Não pode faltar coragem

Edição XVI | 05 - Set . 2012

    E nem sobrar, diria o cauteloso. Esse equilíbrio não é uma tarefa simples de ser executada. Tenho notado, porém, que em muitos momentos falta mais do que sobra. Tem-se andado mais ao sabor do vento do que capitaneado. A título de exemplo, basta que olhemos os grandes temas em debate atualmente no país. Quais ocupam a mídia?

    Neste momento em que escrevo este ensaio, resumem-se a cinco: o julgamento do mensalão (que já é um avanço, mas convenhamos, não há muito que discutir), as olimpíadas de Londres (o fiasco brasileiro nas olimpíadas deveria ser o tema), a copa do mundo de futebol em 2014 (ou como evitar também esse fiasco), a greve de vinte e oito categorias federais, e a novela das oito, da Globo. Este último com ampla vantagem de audiência em relação aos demais somados.

    Isso dá uma mostra de quão relevante são as reformas fiscal e tributária, política, previdenciária, as execuções das obras do PAC, dentre outros tantos temas que apenas aparecem convenientemente ou em épocas sem eleições e que, se debatidos e executados como deveriam, poderiam colocar o país definitivamente no caminho do desenvolvimento. Parece que a coragem de se impor está mais do lado da ficção do que da realidade, mais do lado dos benefícios e conveniências fáceis do que do lado do trabalho e do desenvolvimento.

    No campo dos negócios, temos experimentado muitos avanços, em vários níveis, nos diferentes setores e áreas. Mas ainda carecemos de clareza de espírito e de propósitos, tanto dos líderes como dos demais gestores e colaboradores, força de vontade e principalmente legitimidade nas decisões.


    Como um enredo de novela

    Muitas decisões, por exemplo, não são tomadas justamente por falta de coragem. Principalmente quando são impopulares, possam eventualmente causar algum atrito ou incômodo e aparentemente não se revelarem de utilidade imediata.

    Nesse momento não me refiro às decisões ditas estratégicas, de grande monta e vulto, capazes de soerguer ou quebrar uma empresa. E sim, às pequenas decisões, frequentemente relegadas ao segundo plano. Aquelas que geram capilaridade positiva ou perniciosa nas organizações, dependendo do quanto, somadas, são capazes de impactar no resultado.

    Não é a falta de coragem para tomar decisões efêmeras, como num golpe de sorte e aproveitar uma oportunidade, mas sim as decisões que, se não tomadas, podem gerar grandes estragos no médio prazo. É indispensável audácia para resolver o necessário, e é isso que pode evitar a hecatombe. 

    Num enredo de novela, que se arrasta por intermináveis capítulos, seus protagonistas sempre passam ao largo daquilo que precisaria ser feito. Na ficção, essa prática é necessária para manter o expectador atento e interessado o maior tempo possível, mas na vida empresarial ela se revela desgastante e, frequentemente, revela a falta de algo capaz de colocar ou recolocar tudo nos trilhos.

    Utilidade imediata. Eis um ponto importante. Assim como na política, temos dado mais atenção àquilo que causa impacto imediato nas empresas e seus processos, e preterido aquelas em que o juízo de valor dos envolvidos é de difícil percepção, embora saibamos que possam ser muito mais benéficas no médio e longo prazos. Falta coragem para defender e fazer o necessário para os planos de longo alcance.


    Líderes, coragem e confiança

    Ocorre que, normalmente, não fazer nada, se esquivar das decisões ou dos posicionamentos intricados parece sempre mais fácil. Na prática, ninguém mais quer se estressar e se incompatibilizar apenas por filosofia ou retidão intelectual. Até a flexibilidade moral tem sido banalizada diariamente, basta ser um pouco mais criterioso e atento às discussões e isso será percebido facilmente. Atitudes simples e necessárias são soerguidas a grandes feitos, buscando maquiar a mediocridade moral e a falta de coragem.

