Brasil e o Negócio Internacional de Sementes

Edição XVI | 05 - Set . 2012
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    "O negócio internacional de sementes ultrapassa oito bilhões de dólares anuais e metade desse valor é concretizado durante o congresso anual da Internacional Seed Federation (ISF), que este ano foi realizado na cidade do Rio de Janeiro, com suporte da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (ABRASEM). Além dos negócios propriamente ditos, também são tratados assuntos que auxiliam o negócio sementes, como propriedade intelectual, tratamento de sementes, regras e contratos, aspectos fitossanitários, coleta de royalties, entre outros."

    O Evento

    O congresso internacional de sementes contou com mais de 1.100 participantes, dos quais, aproximadamente 800 estavam apenas para efetivação de negócios, 150 para as discussões nos diferentes comitês técnicos da ISF e 150 como pessoas acompanhantes, cujo principal objetivo foi aproveitar as oportunidades de turismo no país. Este número de participantes é considerado normal pela ISF e, como ocorreu num país em desenvolvimento, é excelente. Vale destacar que este ano o congresso teve que ser adiado devido à Conferência Rio+20, sobre meio ambiente, o que dificultou a participação de alguns empresários. Discutindo este aspecto com o presidente da ISF, Truels Damsgaard (empresário do ramo de forrageiras), este enfatizou que pelo menos 200 participantes deixaram de vir ao Rio de Janeiro para realizar os seus negócios. 


    Como era de se esperar, a participação brasileira foi excelente, com praticamente 100 participantes (normalmente são de 10 a 15), apenas inferior à delegação dos Estados Unidos. Na tabela abaixo pode-se observar os países com maior número de participantes, destacando-se, além dos Estados Unidos e Brasil, comentados anteriormente, os países da comunidade europeia, em especial a Holanda, França, Alemanha e Itália. A Holanda é bastante ativa no comércio internacional de sementes de hortaliças e forrageiras e, consequentemente, seus empresários e técnicos não perdem oportunidades, como essa da ISF, para realizarem, promoverem e melhorarem seus negócios, à semelhança de outros países. 

    Como país anfitrião, o Brasil através da ABRASEM, teve oportunidade de proferir uma palestra na sessão de abertura do evento (única oportunidade não social da qual todos participam), sendo escolhido o tópico a “Semente no Contexto da Segurança Ambiental”. Para proferi-la, a ABRASEM indicou o seu diretor técnico, dr. Geraldo Berger, que destacou em sua palestra que o agronegócio brasileiro representa mais de 20% do PIB e agrega mais de 35% da força de trabalho, possuindo condições para produzir sementes dificilmente encontradas em outros locais, como clima, água, solo, pessoal qualificado e arcabouço legal. O negócio de sementes no país alcança 2,6 bilhões de dólares anuais. Berger também ressaltou que não há necessidade de desmatar a Amazônia para aumentar a produção de alimentos no país, seja pelo aumento de produtividade dos cultivos já conseguidos ou pela disponibilidade de terra que no momento é utilizada para pastagem extensiva (+ de 100 milhões de hectares).    


    Os negócios

    Examinando a inscrição e os materiais promocionais nas mesas de negociação, constatou-se que a maioria dos participantes do congresso era do setor de hortaliças, do qual os países asiáticos são grandes consumidores. Logo após, vem o setor de sementes de forrageiras temperadas e, em menor escala, outras espécies e serviços. Merece destaque o setor de sementes de forrageiras tropicais, principalmente brachiárias, do qual o Brasil é um grande produtor e exportador, com várias empresas brasileiras no evento prospectando negócios. O interesse está tão grande neste setor que duas grandes empresas multinacionais, a Dow AgroScience e a Barenburg, firmaram um acordo para produzir e comercializar sementes híbridas de brachiária. Ainda sobre sementes de forrageiras tropicais, o comitê de forrageiras da ISF gestiona junto à ABRASEM a possibilidade de se ter alguém familiarizado com o setor participando no comitê.


