Avanços na secagem de sementes

emprego de ar desumidificado por resfriamento

Edição XVI | 04 - Jul . 2012
Suemar Alexandre G. Avelar-suemar@aprosmat.com.br
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Francisco Amaral Villela-francisco.villela@ufpel.edu.br

    A indústria sementeira tem o papel de fornecer sementes de alta qualidade ao agricultor, para assegurar a transferência de todos os avanços tecnológicos desenvolvidos ao longo das décadas por profissionais das áreas de fitomelhoramento, biotecnologia vegetal e proteção de cultivos veiculados  pelas sementes. Para garantir o alto desempenho, foi desenvolvida uma série de técnicas compreendendo desde a escolha da área, adequado preparo do solo e manejo da cultura até o beneficiamento e armazenamento de sementes. 

    O teor de água é fator mais importante para definir a qualidade de sementes no armazenamento, pelo fato de interferir em sua atividade biológica, atividade dos microrganismos e suscetibilidade à danificação mecânica. Assim, a secagem de sementes constitui-se em ferramenta fundamental na produção de sementes de alta qualidade e visa manter o teor de água adequado para as operações de beneficiamento, transporte e armazenamento, reduzindo ao mínimo os impactos que a qualidade das sementes possa sofrer durante essas etapas. 

    Por que as sementes devem sofrer secagem artificial?

    Durante a formação das sementes ocorre uma série de transformações morfofisiológicas e funcionais, finalizando ao atingirem o máximo acúmulo de matéria seca e se desligarem fisiologicamente da planta-mãe. Esse estádio geralmente coincide com a máxima qualidade fisiológica, pois as sementes frequentemente exibem germinação e vigor máximos. Todavia, contrasta com a presença de elevada incidência de plantas verdes, com alto conteúdo de água, inviabilizando a colheita mecanizada, sendo necessário armazenar as sementes no campo até que seja possível realizar a colheita mecânica.

    No campo, o teor de água das sementes vai decrescer rapidamente até começar a oscilar em função da umidade relativa do ar, o que pode levar de duas a três semanas, período em que permanecem expostas a chuvas, orvalho e variações da umidade relativa do ar. A qualidade das sementes pode ser comprometida porque, sendo higroscópicas, as sementes absorvem e perdem água de acordo com as condições psicrométricas do ar ambiente e as sucessivas expansões e contrações dos tecidos das sementes favorecem o desencadeamento do processo de deterioração e o ataque de microrganismos. Assim, é necessário realizar a colheita tão logo as sementes apresentem teor de água que permita a colheita mecânica, com mínimo de dano à qualidade da semente - 18% (soja), 24% (arroz irrigado) e 30% (milho em espiga) –  sendo que atrasos de um a dois dias na colheita podem resultar em reduções de germinação e vigor.

    O teor de água relacionado à colheita de sementes com alta qualidade é, todavia, inapropriado para o armazenamento seguro, sendo recomendado que se situe abaixo de 12-13% (dependendo da espécie). A operação de secagem permite a redução do teor da água de sementes até níveis adequados, permitindo a manutenção da qualidade das sementes. 


    Como as sementes podem ser secadas?

    Existem diversos sistemas e tecnologias de secagem disponíveis no mercado, que recebem diferentes classificações. No que se refere ao uso de equipamentos, pode ser natural ou artificial. A secagem artificial pode ser classificada ainda, quanto à periodicidade de exposição da massa de sementes ao ar de secagem, em contínuo ou intermitente, e, quanto à movimentação das sementes, em estacionário ou de fluxo contínuo. 

    A secagem natural, como o nome sugere, utiliza as energias solar e eólica para a remoção da umidade das sementes. Embora seja de baixo custo, limitada pelas condições climáticas, necessita de intensivo uso de mão-de-obra, sendo mais utilizado para secagem de pequenas quantidades de sementes. Em se tratando de grandes culturas, como milho, soja e arroz, por exemplo, a dependência das condições ambientais e o grande volume a ser seco em curto espaço de tempo inviabilizam a utilização de secagem natural, sendo necessária a adoção de um método artificial de secagem.

