Nunca estaremos preparados. O que é bom

Edição XX | 06 - Nov . 2016

    No último ensaio do ano, abandono por um instante o foco exclusivo do agronegócio e ataco de filósofo. Uma abordagem rasa, talvez, mas garanto-lhes compreensível, e afianço também de que há esforço embutido na minha análise, superando a filosofia de botequim. Ademais, os artigos opinativos, como os deste espaço, me dão essa guarida. Adiante então.

    Como seres conscientes e racionais que somos, passamos a vida tentando nos preparar para tudo o que poderá vir – o que já não é tão racional assim, dado que a nossa vida é resultado de um emaranhado imprevisível. Desde a infância, queremos antever o futuro, como se pudéssemos prevê-lo e, mais do que isso, agir para que tomemos as decisões corretas ou mais adequadas, e assim, na essência, possamos ser felizes sempre. Ou, num determinado momento encontrar a felicidade, para aqueles que se entendem infelizes.

A nossa estação de chegada

    Aliás, só nisso já reside um aspecto fundamental para ser analisado: o que buscamos? Quando crianças, repetidamente nos é formulada essa pergunta, cujas respostas variam conforme a realidade, e, por consequência, o horizonte que cada um consegue enxergar naquele momento. Para alguns, pode ser apenas nunca mais passar fome, sede ou sofrer injustiças. Para outros, ser um estadista, um médico, um engenheiro agrônomo, um dentista, um empresário, ou algo que o valha e o diferencie como ser humano.

    Uns buscam apenas dignidade, outros, diferenciação. Mas todos procuram, de um jeito ou de outro, antever. Enxergar atrás do morro, como me disse um mineirinho numa ocasião, se referindo ao propósito de planejar. Contudo, no fundo, o que cada um de nós busca mesmo é o significado e sentido para uma palavrinha singela: felicidade. 

    Sem a menor cerimônia, tornamo-nos pretenciosos, mesmo sem perceber. Não nos contentamos em ser alegres. Vivemos uma angústia ad aeternum. Queremos ser felizes, o que é muito mais amplo, contínuo e difícil de alcançar. Mesmo assim, buscamos e perseguimos o intento como uma utopia permanente. O que é ótimo.

    Uma citação famosa e compartilhada à exaustão, de que “felicidade não é uma estação na qual chegaremos, mas sim uma forma de viajar”, atribuída a Margaret Lee Runbeck (1905-1956), conduz-nos a entender um pouco essa busca tresloucada do total e os inevitáveis ganhos em conta-gotas que obtemos na prática.

Eternos Insatisfeitos
    Por outro lado, parece interessante o fato de que é exatamente isso que faz de nós seres que avançam e evoluem com relativa rapidez. Nós e boa parte dos demais animais que nos cercam somos completamente diferentes do que éramos há apenas 500 anos. Essa nossa ânsia de nunca estarmos contentes e satisfeitos na plenitude, com o que temos (eternos insatisfeitos com o status quo) é que nos catapultou a espécie dominante, mesmo sem termos diferenciais primários de força, destreza ou agilidade capazes de sobrepor às demais espécies.
    Nessa linha, e colaborando com a lógica da falta de completude do ser humano,  o filósofo Edmund Husserl (1859-1938) já afirmava que “considerada em sua alma, a humanidade jamais foi e jamais será acabada”. O que de certo modo é um sopro de frescor e de inovação na nossa existência. Porque algo que não está acabado está em evolução.
    É verdade também que muitas vezes damos sinais de que a racionalidade apenas nos acompanha em determinados momentos. É evidente que alguns aspectos do nosso cotidiano dão mostras de que ainda não somos racionais na essência e por todo o sempre.
    Muitos de nós assumem como verdade absoluta aspectos da vida que não passam por um crivo simplório de ciência. Na essência, os seres humanos, mesmo os mais céticos, são crédulos. As religiões são apenas uma dessas irracionalidades que tentamos tornar racionais, principalmente quando confundimos religiosidade com espiritualidade. Basta um olhar atento e deixar a passionalidade um pouco de lado que, à sua volta e nas suas práticas, logo verá exemplos dessa realidade.
    Nunca estaremos preparados completamente, o que, porém e obviamente, não nos permite encontrar solução no fatalismo e no determinismo. Não fazer o que devemos fazer não é solução. Sabemos em boa medida o que devemos fazer para estarmos mais preparados e aproveitar melhor tudo o que a vida e o mundo têm a nos oferecer. Não são aspectos específicos que nos guiarão mais seguros, e sim genéricos como a própria adaptabilidade, reconhecidamente uma das grandes virtudes do ser humano.
    Logo, emerge a questão de quão adaptáveis e influenciadores ao/do nosso ambiente somos? Como afirma uma máxima da pedagogia: à medida que mais me preparo e sei as respostas, o mundo muda as circunstâncias e as perguntas. De pronto, temos uma lição simples e segura para isso: preciso então, ao invés de decorar as respostas, aprender a interpretar o mundo e as suas possíveis perguntas.

