Políticas Públicas em Sementes

Edição XVI | 06 - Nov . 2012
Equipe SEEDnews-seednews@seednews.inf.br

    A política pública nacional de sementes serve de base para as leis e os regulamentos dentro de um ambiente hierárquico, sendo aprovada pelo sistema político. Define claramente os papéis e responsabilidades dos agentes dentro do setor sementeiro, tanto o público como o privado, proporcionando a criação de mecanismos de coordenação entre eles.

    Em geral, a política pública é estabelecida através de um processo consultivo que envolve os representantes dos atores da cadeia de sementes, incluindo os usuários de sementes e o sistema bancário. É uma declaração de intenções de um governo sobre sua visão, posição e intenções relacionadas ao setor sementeiro, principalmente de médio e longo prazos, variando de país para país. Na unidade de sementes e recursos genéticos da FAO, em Roma, tem-se observado nos últimos anos um aumento de solicitações de governos de países para proporcionar apoio técnico no proceso de estabelecimento de um documento de políticas de sementes. O produto final é breve, conciso, com um máximo de 15 páginas em forma contudente e clara da escolha de um país dentro de todas opções que se dispõe em cada elemento que forma o complexo setor de sementes. A FAO desenvolveu um protocolo para apoiar os países no estabelecimento de  sua visão sobre as polícas de sementes.


    Como é uma política de sementes efetiva

    A efetividade é obtida reconhecendo os problemas e desafios para cada situação em uma visão compartilhada pelos agentes de setor sementeiro. É desenvolvida através de um processo consultivo entre os agentes dos setores público e privado. Preferencialmente, deveria ser formulada antes das leis de sementes e seus regulamentos. 

    A política de sementes estabelece um mecanismo de coordenação das atividades do setor, acompanhada de um plano de ações para implementação dos objetivos acordados em cada elemento. A política e o plano de ação são rigorosamente implementados pelo governo, havendo monitoramento e avaliação do desenvolvimento, para definir possíveis correções de rumo.


    O processo consultivo

    A consulta é uma importante etapa para estabelecimento das políticas públicas, em que determina e analisa o estado da situação do setor sementeiro do país, estabelecendo as fortalezas, oportunidades, desafios e ameaças.

    O processo consultivo possibilita o encontro do governo com os representantes dos atores da cadeia de sementes, recolhendo e discutindo as ideias, colocando-as em um documento escrito com as recomendações a serem implementadas.

    Uma política pública discutida e acordada entre os atores é facilmente aprovada nas diversas instâncias de um governo.


    Elementos da política de sementes

    Extistem diversas formas de agrupar os possíveis elementos dentro de um sistema de sementes. A presente classificação neste trabalho, surgiu após uma série de consultas com especialistas que trabalham em assessoramento governamental sobre sistemas de produção de sementes. A FAO propõe utilizar o sistema devido a sua cobertura geral e a padronização dos elementos. 

    É a junção de todas as variáveis do setor dentro de “capítulos” que pode variar; entretanto, normalmente, os elementos são os seguintes:



    1. Criação de cultivares

    Objetivo: proporcionar o uso do germoplasma, da melhor forma possível, pois é através da utilização da variabilidade genética que se obtêm, de forma sustentável, os maiores ganhos de produtividade.

    A política da criação e desenvolvimento de cultivares contempla:

• Apoio à coleta, conservação e uso de germoplasma;

• Disponibilidade de sementes; 

• Priorização de culturas e aspectos ecológicos;

• Papel do melhoramento público e privado;

• Propriedade intelectual;

• Ensaios de cultivares;

• Registro e liberação para comercialização de cultivares;

• Uso da biotecnologia;

• Sementes para minorias vivendo de cultivos “órfãos”

    Muitos países consideram a disponibilidade de sementes de alta qualidade de variedades melhoradas como um elemento de segurança pública. Neste sentido, o Brasil, na década de 1970, criou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que atualmente possui forte e positiva atuação na criação e desenvolvimento de cultivares das mais diferentes espécies. A Embrapa possui uma boa fatia de mercado nos principais cultivos comerciais, como soja, milho, arroz, trigo e algodão, além espécies em que a iniciativa privada ainda não está trabalhando. O governo estruturou a Embrapa com mais de 2.000 pesquisadores, 80% dos quais possuem capacitação em nível de doutorado, dotando a instituição de um orçamento adequado para desenvolvimento das atividades de pesquisa. 


