O Valor de Uma Cultivar Superior

Edição XVI | 03 - Mai . 2012
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    O agricultor, ao comprar a semente para estabelecer seu campo de produção de grãos, invariavelmente relaciona o preço da semente com o preço do grão, pois estes valores estão disponíveis facilmente. Entretanto, em relação ao valor da semente, há custos, que normalmente não são considerados, e que são altos. Nesta matéria da SEED News será apresentada uma avaliação racional sobre a complexidade da criação, desenvolvimento e produção de sementes de alta qualidade de uma nova cultivar superior.

    Há décadas que os governos de vários países se conscientizaram de que era essencial envolver a iniciativa privada na criação e desenvolvimento de cultivares. Para isso foi necessário contemplar uma forma de remuneração para esse trabalho e investimento tão importantes para o crescimento e a sustentabilidade da agricultura. No Brasil, somente em 1997, foi estabelecida a lei que trata da Proteção de Cultivares, sob as regras da UPOV 1978, prevendo, entre outros aspectos, o direito do titular da proteção, ou seja, o criador da cultivar, da comercialização exclusiva das sementes da cultivar protegida por um prazo de 15 anos para os cultivos anuais. Para alguém obter o direito de comercializar sementes de uma cultivar protegida, deve obter a autorização de quem criou a cultivar, o que em geral é feito mediante um contrato que estabelece pagamento de uma taxa denominada royalty. Este recurso gerado pelo uso do produto criado suportará a continuidade da pesquisa de novos produtos, criando-se assim um circulo virtuoso. 

    Atualmente, por exemplo, mais de 80% da área cultivada com soja no Brasil emprega cultivares protegidas. Seguramente, o aumento de produtividade mais acelerado ocorre sempre que há maior investimento em pesquisa e também quando há maior competição entre as empresas. Isso é válido para qualquer espécie vegetal.

    A ciência do melhoramento genético compreende basicamente três tipos de investimento. O primeiro deles é o do conhecimento técnico-científico, que envolve diretamente as pessoas e proporciona os métodos apropriados para cada espécie estudada, para que haja sucesso na atividade. Estes conhecimentos extrapolam os conhecimentos de genética. O desenvolvimento de uma nova cultivar de qualquer espécie envolve uma complexa rede de interações multidisciplinares, como genética, fitopatologia, fisiologia, nutrição, biologia molecular, entomologia, fertilidade do solo, estatística, experimentação, meteorologia, tecnologia de sementes em pré e pós-colheita, marketing, além de outras.  

    O segundo tipo de investimento é o tempo, que é variável de acordo com a característica biológica e morfológica de cada espécie vegetal. Para culturas anuais, autógamas ou alógamas, mesmo com a aplicação de processos modernos de biotecnologia que permitam acelerar o desenvolvimento, este tempo não é menor que 7 a 8 anos nos casos em que há condições de aceleração máxima. Em processos normais o tempo necessário é de 10 a 12 anos ou mais. Para as espécies perenes, como café, frutíferas e florestais este tempo é bem maior. Portanto, este é um investimento ligado diretamente à biologia de cada espécie, sobre a qual há muito pouca flexibilidade, o que torna mais difícil e cara a tarefa de gerar novas cultivares.

    O terceiro tipo de investimento é o financeiro, que dá suporte aos dois anteriores, pois deve prover toda a estrutura material e humana para que se tenha um programa de melhoramento vegetal efetivamente competitivo e que agregue as características necessárias para promover os ganhos necessários em produtividade, sanidade, estabilidade, eficiência e tantos outros que resultem em uma produção viável economicamente aos agricultores.

    Quando se incluem neste complexo sistema as modificações genéticas proporcionadas pela biotecnologia moderna – as plantas transgênicas –, então este tempo e custo pode ser muito maior.

    Como se pode perceber, a agregação de uma simples característica a uma cultivar envolve um complexo, demorado e caro processo de melhoramento genético, assim como a conservação das suas características ao longo do tempo exigem a aplicação de processos de rigoroso controle da pureza e qualidade deste material.