Ciência e Arte
    No aspecto organizacional, por exemplo, um conceito genérico abarca a ideia de que Administração é ciência e arte. De um lado, porque consiste num processo racional e técnico, capaz de ordenar o desenvolvimento das organizações, e de outro, a lógica intuitiva, do talento e da liderança, que arrasta as pessoas e estabelece missão e visão de futuro do empreendimento. Por consequência, é óbvio que se deve aceitar a ideia de que ambas, embora pareçam antagônicas, são na verdade complementares.
    O escultor e pintor francês Georges Braque (1882-1963) esculpiu uma frase interessante do seu anedotário, quando afirmou que “A arte é feita para perturbar. A ciência tranquiliza”. Ao que Georges Canguilhem (1904-1995) complementa, quando afirma que “Não existe nada na ciência que não tenha aparecido antes na consciência”. 
    Por isso, pensar, comparar, analisar são tão importantes quanto ter ferramentais e técnicas para fazer. Contudo, assim como na questão pessoal, na gestão organizacional algo ainda mais interessante e importante parece ser a consciência e a habilidade de tatear, monitorar e aprimorar o tempo inteiro, permitindo o alinhamento e adaptação no nosso direcionamento. Talvez assim sejamos, cada um a seu modo, felizes. Mesmo que às vezes nem soubermos disso.

É uma conquista
    Mas existe um aspecto central que diferencia cada um de nós: entender que a felicidade é, antes de tudo, uma conquista do ser humano e não uma mera questão de sorte. Por isso, depende da postura que adotamos na vida e da nossa capacidade de aprender com tudo o que nos ocorre  e o que fazemos para atingir os nossos objetivos. Ser feliz exige escolhas difíceis. Assim você vai definir o “seu” (e só seu) modo de viajar.
    Embora pareça genérico e raso, assim talvez possamos nos preparar melhor, conscientes de que não estaremos imunes, de que tudo, mais cedo ou mais tarde, é passível de mudança. É certo que se tudo estiver bem, em dado momento enfrentaremos mares revoltos, ou se tudo estiver mal, a calmaria também chegará. Experimentaremos sustos, conquistas, alegrias e tristezas. Mas esperançosos de termos sempre mais momentos de felicidade. Quando a desesperança se instalar, a infelicidade terá vencido.
    A verdade inexorável parece ser a de que jamais conseguiremos nos preparar para o que virá, nem, tampouco, tudo o que fizermos será garantia de felicidade e acerto. Mas é exatamente nessa impossibilidade que reside a beleza e o encanto da vida. O imponderável poderá acontecer a qualquer momento. Para o bem ou para o mal. Devemos saber disso. Que podemos e devemos escolher. Esse é o melhor preparo.

Até a próxima.
Compartilhar