    2. Produção de sementes

    Objetivo: incrementar e assegurar a disponibilidade de sementes de alta qualidade das variedades melhoradas.

    O papel do setor público e privado na produção de sementes será função de:

• Nível de desenvolvimento do setor privado;

• Existência da propriedade intelectual/licenciamento;

• Definição do setor formal de sementes (tipos de certificação, declaração de fé, etc);

    Atualmente, são muito poucos os países que possuem políticas contemplando que o setor público esteja envolvido na produção e comercialização de semente certificadas, e menos ainda os países que não possuem lei de proteção de cultivares, o que possibilita o setor privado dedicar-se ao melhoramento vegetal. Por outro lado, é comum a existência de políticas de governo em relação à disponibilidade de sementes para os agricultores de poucos recursos, como é o caso do sistema Troca-Troca, utilizado no Brasil há mais de 20 anos.


    Aliança no setor público – privado

    Há consenso sobre a importância de um equilíbrio entre atividades públicas e privadas. A seguir são mencionadas atividades que podem ser feitas pelo setor público e setor privado:

• Melhoramento genético

• Produção de sementes

• Manutenção de cultivares

• Ensaios de avaliação para registro de cultivares

• Descrição varietal

• Banco de germoplasma

• Treinamento de pessoal

    Especificamente no Brasil, o melhoramento genético, a produção de sementes e a manutenção de cultivares são atividades realizadas tanto pelo setor público como privado, enquanto os ensaios de avaliação e a descrição varietal podem ser realizados inteiramente pelo setor privado. Em relação a Banco de Germoplasma, o governo estruturou, junto à Embrapa, o Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen), que possui dezenas de milhares de acessos, das mais diferentes espécies, para possível uso nos programas de melhoramento vegetal, estando disponível para a iniciativa privada.

    Quanto ao treinamento de pessoal, foram contemplados pelo governo, na década de 1970, dois centros de capacitação, um na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e outro na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), e atualmente várias universidades oferecem capacitação de pessoal em sementes, desde cursos de atualização até cursos em nível de doutorado. 


    3. Extensão agrícola

    (pública e privada)

    Objetivo: desenvolver capacidades para uma extensão que ajude o reconhecimento pelo mercado do valor das variedades e de suas sementes.

    O papel dos serviços de extensão, de promover o uso sustentável de sementes de qualidade, é reconhecido pela maioria dos países, com a criação de interesse e informação sobre aspectos de garantia de qualidade e suas regulamentações. 

    A extensão agrícola atualmente é realizada tanto pelo setor público como pelo privado, dependendo da escala das atividades, sendo em geral a pública para agricultura de menor escala, enquanto a privada para a agricultura empresarial.


    4. Marketing de sementes

    Objetivo: conectar o produtor de sementes com o consumidor de sementes.

    Este elemento é típico da iniciativa privada, abrangendo um estudo claro de mercado e sua dinâmica de demanda de sementes, para facilitar a integração entre produção e demanda, e definir estratégias.

    O marketing envolve a promoção de uso de sementes de qualidade pelos agricultores, o fortalecimento de redes de distribuição de sementes e estratégias diversas de comercialização, com avaliação de impacto a curto e longo prazos.


    5. Desenvolvimento de empresas sementeiras

    Objetivo: definir claramente as oportunidades e regulamentos para o papel do setor privado.

    As empresas de sementes compõem o elo principal de um programa de sementes de qualquer país, cuja função de uma política de governo é a promoção de uma indústria sementeira, propiciando um ambiente favorável para negócios com regulamentações adequadas. 


    6. Cadeia de valor

    Objetivo: propiciar comunicação do setor sementeiro com o comércio internacional, agroindústrias e com os diversos setores governamentais.