    Germoplasma
    A disponibilidade e o uso eficiente do germoplasma constituem outro aspecto fundamental para qualquer empresa que quer ser competitiva. A constituição genética, também denominada genoma, que uma semente traz consigo é a sua principal fortaleza. O resultado final alcançado por um agricultor é a expressão do genoma sob forte interação com o ambiente em que se encontra (solo, clima, manejo, etc). Características como alta produtividade, resistência a doenças, insetos e herbicidas, ciclo vegetativo, tipo e qualidade de grão ou fibra, conteúdo de óleo, proteína, amido, altura de planta, número, tamanho e formato de sementes, estrutura do caule, tipo de folha, além de outros, estão contidos na genoma. 
    Cada espécie tem um número de genes relativamente estáveis entre as diferentes variedades, porém as pequenas diferenças da constituição genética entre estas cultivares podem determinar diferenças no desempenho final de cada cultivar. A tarefa do melhorista é, portanto, obter a melhor combinação de genes de efeito positivo em uma mesma planta, através de uma recombinação genética obtida pelo cruzamento sexuado entre diferentes variedades da mesma espécie. As características desejáveis nem sempre estão disponíveis na mesma planta. Assim, é imprescindível que se tenha um banco de genes da espécie à sua disposição para definir quais as combinações a fazer, de acordo com cada objetivo a ser alcançado. Este banco de genes geralmente é denominado de germoplasma, que são grandes coleções de linhagens e cultivares que têm o objetivo de serem doadoras de seus genes para o trabalho do melhorista. Estas coleções são mantidas em bancos de germoplasma – unidades conservadoras de material genético de uma espécie para uso imediato ou futuro.
    Os programas de melhoramento das empresas, para criarem as novas e melhores cultivares, necessitam manter seus próprios bancos de germoplasma, podendo também utilizar bancos públicos, geralmente mantidos por órgãos públicos. Como exemplo, pode-se citar o Banco de Germoplasma de soja do USDA, que concentra mais de 16 mil acessos e o qual pode ser acessado via internet e receber solicitações de amostras para uso em pesquisa. Da mesma forma, no Brasil, a Embrapa é a empresa responsável pela manutenção de um banco semelhante. 

    Recursos humanos
    Um banco de germoplasma, seja público ou de uma empresa, deve ser mantido e atualizado permanentemente, o que requer profissionais altamente capacitados, recursos financeiros e métodos adequados para que não se percam sementes e informações. A atualização ocorre pela incorporação de materiais exóticos e também comerciais, o que é permitido pela lei de proteção de cultivares e pela convenção da UPOV de 1978, que permite ao melhorista usar em seu programa de melhoramento uma cultivar desenvolvida por outro programa de melhoramento genético como fonte de variabilidade. A manutenção do banco de germoplasma consiste na renovação periódica das sementes, com a manutenção de cadastro atualizado de informações sobre as suas características genéticas. Além disso, é necessária uma estrutura física adequada para a conservação destas sementes, como câmaras especiais com temperatura e umidade controladas conforme a exigência de cada espécie e o tempo que se deseja conservar.
    Desta maneira, como pode ser observado, a criação, atualização e manutenção de um banco de germoplasma é algo essencial em empresas de melhoramento vegetal, e constitui um patrimônio de alto valor e que é formado ao longo do tempo e determina o sucesso de um programa de criação de cultivares. Em um país trata-se de uma questão de segurança alimentar.
    O aumento das demandas por cultivares mais eficientes e adaptadas a diferentes fatores limitantes da produtividade, além de demandas da indústria em relação a qualidades intrínsecas de cada produto e, principalmente, a velocidade destas mudanças de necessidades, provocaram uma verdadeira revolução nos métodos e processos de desenvolvimento de novas cultivares, seja pelo melhoramento clássico, pela transgenia ou a associação das duas.
    Com isso, a demanda por profissionais especializados em diversas áreas, trabalhando de forma integrada, tornou-se indispensável para atender a tempo as necessidades do agricultor, assim como a maior sofisticação de equipamentos utilizados nas diferentes etapas do processo exigem também pessoas de maior qualificação técnica.
    Além da demanda de especialistas, o melhoramento clássico continua sendo a melhor maneira de se desenvolver variedades superiores, mesmo com o uso de ferramentas modernas de biotecnologia, pois é somente no campo que poderão ser observadas as verdadeiras reações do conjunto da obra de forma integrada e exaustivamente repetida, em uma grande diversidade de ambientes e anos, através de uma rede complexa de experimentação.
    É fácil imaginar a quantidade de pessoas necessárias para a condução de campos experimentais imensos na busca de dados que proporcionem a segurança de recomendação e posicionamento das novas cultivares, antes de seu lançamento final aos agricultores. Quanto ao tamanho ideal de uma equipe de pesquisa em melhoramento, isso é muito variável entre as empresas, pois depende da estratégia e do mercado de cada uma delas, mas, sem dúvida, é um dos itens mais pesados no custo de uma nova cultivar superior.



