, o custo da coleta de royalties é menor que 2% do valor do grão, sendo altamente positiva a relação custo/beneficio da operação. A parte fraca do sistema está na informação, apesar de no Reino Unido ser compulsória, fazendo com que ao redor de 25% da semente salva não recolha o royalty. 

    Resumidamente, o sucesso da coleta de royalties no Reino Unido pode ser atribuído a:

• Existência de um serviço de certificação de sementes;

• Um sistema de coleta de royalties na semente salva;

• Incentivo financeiro para quem coleta;

• Inovações tecnológicas oriundas dos programas de melhoramento vegetal;

• Arcabouço legal.

    Os agricultores do Reino Unido reconhecem os benefícios das inovações tecnológicas, pois, desde 1982, mais de 90% dos ganhos em produtividade em cereais podem ser atribuídos ao melhoramento vegetal, que disponibilizou sementes de alta qualidade das variedades melhoradas. Este aumento significa um ganho superior a três bilhões de reais por ano para o agronegócio.



    Os Desafios

    Há necessidade inquestionável do aumento na produção de alimentos para os próximos anos, e a semente é o veículo para suprir, de forma sustentável, tal necessidade. Neste sentido, é importante registrar os desafios que se apresentam:

• A área agriculturável irá permanecer praticamente constante;

• Aumento da população para 7 bilhões, agora em 2011; 8 bilhões, em 2025; e 9 bilhões, em 2050;

• Aumento de demanda para carne, cereais e leguminosas;

• Matriz energética atual com emissão de CO2 insustentável;

• Mais de um bilhão de pessoas cronicamente com fome;

• Maior eficiência do uso da água (tolerância à seca);

• Cultivo em áreas marginais (salinidade, pH, metais tóxicos etc);

• Melhor uso de fertilizantes;

• Tolerância a solos encharcados;

• Melhorar a qualidade nutricional;

• Tolerância a pragas e manejo de plantas daninhas;

    Mais de 50% de aumento da necessidade de produção por área, com práticas de melhor sustentabilidade e melhor distribuição e adaptação das mudanças climáticas.

    Praticamente todos os desafios citados podem ser superados através do melhoramento genético, utilizando a variabilidade genética existente na natureza, e das manipulações dos eventos genéticos. Isto se consegue com pessoal capacitado, grandes somas de recursos financeiros e fortes programas de sementes, que propiciem um robusto comércio. A cadeia do agronegócio, em termos mundiais, parece estar consciente do panorama, necessitando apenas de alguns ajustes, muitas vezes entre o agricultor, o obtentor e a classe política.  A plataforma de sementes está construída para superar os desafios que se apresentam. 


    Próximo evento da ISF

    O Brasil foi escolhido para sediar o próximo congresso da ISF, que ocorrerá em 2012, na cidade de Rio de Janeiro. Será, sem sombra de dúvidas, um evento bem diferente dos últimos ocorridos, pois será num país em que o agronegócio representa praticamente 30% de seu produto interno bruto.

    Com seu negócio de sementes superior a dois bilhões de dólares por ano e pouca importação e exportação de sementes, o Brasil apresenta um grande potencial para a realização de negócios entre as empresas. Faz menos de 10 anos que Abrasem tornou-se de fato participante das atividades da ISF, e esta será uma grande oportunidade para promover as potencialidades do país em relação ao negócio sementes.

    A soja e o milho são as duas culturas de maior expressão econômica e com genoma tropical, constituindo grande diferencial em relação aos outros países. Outro aspecto, praticamente único, é a produção, em grande escala, de sementes de forrageiras tropicais, que podem abastecer vários mercados mundiais com sementes de alta qualidade e das variedades melhoradas. 

    Em relação às sementes de hortaliças, o Brasil é um grande importador, principalmente de híbridos, e isso é um grande atrativo para a vinda de empresas e para a concretização de negócios.

    As expectativas são grandes para o congresso da ISF em 2012 e, como salienta o slogan, “O Brasil espera os participantes com braços abertos”, como a estátua do Cristo Redentor, um dos símbolos do país. 

    Vamos avançar, produzindo e vendendo sementes de alta qualidade das variedades melhoradas.

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