    Uma visão da cadeia de valor agrícola é importante para o desenvolvimento do setor de sementes, envolvendo a identificação de agroprocessadores, como criação potencial de demanda da semente.  O papel da agroindústria na promoção do setor de sementes é reconhecida pela sua especificidade quanto ao tipo de produto, que pode ser convencional, orgânico ou biotecnológico. Para isso, há necessidade de políticas públicas claras, que envolvem muitas vezes programas de controle de qualidade como a certificação e a rastreabilidade. 


    7. Segurança em sementes

    Objetivo: preparar alternativas para enfrentar riscos relacionados à insegurança de fornecedores de sementes.

    Em circunstâncias normais, o abastecimento de sementes é contemplado pelas políticas públicas de governo; entretanto, em casos de mudanças climáticas, ataques de pragas, conflitos e outros contratempos, o abastecimento de sementes pode se constituir em um problema. Para isso há necessidade de procedimentos de segurança em sementes (disponibilidade, acesso, variedades apropriadas).

    Felizmente, o negócio de sementes está globalizado, e quando há problemas de abastecimento no hemisfério norte, pode-se produzir as sementes no hemisfério sul para suprir as necessidades do norte. 

    Este elemento é de especial importância para países de baixo desenvolvimento, em que se realizam comumente intervenções de emergência devido a desastres climáticos. Estas intervenções são realizadas, normalmente, por organizações internacionais. O objetivo deste elemento é definir de que forma o país deseja estar preparado (armazenamento de sementes, importação rápida, etc). 



    8. Criação e fortalecimento de capacidades

    Objetivo: desenvolvimento de capacidades específicas para implementar as políticas de sementes.

    O programa de sementes envolve o fortalecimento técnico e institucional em recursos humanos e de infraestrutura. As diversas atividades de sementes, como criação de cultivares, produção de sementes, secagem, beneficiamento, armazenamento, controle de qualidade (física, fisiológica, genética e sanitária) e comercialização, requerem pessoal qualificado, cujo treinamento deve ser contemplado nas políticas públicas. Outro aspecto é a parte de infraestrutura necessária para a obtenção das sementes em quantidade e qualidade, que envolve máquinas, equipamentos, construção cívil, entre outros itens, que requerem alto investimento. Isto também pode ser contemplado em políticas públicas para promover o uso de sementes, através facilidades de crédito bancário. 


    9. Exportação e Importação

    Objetivo: determinar o nível de abertura em relação ao comércio internacional de sementes do país. 

    As políticas públicas de exportação e importação de sementes envolvem, geralmente, regulamentos relacionados ao nivel de intervenção do estado nos volumes de importação e exportação de sementes. Outro tema são as normas e padrões fitossanitários, pois introduzir num país uma praga que ainda não existe na região pode causar grandes danos na economia do país. Neste sentido, é comum os países contemplarem a necessidade de os materiais passarem um tempo em quarentena antes de entrar no país. Outros aspectos relacionam-se ao registro de cultivares e à observância da propriedade intelectual.  

    O comércio internacional está crescendo de forma acentuada nos últimos anos, e para os países não perderem oportunidades de negócio, contemplam em suas políticas públicas normas específicas para exportação, como é o caso do Chile e Uruguai, que permitem a produção de sementes de materiais GM em seu país, apenas para o comércio internacional. Outro exemplo é o Brasil, que permite o tratamento de sementes com produto químico não registrado, para ser utilizado em lotes de sementes destinados à exportação.  

 

    10. Plataforma legal

    Objetivo: Propiciar normas claras para a segurança do negócio de sementes e proteção ao agricultor. 

    Pode-se considerar que o uso de semente, nos dias de hoje, consiste em um negócio e, como tal, é essencial que seja regido por leis e regulamentos que, ao mesmo tempo, protegem o agricultor para as desconformidades da qualidade de semente. Isto contempla:

• Funções e atividades do setor público e privado;

• Identificação da semente;

• Sistema de avaliação, registro e liberação de variedades;

• Certificação de sementes;

• Padrões mínimos de qualidade;

• Propriedade intelectual;

• Regulamentos fitossanitários;

• Biossegurança;

• Harmonização regional e internacionalização (ISTA, OECD, UPOV);

• Exportação e importação.