    Infraestrutura
    A empresa de melhoramento genético vegetal necessita de uma infraestrutura física apropriada para conseguir realizar os seus trabalhos de pesquisa e produção de sementes, tais como campos experimentais em diferentes ambientes das regiões-alvo de suas cultivares, diversos tipos de laboratórios, como de genética, análise de sementes, fitopatologia, biotecnologia e biologia molecular, físico-química, além de outros. Casas de vegetação, câmara fria e seca, unidade de beneficiamento de sementes, galpões para preparo das sementes, galpões para as máquinas, entre outros.
    A eficiência maior de um programa de melhoramento genético de plantas está relacionada com a capacidade de teste das características que estão sendo selecionadas. Quanto mais métodos de seleção estiverem disponíveis, maior será a possibilidade de se obter cultivares diferenciadas e superiores. É também necessário que estes testes sejam em escala suficiente para se trabalhar com grandes números de progênies. 
    A avaliação qualitativa dos materiais com que se está trabalhando envolve aspectos sanitários, fisiológicos, morfológicos, nutricionais, além de diversas características agronômicas que requerem laboratórios bem estruturados e pessoal especializado. Contudo, o campo experimental é que vai referendar a planta selecionada em seu conjunto. A velocidade que hoje o mercado requer das empresas no desenvolvimento de novas cultivares, torna imprescindível que se disponha de estruturas que permitam o avanço contínuo de gerações ao longo do ano, e para isso as estufas e casas de vegetação climatizadas são essenciais para as primeiras fases, como hibridações e avanço das gerações. Nos trabalhos de seleção e fenotipagem de doenças estas estruturas são também fundamentais, assim como quando se está trabalhando com eventos transgênicos regulados que requerem isolamento e segregação. 


    Ciclos de produção
    As sementes que estão nas diferentes fases do processo, que pode levar mais de dez gerações, necessitam ser armazenadas em condições que permitam a manutenção de sua qualidade fisiológica. Para que se tenha esta segurança, são necessárias câmaras de conservação com baixa temperatura e umidade.
    Os últimos dois a três anos do processo de melhoramento, dependendo de cada espécie, são dedicados aos testes experimentais finais, denominados de ensaios de valor, cultivo e uso (VCU), cujos resultados vão definir se uma cultivar está ou não apta a ser competitiva em comparação com as melhores do mercado em cada região de cultivo. É uma etapa muito dispendiosa em função da grande diversidade de locais, em praticamente todos os microambientes nos quais se pretende comercializar no futuro as novas sementes. Depende também de máquinas especiais, pessoal especializado e muito recurso financeiro para constantes deslocamentos, muitas vezes a longas distâncias. Antes de a nova cultivar estar definitivamente pronta, ela passa ainda por uma sequência de experimentos destinados a definir em detalhes seu posicionamento agronômico, ou seja, o ajuste fino sobre qual a maneira mais eficiente de extrair de cada nova cultivar seu melhor potencial produtivo. Nesta etapa são determinadas as melhores épocas de plantio, tipo de solo mais adequado, melhores densidades de semeadura para cada época e ambiente. Todos estes trabalhos nos últimos anos de testes são sempre acompanhados das melhores cultivares atualmente no mercado, na forma de padrões de comparação, visando conferir qual o ganho que a nova cultivar está trazendo para os agricultores.
    Ao se aproximar das últimas etapas do desenvolvimento de novas cultivares, inicia-se um processo fundamental que é a produção do primeiro lote de sementes genéticas de altíssima pureza, o qual será destinado às primeiras multiplicações comerciais de cada nova cultivar.  