    A secagem artificial pode ser estacionária, que consiste em forçar mecanicamente um fluxo de ar através da massa de sementes que permanece  estática, em silos de fundo falso perfurado ou de tubo central com distribuição radial do fluxo de ar. Por outro lado, pode ser intermitente, na qual a semente permanece em exposição ao ar aquecido na câmara de secagem em intervalos regulares de tempo, intercalados por períodos sem exposição, nos quais ficam na câmara de equalização, ocorrendo homogeneização da umidade e da temperatura da massa. A secagem contínua, por empregar altas temperaturas e a massa de produto passar uma única vez na câmara de secagem, saindo seca na base do secador, pode acarretar prejuízos à qualidade das sementes, não sendo recomendada sua utilização para sementes. 


    De que forma ocorre a secagem? 

    O teor de água é a medida da quantidade de água presente na semente em relação à quantidade total. A água presente na semente na forma de vapor gera pressão em todas as direções, principalmente em sua superfície. A umidade relativa do ar expressa a relação entre a quantidade de água presente no ar e a quantidade máxima  que este pode conter numa determinada temperatura. A água contida  no ar também se encontra sob a forma de vapor e, portanto, exerce uma pressão de vapor.

    A secagem é um processo baseado em gradientes de pressão de vapor entre a superfície da semente e o ar circundante, que proporcionam trocas de vapor de água entre o ar de secagem e as sementes. Se a pressão de vapor de água do ar for maior do que a da superfície da semente, ocorre umedecimento e, se for menor, as sementes perdem água, ou seja, ocorre a secagem. Esse processo envolve ainda o movimento da água do interior da semente para a superfície, para que possa ser removida pelo ar de secagem. O transporte de água do interior para a superfície da semente é causado por um derramamento hidrodinâmico pela ação de pressão total interna ou processo de difusão resultante de gradientes internos de temperatura e de teor de água.


    Como promover gradientes de vapor de água semente-ar?

    Na secagem natural, o gradiente dependerá das condições atmosféricas. A secagem vai ocorrer se houver aumento na temperatura do ar acompanhado da redução da umidade relativa proporcionada devido à maior capacidade do ar em reter água em temperaturas mais elevadas. A necessidade de que o processo ocorra naturalmente e a alta umidade relativa do ar média observada em algumas regiões e épocas do ano limitam a utilização desse tipo de secagem a algumas regiões e a determinados cultivos. 

    Na secagem artificial, o gradiente de pressão de vapor entre a semente e o ar necessário para que ocorra a secagem pode ser obtido por dois processos: aquecimento do ar, que aumenta sua capacidade de absorção de água, ou remoção de água do ar, por desumidificação, obtida por resfriamento.

    O aquecimento funciona de forma similar ao verificado na secagem natural, todavia, nesse caso, induzido artificialmente, utilizando uma fonte de aquecimento, como gás ou lenha, para induzir a geração de calor e o aquecimento do ar. Para entender fisicamente a redução da umidade relativa pelo aquecimento do ar, pode-se utilizar como exemplo uma massa de ar partindo de um ponto de estado A, cujas propriedades psicrométricas são temperatura de 30°C, umidade relativa de 60% e razão de mistura de 16g de água por kg de ar seco. Se o ar for aquecido a 40°C (ponto de estado B), a umidade relativa baixará para 35%, embora a razão de mistura permaneça constante. A razão de mistura representa a massa de vapor de água presente em determinada massa de ar, expressa em gramas por quilograma de ar seco. Desta forma, a elevação da temperatura do ar no processo de secagem aumenta a capacidade de absorção de água pelo ar, mas sem alterar a razão de mistura. Assim, a quantidade de água presente no ar continua a mesma (Figura 1). 


    Retirada de água do ar

    Um sistema de desumidificação do ar, utilizado caso haja necessidade de obter umidades relativas do ar muito baixas para armazenar sementes em embalagens impermeáveis, emprega um dessecante químico (sílica gel) para remover a umidade do ar, pelo princípio físico da absorção de água por um material altamente higroscópico. Esse princípio pode ser utilizado na secagem de sementes até teores de água de 5 a 7%, como no caso de sementes de hortaliças e de espécies ornamentais, acondicionadas em embalagens impermeáveis (latas e envelopes aluminizados).

    A evolução dos dispositivos para condicionamento e circulação do ar, já conhecidos pela indústria de sementes em processos de resfriamento, levou à adaptação desses sistemas para desumidificação e aquecimento do ar, originando as Unidades de Tratamentos de Ar (UTA’s). O equipamento possui a capacidade de desumidificação do ar por resfriamento, condensando o vapor de água presente no ar, com posterior aquecimento, para a obtenção de ar com menor umidade relativa. Dessa forma, ocorre aumento da capacidade de retenção de água pelo ar e redução da razão de mistura, resultando numa massa de ar mais seco.

