Um Schettino na Empresa

Edição XVI | 02 - Mar . 2012

    Existe um adágio muito popular no sul do Brasil que nos remete à origem deste artigo, dando uma mostra simples do que representa a liderança em cenários de turbulência ou de extrema pressão. Segundo o dito, “é no aperto que se conhece o homem” ou, de outro modo, é sob estresse que a essência do ser humano se desnuda.

    O infortúnio pelo qual passaram os passageiros e tripulantes do Costa Concordia e a desastrada atuação do Capitão Schettino não devem servir apenas para reordenar as regras de segurança desse tipo de navegação, mas principalmente para refletir profundamente sobre um aspecto bem mais mundano do que o dos cruzeiros marítimos de alto luxo: o exercício da liderança nas organizações.

    Fazendo um paralelo, sem discutir a possibilidade ou não de dolo do capitão, muitas lições no campo da gestão podem ser extraídas desse acidente, mas é sob o guarda-chuva da liderança que surgem os principais ensinamentos. Praticados de modo subliminar naquele caso, devem ser soerguidos para evidenciar práticas a serem evitadas ou eliminadas e virtudes que necessitam de cultivo reiterado e constante.

    Nunca se exibir

    A primeira é a de que um líder não pode ficar demonstrando suas habilidades sem necessidade, na tentativa de se exibir para impressionar alguém. Pela posição que ocupa, possui exibição natural e até necessária frente à sua equipe, dado que ele normalmente já acaba ficando em evidência. Desse modo, não há motivo que justifique qualquer prática no sentido de se destacar ainda mais, uma vez que esse destaque é inerente à sua condição.

    A atitude do Capitão em questão, de tentar impressionar uma das moças que frequentavam o navio, através da demonstração de habilidade no manejo da embarcação, é uma manifestação evidente da falta de duas competências essenciais num gestor que se posiciona como líder: a cautela e a vigilância permanentes.

    A um líder, que embora possa e até deva agir com emoção, é no mínimo temeroso deixar governar suas ações por ela. É necessário equilíbrio natural entre razão e emoção, sob o risco de haver um destempero, momento em que a soberba aparece.

    A liderança é uma opção, uma escolha pessoal. Ninguém assume a liderança de um grupo ou de uma empresa sem que aceite tal condição. E é importante que se diga que sempre existe uma escolha a ser feita, mas independente de qual seja a decisão, há consequências que precisam ser assumidas. Uma delas é estar ciente de que ao assumir a condição de líder, este profissional passa a ser visado e esperam-se comportamentos naturais dessa posição.

    

    Imprudência e resiliência

    O exibicionismo já é uma imprudência em si, mas tenho para mim que uma das principais ferramentas que um líder precisa dominar, e acima de tudo gostar de usar, é o planejamento. Ao mudar de rota, embora momentaneamente, desobedecendo ao roteiro previamente estabelecido, deu mostras de que cumprir a programação não lhe parece relevante. Uma imprudência fatal.

    Na gestão organizacional ainda é comum os líderes cobrarem de seus liderados fidelidade canina ao planejamento e aos objetivos da empresa, mas frequentemente tornam-se voláteis nos seus posicionamentos quando às circunstâncias lhes convêm, denotando a falta de resiliência nas suas convicções e principalmente ações. Líderes que apresentam frequentemente esse tipo de comportamento acabam emprestando níveis de insegurança elevados às suas equipes.


    Responsabilidade não se delega 

    É óbvio que um gestor não é capaz de acompanhar fisicamente todas as atividades e procedimentos que sua equipe desenvolve e por isso existe uma distância razoável entre gerenciar e liderar. O primeiro é praticamente impossível de se realizar em organizações cuja complexidade e tamanho passem do médio; o segundo está umbilicalmente vinculado aos resultados esperados. Por isso, a recomendação de que os gestores parem de apenas gerenciar e passem principalmente a liderar é uma verdade inconteste.