    A categoria de sementes genética é de responsabilidade direta dos programas de melhoramento, pois envolve a pureza genética de uma cultivar, e quem mais a conhece é o melhorista que a criou. O processo de produção dessas sementes envolve o cultivo de cada planta, espiga ou panícula individualmente, inspeção de campo, colheita e avaliação da pureza genética e da qualidade da semente de cada linha resultante, antes de se unir às linhas idênticas. O objetivo neste caso é a produção de semente de alta pureza genética, pois a partir dela é que se inicia o processo de produção das outras categorias, até chegar ao agricultor com a devida qualidade, o que vai demandar ainda mais dois ciclos de produção, das categorias básica e certificada (Tabela no texto). A categoria de semente básica, geralmente, também é realizada pela empresa criadora da cultivar em escala maior, para abastecer os produtores de sementes comerciais. 
    Como grande parte deste trabalho é realizado em campo similar às condições de uma lavoura de agricultor, toda a estrutura de máquinas, galpões, equipamentos agrícolas normais e também experimentais devem fazer parte desta estrutura. 
    A criação de uma nova cultivar competitiva pode levar mais de 12 anos, dependendo da espécie. No entanto, nem todas, mesmo tendo passado pelos mais rigorosos testes, agradam ao agricultor, muitas vezes por algum detalhe que para ele tenha uma importância particular, e acabam não tendo o sucesso necessário para proporcionar o retorno no investimento feito ao longo de vários anos. Outras cultivares, porém, vão agradar parte dos agricultores e serão adotadas parcialmente; e outras, ainda, poderão se tornar cultivares de larga adoção, vindo a se tornar as referências do mercado por vários anos. É difícil se prever o ciclo de vida de uma cultivar de soja, porém, a cada ano que passa, devido ao aumento de empresas e da oferta de novas cultivares ao mercado, este ciclo está diminuindo. Hoje, pode-se considerar razoável que uma cultivar normal, de aceitação mediana, permaneça no mercado por cinco anos aproximadamente. 

    Custo
    A criação e o desenvolvimento de uma nova cultivar, como pode ser visto, envolve várias etapas dispendiosas, que dão ideia do alto custo que envolve a criação de uma nova cultivar. Porém, este trabalho é fundamental para que o agricultor possa ter à sua disposição um fluxo contínuo de cultivares melhoradas de alta qualidade, as empresas produtoras de sementes possam produzir e comercializar produtos que sustentem seus negócios e as empresas de melhoramento vegetal possam obter um retorno pecuniário pelo sucesso de seu trabalho. A sociedade é a grande beneficiada deste círculo virtuoso, pelo suprimento de alimento e fibra em abundância, com qualidade e a um preço adequado. 
    Quando o equilíbrio se rompe, pelo fato de algum ator da cadeia de semente não reconhecer este trabalho de criação, podem ocorrer distorções, como desestímulo aos investimentos em pesquisa e, assim, não serem disponibilizados ao agricultor novos materiais superiores. Felizmente, no Brasil, este equilíbrio existe com o reconhecimento dos atores envolvidos neste processo. 
    Um exemplo clássico das vantagens do melhoramento para a sociedade e para o país foi o desenvolvimento, por pesquisadores brasileiros, de cultivares de soja tropicalizadas, avanço fundamental para o desbravamento da região dos Cerrados do Centro Oeste. Outro exemplo foi quando apareceu a doença do Cancro da haste da soja, que tanto afetou a cultura. Também foi com cultivares superiores (resistentes a doença) que se superou o problema. Atualmente, os programas de melhoramento vegetal de praticamente todas as empresas, estão trabalhando forte para criar e desenvolver cultivares de soja resistentes à ferrugem asiática. Esta doença requer controles químicos que consomem mais de dois bilhões de dólares por ano dos sojicultores. Esta cifra é um bom exemplo da importância das sementes de uma cultivar melhorada.

    Enfim, pela grande complexidade e alto custo desta tão nobre atividade, é necessário que se reconheçam as importantes contribuições que o fluxo continuado de investimentos em pesquisa proporciona para o crescimento e para a sustentabilidade do agronegócio do país e para a segurança alimentar da humanidade.
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