    A busca de negócios foi tal que os diretores da ABRASEM receberam diversas consultas sobre a atuação de empresas nacionais, entre elas, a EMBRAPA, cujo potencial voltado à criação e desenvolvimento de novas cultivares desperta a atenção do agronegócio internacional. Felizmente, se conseguiu colocar os interessados em contado com o representante da EMBRAPA no evento, concentrando-se o interesse maior em sementes de feijão e milho.

    Um dos negócios prospectados para produção de sementes no Brasil foi a produção de sementes de arroz híbrido, pois pode ser realizada durante todo o ano em largas extensões de terra, o que torna o processo bastante competitivo. Verificou-se na oportunidade o interesse dos principais países produtores de arroz híbrido. Este processo envolve tecnologia e confiança entre as partes, pois há parentais envolvidos que possuem valor comercial difícil de estimar.

    Com certeza, o congresso internacional de sementes da ISF é uma excelente oportunidade de se realizar negócios que se concretizam durante o ano e, de acordo com os participantes, é normal cada um ter mais de 15 entrevistas para definir o melhor negócio. Em um bom ambiente, como o do congresso, em um local atrativo, com um suporte logístico disponível, os negócios acontecem e as sementes correm o mundo mantendo sua qualidade.   


    Documentos

    Proteção Intelectual

    A ISF, conforme o próprio nome diz, congrega várias associações de diferentes origens e interesses, possuindo como objetivo comum que o uso de sementes de alta qualidade das variedades melhoradas seja alto. Neste sentido, como vários aspectos são envolvidos no negócio sementes, há ocasiões em que os interesses dos membros da ISF podem ser conflitantes, e neste caso as tomadas de decisões e o posicionamento da entidade sobre determinados assuntos vão até onde todos concordam, tentando avançar até o possível sem ruptura, pois a semente não é o elo mais forte da cadeia do agronegócio e, dividida, seu peso certamente não será maximizado.


    Um assunto que esteve na pauta da ISF, em seu comitê de melhoramento, foi o de propriedade intelectual, permanecendo em discussão por vários anos. O impasse maior desse assunto está no entendimento da lei de proteção de cultivares (LPC) e da lei de patentes. Na proteção de cultivares, está contemplado que o melhorista tem liberdade para usar, em seu programa de melhoramento, qualquer variedade comercial desenvolvida por uma empresa concorrente, enquanto na lei de patente, o melhorista não tem liberdade de desenvolver um material comercial durante a vigência da patente.

    Outro aspecto da proteção é que na LPC um material fica protegido por 15 anos, enquanto na lei de patente a proteção é por 20 anos. Entretanto, os 15 anos da LPC são efetivos, pois o tempo praticamente começa a contar no momento que se tem a cultivar criada e desenvolvida, enquanto na lei de patentes, apesar da proteção ser de 20 anos, o benefício comercial é bem menor, pois, após obter a patente, o material é submetido para regulamentação e uma vez aprovado (em geral após alguns anos) deverá passar pelos testes de VCU e produção de sementes das categorias superiores. É comum um material patenteado ter menos de 15 anos efetivos para comercialização.

    As discussões sobre o posicionamento da ISF sobre a isenção do melhorista, inclusive sobre material patenteado e o tempo de validade de uma patente, consumiram muitas reuniões, estendendo-se o impasse até a assembleia geral da entidade realizado durante o congresso do Rio de Janeiro. A aprovação do posicionamento da ISF sobre a propriedade intelectual só foi possível pela retirada de emendas pelos contrários ao texto original e pela ativa participação do coordenador do comitê de melhoramento, dr. Jean Christopher Gouache, em articular um texto aceito por todos.  

    O documento com o posicionamento da ISF, que pode ser acessado na página web www.worldseed.org, é bastante amplo; entretanto, vale destacar que a entidade defende que todos devem pagar pelo uso de semente de uma cultivar protegida, e se o agricultor tiver o privilégio de usar sementes de uma cultivar protegida grátis alguém deve pagar por este privilégio, pois a criação e o desenvolvimento de uma cultivar superior custa muito dinheiro e tempo. Outro aspecto é que a ISF entende que eventos descobertos de uma espécie não podem ser patenteados naquela espécie também chamada de eventos nativos. 