    O líder é guindado à condição e recebe proventos equivalentes, exatamente para liderar e não para desempenhar funções operacionais, embora deva ser capaz de realizá-las, mas principalmente deve ter capacidade de entender e demandar de seus liderados as práticas disponíveis e os resultados esperados em cada fase ou tarefa.

    Esta talvez seja a lição fundamental que pudemos observar e a principal demonstração de incapacidade e imperícia do capitão do Concordia, principalmente na evacuação do navio. Como dito na introdução deste ensaio, é nos momentos de pressão que se evidenciam as efetivas características das pessoas, principalmente dos líderes.

    Um gestor, ao assumir a sua condição de líder, não pode delegar a terceiros as responsabilidades sobre os resultados gerais, embora necessite deles para que os resultados intermediários sejam alcançados a contento ou dentro das expectativas. Ter a visão estratégica, sistêmica e integrada é um privilégio dos líderes, mas que lhes cobra responsabilidades proporcionais.

    Neste aspecto, para cumprir com as suas responsabilidades devem ficar mais evidentes as ferramentas de monitoramento e acompanhamento das atividades dos seus liderados. Assim, como poderia um capitão ausentar-se do navio no exato momento em que mais se necessitava dele para comandar, dirigir e corrigir atitudes e posicionamentos de seus liderados?

    A estratégia desastrada de se colocar em fuga e, uma vez a salvo, procurar dirigir à distância as ações de salvamento ou resgate são inócuas e obviamente revelam-se fatais em qualquer situação, seja um navio afundando ou uma empresa com problemas operacionais ou de solvência.

    Uma prática sempre útil para buscar atender esta necessidade dualística da liderança de entender os rumos da organização diante dos cenários, com uma visão estratégica aguçada, e ao mesmo tempo acompanhar as atividades operacionais, é se alternar entre ambas.

    É facilmente compreensível, dado que um dos principais atributos do líder é a visão periférica. Contudo, como ele é o responsável indireto pelas práticas de sua equipe, é necessário que acompanhe essas atividades ou tenha mecanismos de checagem, mesmo que por amostragem. Ao fazê-lo, momentaneamente reduz sua visão periférica e consequentemente a visão estratégica, mas que deve ser rapidamente recuperada quando se afasta do operacional e reúne novamente a amplitude da situação.

    Por isso, na prática, recomenda-se que os líderes pratiquem o bom e velho TTC (tirar o trazeiro da cadeira) em pelo menos metade do seu tempo e que dediquem o restante para analisar sistemicamente as práticas e os resultados do conjunto.


    Reação tardia

    Essa prática de não se afastar do foco e ter os resultados da equipe sob seu conhecimento, assumindo as responsabilidades confiadas e alternando operacional e estratégico, provavelmente teria dado mais rapidez também nas reações logo após o impacto e a fratura do casco.

    Em casos de excepcional gravidade, as empresas requerem tomadas de decisão rápidas, cujas ações devem estar ensaiadas ou ser obedecidas sem grandes questionamentos, embora a direção, normalmente, seja mais importante que a velocidade.

    Tudo indica que o capitão Schettino tenha necessitado de muito tempo para entender a real situação e principalmente acreditar que ela era caótica. Assim, a reação foi tardia, demorando tempo demasiadamente grande para evacuar o navio.

    Embora se imagine difícil traçar um paralelo de vida ou morte numa situação empresarial, basta considerar o anúncio da entrada de um grande concorrente na sua região. Caso o empresário não tenha clareza das informações de cenário e do seu negócio, quando buscar alternativas poderá ser tarde para uma reação capaz de neutralizar o efeito sobre o seu negócio.


    Guindados a líderes

    Por fim, momentos como estes são convenientes para profissionais que, embora ainda não ocupem posições de liderança, já reúnem boa parte das habilidades e competências necessárias e nunca tiveram oportunidade de demonstrá-las.

    Nas empresas não é diferente. Grandes oportunidades surgem diariamente, mas apenas aqueles preparados ou que estejam dispostos a dar um passo adiante para aproveitá-las, assumindo os riscos e responsabilidades, são capazes de fazê-lo. Os demais mantêm-se no anonimato.


    Até a próxima.

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