Trabalho e família: como dosar?

Edição XVI | 04 - Jul . 2012

    Já vai longe a época em que a agricultura era realizada exclusivamente no seio familiar e a labuta, tanto no campo como nas lides caseiras, era caracterizada pelo convívio entre os membros da família. Ainda me lembro, não sem uma ponta de melancolia, quando íamos juntos para a roça, das laranjas que degustávamos no lanche da tarde, do trabalho coletivo com os vizinhos na época da colheita e da gostosa conversa durante as refeições ou ao final do dia, dentre outras interações entre trabalho e família. Tempo em que harmoniosamente se combinavam os dois ambientes e a dissociação era apenas momentânea.

    Hoje, salvo a manutenção existente na agricultura familiar ou de subsistência e alguns raros exemplos ainda encontrados em áreas de minifúndios, tempo e resultados ditam as regras de envolvimento, e a jornada competitiva impõe outro ritmo, apoiado no exemplo comercial e industrial. Com o advento do agronegócio e a ampliação dos níveis de competitividade, essa realidade se transformou, e a relação entre trabalho e família se tornou um grande desafio para os profissionais e as organizações.


    A regra é mais trabalho e menos família

    Assim, o necessário equilíbrio entre as atividades no trabalho e a dedicação à vida pessoal, antes restritas ao ambiente urbano, se transformou no grande desafio em qualquer área e a qualquer tempo. São escolhas diárias que interferem decisivamente tanto na empresa como na família.

    Esse dilema ainda está longe de acabar. A cada dia que passa, a impressão é de que está apenas começando, e o fato é que algumas empresas e profissionais não estão preparados para gerir esse necessário equilíbrio. Com frequência se percebe grande preocupação e ações sobre as consequências, ao invés de foco nas causas dessa falta de harmonia e de dosagem adequada de empenho numa ou noutra área. Dito de outro modo, frequentemente profissionais e empresários abdicam da família e do convívio social para se dedicarem exaustivamente ao trabalho.

    Assim, com esse desacordo entre o tempo dedicado ou partilhado pelos profissionais, gestores ou empresários, no trabalho e fora dele, na relação familiar, a balança normalmente pende para o afinco no labor e o descaso na família. Poucas vezes o contrário, até porque isso poderia gerar uma iminente ruptura com a relação contratual e de trabalho. Algo que nenhum profissional deseja: ser demitido por falta de empenho e dedicação. 


    Os empresários também exageram

    Esse dilema, em tese, se imagina que pudesse se ater principalmente aos colaboradores dos níveis táticos e operacionais, normalmente de menor influência no processo decisório e mais sujeitos aos desmandos e demandas dos gestores dos níveis estratégicos, inclusive os próprios empresários. 

    Mas não é isso que a prática tem nos mostrado. Há indícios de que o desequilíbrio que denota a falta de dedicação ao ambiente das relações familiares está afetando mais os gestores dos níveis estratégicos, e inclusive os empresários, do que os gestores dos níveis hierárquicos mais baixos. Como consequência adicional ao desiquilíbrio, surge a obesidade, o alcoolismo, a ansiedade e outras mazelas do cotidiano contemporâneo, que, em última análise, formam um círculo vicioso que acaba por trazer a redução da produtividade.

    A potencial maior dedicação dos empresários e gestores estratégicos pode até parecer normal, primeiro porque as relações contratuais de trabalho geram uma relativa salvaguarda aos demais colaboradores, e segundo que, sob o ponto de vista da responsabilidade, os do andar de cima assumem maiores encargos e também esperam maior retorno, tanto financeiro direto como o de reconhecimento. Mas temos de convir que representa uma constatação no mínimo preocupante.

    Tem-se evidenciado cada vez mais empreendedores e gestores de todos os níveis com dificuldade de sustentar uma rede legítima de amigos, o relacionamento harmonioso com seus cônjuges e filhos, normalmente motivado pelas ausências frequentes, a falta de companheirismo, flexibilidade e de criatividade nessas relações.

    Encontro com frequência gestores e empresários que conseguem, na empresa, se desdobrar em exemplos de liderança, exercendo a flexibilidade, a capacidade de ouvir e ponderar, discutir argumentando, e se revelando exemplares negociadores de interesses. Mas de outro lado, na família, não guardam a mesma paciência, beleza espiritual, benevolência e até desprendimento. Parece que com facilidade, e até por opção, gastam todo o estoque de paciência e de competência negocial no ambiente corporativo e não guardam nenhuma ou pouco delas para ser usado na solução ou encaminhamento das discórdias da vida pessoal.