    Regras e contratos

    Os contratos de compra e venda de sementes estão na pauta da ISF desde sua criação, em 1924, com o objetivo de evitar problemas desnecessários, sendo baseados nos tratados internacionais.

    No congresso foram atualizados vários aspectos dos procedimentos, como os objetivos de: 

1. Harmonizar os acordos dos contratos entre comerciantes de sementes;

2. Servir como orientação nas câmaras de arbitragem, com base no conhecimento e na confiança; e

3. Ajudar pequenas e médias empresas montarem os contratos. Estas empresas, em geral, não possuem advogados para prepararem seus contratos.

    Os negócios de sementes no ambiente da ISF são bastante seguros, sendo poucos os casos de não pagamento ou de entrega de material fora das especificações contratuais. A câmara de arbitragem funciona muito bem.



    Tratamento de sementes

    A ISF criou o comitê de tratamento de sementes para auxiliar todos os outros comitês da entidade, pois é um assunto comum a todos. 

    O tratamento de sementes pode ser considerado como uma das grandes inovações tecnológicas, entretanto necessita ser harmonizado entre os países e isso requer um grande trabalho, pois envolve produtos com diferentes princípios ativos, princípios ativos idênticos, mas com nomes comerciais diferentes, mistura de produtos, dosagens e validade. Com a possibilidade de a semente servir como veículo de transmissão de doenças e insetos, o tratamento de sementes reveste-se de muita importância. Há países que estão considerando que o tratamento possa substituir a análise sanitária das sementes.

    O crescimento da adoção do tratamento industrial das sementes, que se está observando em alguns países como o Brasil, também é uma boa razão para fortalecer o comitê de tratamento de sementes na ISF, considerando que a semente é exportada, e algumas vezes, inclusive, reexportada; podendo estar tratada e, assim, necessitando estar devidamente caracterizada.


    Alguns assuntos discutidos 

    Soja e Arroz

    No comitê das grandes culturas houve apresentações sobre a situação da soja no Brasil e na América Latina, assim como a situação da produção de sementes de arroz.

    Em relação à soja, o Brasil e a Argentina são os maiores produtores da América Latina, que, em conjunto, cultivam mais de 40 milhões de hectares por ano, com uma produtividade média próxima a 3t/ha. Em termos de adoção da biotecnologia pelos sojicultores, pode-se considerar que mais de 80% da área é cultivada com soja GM, sendo a Argentina o primeiro país da região a adotar a biotecnologia para a soja.

    O negócio de sementes com soja pode ser considerado grande na região. No Brasil, a taxa de utilização de sementes é superior a 60%, para uma área de 25 milhões, enquanto na Argentina é inferior, pois o sistema é diferente, embora também grande.

    Dois fatos envolvendo o negócio de soja na região merecem destaque: a taxa de utilização de sementes de soja na Bolívia, superior a 70%, em praticamente um milhão de hectares de cultivo, e a coleta da Taxa Tecnológica sobre a soja GM no Paraguai, que envolveu toda a cadeia produtiva com um percentual da taxa recolhida para cada um.   

    Em relação ao negócio de arroz no Brasil, foi destacado que a taxa de utilização de sementes situa-se ao redor de 50%, para um cultivo de 1,3 milhão de hectares de arroz irrigado, e 1,7 milhão de arroz de sequeiro. Outro aspecto é que já são praticamente 50 mil hectares cultivados com arroz híbrido, que produz de 20 a 30% a mais do que as variedades convencionais, com um potencial de alcançar mais de 200 mil hectares. Há duas empresas no país dedicadas ao comércio de sementes de arroz híbrido.



    Forrageiras Tropicais 

    O Brasil possui ao redor de 120 milhões de hectares de pastagem, sendo 75% estabelecidos com sementes de forrageiras tropicais. Desta área, considera-se que 20 milhões de hectares são estabelecidos anualmente, o que significa uma grande necessidade de sementes. Assim, considerando que são exportadas anualmente 10.000 toneladas de sementes, e mais o consumo interno, o negócio de sementes de forrageiras tropicais no país ultrapassa a 800 milhões de reais/ano.  