Considerando o mesmo ar do exemplo anterior (temperatura de 30°C, umidade relativa de 60% e razão de mistura (RMa) de 16 g de água por kg de ar seco (Figura 2 – A) e  ponto de orvalho de 21°C), verifica-se que após a entrada do ar no equipamento, a temperatura vai ser reduzida, por exemplo, a 10°C,  ou seja, abaixo do ponto de orvalho (Figura 2 – B). O ar, ao atingir esta temperatura, terá umidade relativa igual a 100%. Se o ar for resfriado a temperaturas inferiores, parte da água presente na forma de vapor condensará e será retirada do ar em um processo de desumidificação, e a nova razão de mistura será 7,6 g de água por kg de ar (RMb). Após esse processo, caso o ar seja aquecido novamente até 30ºC, atingirá a umidade relativa de 29 % (Figura 2 – C) e menor quantidade de água que na condição inicial (Figura 2). 

    Se o ar for aquecido, por exemplo, até 18ºC, a umidade relativa do ar chegará a 60%, sendo condições favoráveis para a secagem de sementes em silo secador. Caso pretenda-se reduzir a umidade relativa do ar, para aumentar o potencial de absorção de água, o ar pode ser aquecido, por exemplo, até 40 ou 50ºC, baixando a umidade relativa do ar para níveis inferiores a 20%, condições psicrométricas adequadamente favoráveis para a secagem de sementes em secador intermitente.

    

    O que há de novo?

    Os avanços em secagem de sementes nas últimas décadas envolveram apenas modificações nos secadores, porém pouco foi feito para aumentar a “capacitação” do ar para a secagem. Foram utilizados os mesmos conceitos de aquecimento do ar e redução da umidade relativa, sem se preocupar, contudo, com a razão de mistura. No entanto, a Unidade de Tratamento de Ar (UTA) é uma tecnologia disponível na indústria brasileira de pós-colheita de sementes e grãos.

    A secagem pode ser realizada em secador estacionário ou em secador intermitente. Na secagem intermitente. a UTA vem acompanhada por um secador de fluxo contra-concorrente com reaproveitamento de ar, de modo que o ar de secagem, após passar pela massa de sementes, retorna para a UTA, proporcionando maior eficiência energética, com menor consumo de energia, principalmente em condições de alta umidade relativa do ar ambiente.  A opção de trabalhar com ou sem reaproveitamento do ar de secagem torna possível ao operador do sistema a escolha da condição operacional mais apropriada.  

    O equipamento apresenta baixo consumo de energia (eletricidade), sendo o custo variável entre R$ 0,18 a R$ 0,30 por saco de semente. Existe ainda a possibilidade de operação com o equipamento utilizando capacidade reduzida, desligando parte dos compressores, sendo ainda possível obter ar de secagem desumidificado e frio. Assim, caso seja acoplado a um secador estacionário com fluxo radial ou axial, pode-se alcançar uma taxa de remoção de água de até 0,7 pontos percentuais por hora, dependendo da espécie e da umidade inicial das sementes. 

    Além do baixo custo de energia despendido na secagem, o equipamento apresenta a vantagem de proporcionar adequado controle de temperatura, maior limpeza das instalações de secagem e possibilitar a automação da operação. 

    A secagem de sementes é uma operação fundamental para obtenção de sementes de alta qualidade. Pode ser realizada de forma rudimentar distribuindo as sementes em terreiros e utilizando ar natural ou utilizando modernos secadores que realizam a operação de forma mais eficiente, possibilitando viabilizar a colheita de sementes de grandes culturas com teor de água adequado. O tradicional aquecimento do ar não é a única forma disponível para a redução da umidade relativa e para preparar o ar para a secagem artificial, pois pode ser desumidificado, reduzindo a quantidade de água contida, tornando assim bastante eficiente o processo. Ademais, menores são  os potenciais danos à qualidade da semente decorrentes do emprego de altas temperaturas do ar de secagem, utilizado em secador intermitente com ar aquecido.

    A evolução dos dispositivos para condicionamento de ar permitiu a entrada das unidades de tratamentos de ar, como opção à secagem tradicional que utiliza gás ou lenha, como fonte de aquecimento. Além disso, o baixo custo energético torna o sistema uma alternativa viável para adoção em unidades de beneficiamento de sementes.

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