    Feliz em casa desde que a empresa cresça

    Do ponto de vista do chefe, em muitos casos ainda persiste a ideia simplista, e muitas vezes ultrapassada, de que colaboradores felizes e com vida familiar harmoniosa somente são justificados desde que isso também auxilie a empresa a crescer, e a felicidade alheia à organização não interfira nos desempenho individual e coletivo dentro dela. O que é, no mínimo, um despropósito.

    Contudo, há um grupo de gestores que entendem o equilíbrio entre esses dois lados como um mito, incapaz de se concretizar plenamente. Felizmente, já há indícios e exemplos de gestão colaborativa e integrada, onde os valores familiares e os princípios pessoais são respeitados e até estimulados, crentes de que auxiliam decisivamente no desempenho empresarial.

    O importante é que todos, gestores, empresários e demais colaboradores, tenham em mente a máxima de que a felicidade não é um ponto de chegada, mas a maneira como se viaja. Isso requer, entre outros aspectos, segurança e competência nas suas atividades, uma vez que a vulnerabilidade profissional deixa as pessoas mais expostas às demandas da empresa e do mercado.


    As três fases

    O segredo, pernicioso (é bom lembrar), das empresas que não tem esse equilíbrio estabelecido, na sua essência está em tornar o ambiente empresarial prazeroso e atrativo a tal ponto que o colaborador acaba trocando, por exemplo, o jantar em família por uma reunião com fornecedores depois do expediente.

    Essa prática é canibal no longo prazo. Tende a funcionar apenas no curto e médio prazos, mas fora deles tem se revelado um desastre, uma vez que em algum momento o equilíbrio é quebrado.

    Mesmo assim, é possível encontrar vários colaboradores que conseguem gerar excelentes resultados durante longo período de dedicação quase exclusiva à empresa, relegando a segundo plano o ambiente familiar. Mas sempre à custa de algum desgaste ou sacrifício.

    Poder-se-ia dizer que nessa questão as empresas obedecem três fases distintas, quais sejam: a primeira, onde o foco é exaurir ao máximo os colaboradores e ignorar a importância do lado pessoal; a segunda, quando a empresa reconhece a integração dos dois ambientes e já não mais ignora a importância do lado pessoal para otimizar o desempenho no ambiente organizacional; e por fim, o momento em que políticas e estratégias são definidas para estimular o apoio familiar e das relações sociais, cientes de que dessa maneira os colaboradores desempenharão melhor suas atividades.

    Na prática, é necessário cada vez mais integrar e interagir com a família e as pessoas que são caras para os colaboradores, na expectativa de que a compreensão e a colaboração sejam armas importantes também para a empresa. Esta é uma vantagem considerável para as pequenas empresas, onde os laços familiares são mais próximos.


    Respeitar é produtivo

    Embora existam condições contratuais e legais que são estabelecidas e devem ser obedecidas no momento da contratação, é fundamental saber que é a vivência e a convivência que vão estabelecer as verdadeiras condições em que o trabalho se dará.

    Neste particular, a competência é a maior salvaguarda que os colaboradores possuem na busca de equilíbrio e na negociação dessas conquistas com seus líderes. Profissionais medíocres frequentemente estão com o pires na mão solicitando ajuda ou buscando refresco no combativo ambiente empresarial.

    Normalmente, acabam sendo vistos como desorganizados, pouco dedicados e até incompetentes. Por isso, para equilibrar o jogo é fundamental que os colaboradores organizem suas finanças, seu tempo e suas prioridades. Isso vai dar mais segurança para gerenciar suas ambições.

    Embora existam responsabilidades de parte à parte para o exercício do equilíbrio, ele começa e se sintetiza no colaborador, que, em última análise, é o único capaz de identificar suas prioridades, estabelecer seus valores e implantar sua filosofia de trabalho. Em tempos de escassez de mão-de-obra preparada, as empresas estão pressionadas a respeitar mais os limites e as vontades dos seus colaboradores. É bom que seja assim.

    Até a próxima. 

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