    Hortaliças

    O Brasil é um grande importador de sementes de hortaliças, e qualquer entrave nas importações cria tensão no mercado. Neste sentido, a ISF, mais de uma vez, veio ao Brasil e, junto com a ABRASEM, foi ao Ministério de Agricultura (MAPA) para melhor informar-se sobre os processos de importação, sendo a sanidade um dos entraves, com a análise de risco de praga. 

    Neste sentido, a ISF convidou o dr. Cósan de Carvalho Coutinho, do MAPA, para proferir uma palestra sobre a situação dos requerimentos fitossanitários de importação de sementes, na qual foi informado que a legislação brasileira sobre o assunto é de 1933, estando, no momento, num processo de atualização. Estima-se para dezembro de 2012 o término da atualização, submetida atualmente à audiência pública, com o aporte de várias sugestões da ISF.

    No momento estão registrados no MAPA 215 hospedeiros para 69 espécies, sendo que 57 são pragas quarentenárias.  Por uma análise da ISF, já se constatou que vários hospedeiros não são sementes, o que certamente será atualizado. O que se busca é uma boa base legal, uma adequada regulamentação fitossanitária e o necessário período de adequação diante da mudança na legislação. 

    O dr. Coutinho salientou que o processo de atualização é transparente, com as informações disponíveis na internet, e estando receptível a sugestões e opiniões sobre os possíveis entraves que a fitossanidade pode ocasionar no comércio de sementes, tão importante para abastecer a demanda nacional.


    Diretoria ISF

    Merece registro a formação do comitê executivo da ISF, constituído pelo recente ex-presidente da entidade, um presidente, um vice-presidente e um 2º vice-presidente, a ser eleito. Reforçam o comitê, o tesoureiro e o coordenador do comitê de fitomelhoramento. Assim, o novo comitê executivo da ISF, empossado no Congresso do Rio de Janeiro, ficou assim composto: Truels Damsgaard (empresa DHL Trifoil), como recente ex-presidente; Tim Jonhson (Illinois Foundation Seeds), como presidente; e Álvaro Eyzaguirre (Pioneer), como vice-presidente. O 2º vice presidente será eleito no próximo congresso da ISF. Vincent Vuille foi eleito como novo tesoureiro e Jean-Christophe Gouache é o coordenador do comitê de fitomelhoramento.

    Como é de praxe nas mudanças de diretoria, há pronunciamentos de quem sai e de quem entra. Neste sentido, Truels Damsgaard, na condição de presidente que estava saindo, fez questão de enfatizar que, em seus dois anos como presidente da entidade, teve a satisfação de trabalhar com gente competente, com alto grau de profissionalismo, que possibilitou a aprovação, em assembleia geral, do posicionamento da entidade sobre a propriedade intelectual e a atualização das regras e contratos no comércio de sementes. Enquanto Tim Jonshon, como presidente que estava assumindo, enfatizou que buscará soluções de ganha-ganha, que os investimentos gerem retorno (com lucro haverá investimentos), e que não se esqueça de aproveitar a vida com alegria. Na ISF, a diretoria é formada por voluntários.   


    Próximos Congressos 

    Os congressos internacionais da ISF são programados com seis anos de antecedência, para que os anfitriões possam preparar os eventos com todos os detalhes necessários. Enquanto isso, um representante do país-sede terá acento no conselho diretor da entidade. Os próximos eventos serão realizados nos seguintes países: Grécia, 2013; China, 2014; Polônia, 2015; Uruguai, 2016; Hungria, 2017 e Australia em 2018.


    Resumo

    O Congresso Internacional de Sementes realizado pela ISF, com apoio das associações nacionais de sementes, é o melhor fórum para a realização de negócios, considerando a logística da distância entre os países, onde todos podem se encontrar num só lugar todos os anos, assim como o melhor ambiente para promover e auxiliar o negócio de sementes entre empresas. Neste ano de 2012 o evento foi no Brasil, quando os participantes tiveram oportunidade de se informar com mais detalhes sobre como o negócio de sementes é conduzido no país em termos de grandeza, prioridades, tecnologia e arcabouço legal.  

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