    No Brasil, há três leis específicas para sementes, uma sobre a parte de produção e comercialização de sementes, uma sobre propriedade intelectual e a outra sobre biossegurança. A lei sobre produção e comercialização de sementes possui menos de dez anos de implementação, sendo considerada moderna e que facilita o comércio de sementes. Por outro lado, a lei de propriedade intelectual, que contempla a lei de proteção de cultivares, possui mais de dez anos e é baseada na convenção da UPOV de 1978, que contempla a proteção até a semente. Neste aspecto, há um movimento da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem) para que a lei seja alterada no sentido de limitar o uso próprio de sementes, principalmente pelos grandes agricultores. 

    A lei de biossegurança no Brasil possui menos de dez anos, sendo considerada moderna e suficientemente ágil para a aprovação de eventos biotecnológicos, sendo que muitos eventos já foram aprovados para pesquisa e comercialização, inclusive de alguns que foram criados e desenvolvidos no país. 

    O Brasil contempla patentes, entretanto somente de processos, sendo esta proteção utilizada pelas empresas que possuem eventos biotecnológicos. 




    11. Supervisão e coordenação

    Objetivo: definição de um organismo encarregado de supervisão e coordenação. 

    As políticas públicas necessitam ser monitoradas, pois no processo de implementação, provavelmente, algumas correções de rumo devem ser tomadas. Neste sentido, a coordenação entre agentes públicos e privados é essencial.  

    As políticas públicas, como o próprio nome diz, são de um governo que se utiliza de um órgão consultivo composto pela sociedade para sua tomada de decisões. Desta forma, muitos países possuem uma comissão de sementes composta pelos seguintes atores:

• Obtentores de cultivares

• Produtores de sementes

• Agricultores

• Sistema bancário

• Extensão rural

• Governo

• Controle de qualidade

• Assistência técnica

• Universidades 

    Esses atores são representados por associações de classe com um membro titular e outro suplente. No Brasil, este fórum consultivo funciona muito bem há vários anos.   


    Fatores que afetam a sustentabilidade das políticas públicas 

    Há projetos que parecem funcionar muito bem quando analisados no papel; entretanto, as políticas públicas são função de:

1. Demanda de semente

2. Políticas favoráveis

3. Disponibilidade de variedades e seu reabastecimento

4. Conhecimento técnico, treinamento dos agentes

5. Rentabilidade da produção

6. Insfraestrutura

7. Relacionamento permanente entre setor público e privado


    O que é um sistema sustentável?

    É um sistema à “prova do tempo”, atuando nos momentos bons e maus da economia de um país. Diferentes países possuem políticas de diferentes formas, desde privatização até nacionalização, assim como certificação obrigatória, como a voluntária ou declaração de fé. É essencial o estabelecimento das funções de estado e das empresas, tanto do setor público como privado.


    Pilares do setor sementeiro

    A fortaleza da atividade sementeira de um país pode ser resumida nos seguintes pilares:

1. Política e legislação (normas, impostos, subsídios, leis, propriedade intelectual, cooperação regional ou internacional);

2. Ciência (genética, tecnologia, fisiologia, agronomia...);

3. Economia (administração, marketing, investimento, finanças, créditos);

4. Cultural e social (forma de vida, tradições, conhecimento local).


    "É essencial que todo país possua políticas públicas para sementes. Neste sentido, este trabalho teve o objetivo de apresentar elementos como um guia na formulação de uma política nacional de sementes. Seu uso deve levar em conta o estado da situação nacional, a política de agricultura e os objetivos da política de sementes. Foram apresentados vários elementos que podem ser regulamentados para implementação. Uma política pública discutida e acordada entre os atores da cadeia é facilmente aprovada nas diversas instâncias de um governo."


    Trabalho baseado na apresentação de Wilson Hugo (Oficial Agrícola da Unidade de Sementes e Recursos genéticos da FAO, Roma) no “Taller Regional sobre Políticas de Semillas”, coordenado pela FAO e  realizado em Santa Cruz de la Sierra – Bolívia, em agosto de 2012. 

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