    Exatamente essa coragem faz falta hoje na gestão, principalmente aos líderes. Fará ainda mais falta quando aqueles que estão assistindo agora, como subordinados e aprendizes, forem conduzidos aos papéis do andar superior. A escola da vida que estão frequentando está deixando a desejar neste quesito. Os exemplos que se seguirão poderão não ser os melhores ou os mais recomendados.

    Tomar decisões e posicionamentos nem sempre é uma tarefa simples. Na prática, a ideia é que, para decidirmos, devemos ter um leque de opções, o que, teoricamente, facilitaria a escolha. Mas o grande pecado não está na escolha equivocada dentre as opções e sim na decisão de não fazer nada. Em última instância, ela é uma decisão em si, uma opção camuflada, a omissão, e normalmente não considerada, mas frequentemente utilizada. Nessas ocasiões, não fazer nada pode parecer mais fácil e até conveniente.

    Coragem e confiança são metaforicamente irmãs siamesas e, por isso, inseparáveis e indissociáveis. Quando falta a primeira, a segunda também sofre e vice-versa. Muito da nossa prática diz respeito ao perfil pessoal, mas na gestão, de resto, ambas são influenciadas diretamente pela quantidade e a qualidade da informação disponível ao gestor, capacidade de torná-la útil e também pela expectativa e apoio da equipe que o cerca. Decisões individuais que exigem responsabilidade, normalmente, requerem envolvimento coletivo.

    É importante destacar que a coragem nas organizações diz respeito a todos, não apenas aos líderes e gestores. Em cada atividade individual são exigidos momentos de discernimento que demandam coragem para fazer o que precisa ser feito. Cabe ao líder emprestar liberdade, conhecimento e estimular a utilização do juízo de valor individual dos colaboradores nas suas funções, em seu favor, para tomarem as decisões o mais próximo de onde elas sejam necessárias. Empoderamento ou “empowerment” são os termos da moda para isso.


    Fonte de Inovação

    Aqui a conveniência pode se tornar ainda mais perniciosa nos negócios. É necessário coragem, justamente para não acompanhar a maré. Um dos grandes testes de coragem é exatamente o de não ir atrás apenas das conveniências, abandonando suas convicções e inclusive os direcionamentos que as informações disponíveis oferecem. 

    Ter opinião e atitude divergente, que não seja necessariamente a da maioria ou mesmo a padrão, pode revelar uma capacidade inesperada e desejável de encontrar alternativas para velhos e novos problemas. Se ocorrer com os colaboradores, cabe ao líder identificar esses ativos importantes para a empresa e, por seu turno, coragem para assumir o diferencial.

    Os pontos de inflexão, que podem se tornar inovações importantes, normalmente se dão por um ato de coragem e não de leniência. É ela que torna a mudança possível. Coragem para questionar as verdades permite criar novas expectativas, inovação e novas possibilidades, algo amplamente desejável nas organizações. Já houve época que era tomada como desacato hierárquico e decididamente punida com demissão, mas agora, felizmente, é matéria-prima de diferencial competitivo.

    Coragem para transpor barreiras requer entendimento amplo de competitividade empresarial e pessoal. Embora no horizonte de planejamento eles devam fazer parte, tanto para lóderes como para os demais colaboradores, apenas definir ou aceitar limites sempre é temeroso e deixa tudo previsível, algo indesejável no atual cenário competitivo. Se isso acontecer, os concorrentes agradecerão.

    Embora o medo e a coragem pareçam antagônicos, eles se complementam e não são mutuamente excludentes. Quem tem um pode ter o outro. Reconhecer que se tem medo não quer dizer que falta coragem para decidir. Como exemplo, o risco, e, por conseguinte, o medo do desconhecido parcial, não inibe o investidor de aplicar o seu dinheiro, o empreendedor de começar um negócio ou o inovador de inovar. O medo é importante porque permite a reflexão e evita a inconsequência, um perigo para os negócios e a vida.

    Por fim, falta coragem para questões simples, como para não fazer de conta, para ser humilde, a coragem de reconhecer os erros, coragem para ser gentil, de agradecer o que os outros fazem e fizeram por nós, de entender os que ainda não têm a experiência que temos ou reconhecer os que têm mais experiência que nós.

    Coragem, e até a próxima.

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