As Sementes no Contexto das Inovações Tecnológicas

Edição XVI | 02 - Mar . 2012
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    Os avanços em ciência e tecnologia na área agrícola têm sido grandes e de forma acelerada, levando a crer que esta tendência se mantenha, considerando a evolução do conhecimento.

    Vamos concentrar nossa discussão nos avanços em sementes decorrentes da adoção das culturas biotecnológicas, como as sojas RR, RR2 Bt e a Cultivance, o milho Bt e piramidado, o algodão Bolgard e o Feijão GM no Brasil, e do tratamento industrial com produtos para melhorar o desempenho das sementes.  

    Qualidade Fisiológica

    Até poucos anos, os melhoristas não se preocupavam com a qualidade fisiológica das sementes; inclusive, cultivares com características de sementes com baixo potencial de armazenamento ajudavam a combater a pirataria de sementes. Um bom exemplo de cultivar difícil de produzir sementes foi a CD 202, sendo que toda semente produzida desta cultivar era vendida, pois o agricultor tinha dificuldades de produzi-la. Atualmente, os programas de melhoramento possuem um profissional especializado para a identificação de genótipos com qualidade de sementes superiores que possa ser herdado.

    Esta tendência na busca de materiais com qualidade de sementes superiores se justifica pela profissionalização do setor, tanto do produtor de sementes como do agricultor. Ter um material que seja fácil de produzir sementes de alta qualidade torna a tarefa de planejar a produção mais fácil, pois os descartes serão menores e a janela de produção maior, onde a semente terá alguma resistência contra as adversidades do processo de produção. Por outro lado, o agricultor está se conscientizando de que guardar sua própria semente acarreta vários inconvenientes, que vão desde a produção em si, os processos de pós-colheita, a avaliação da qualidade, a padronização e o tratamento das sementes.

    Algo que veio praticamente junto com as inovações tecnológicas foi a percepção do agricultor de que uma planta proveniente de semente de alto vigor produz mais do que uma planta proveniente de uma semente de baixo vigor. Neste sentido, já há empresas que oferecem lotes de sementes de soja com germinação mínima de 90%. Com este percentual de germinação há alta probabilidade de que o lote também tenha vigor alto. 

    Ainda falando de vigor, salienta-se que não adianta compensar no peso lotes de baixa qualidade, pois 100 kg de um lote com 90% de germinação não é igual a 200 kg de um lote com 45% de germinação. Os lotes de sementes podem até apresentar o mesmo percentual de emergência no campo; entretanto, haverá problemas na distribuição das plantas na linha de semeadura. No lote com menor germinação, como também apresenta menor homogeneidade, terá uma distribuição de plantas no campo desuniforme, haverá espaços sem plantas, enquanto em outros locais haverá uma aglomeração de plantas. As plantas na bordadura de uma falha produzem mais, entretanto será menor do que se tivesse uma distribuição normal. Isto é fácil de constatar.

    Os atributos fisiológicos das sementes, que se transmitem por herança, são vários, e muitos ainda estão por serem identificados. Para soja, os mais comuns são a resistência à danificação mecânica e à deterioração de campo, que no ano passado (2011) teve sua importância evidenciada pela germinação na vagem de sementes de soja. A identificação de genótipos de soja com sementes duras (não embebem água), com certeza, ajudará a minimizar a deterioração de campo em sementes de soja.


    A Produção de Sementes 

    As inovações tecnológicas, advindas da biotecnologia, fizeram com que os processos de produção se tornassem mais criteriosos, tanto em termos qualitativos como quantitativos. 

    Em termos qualitativos, pode-se exemplificar pela necessidade de manter isolados os materiais convencionais, biotecnológicos e os orgânicos, o que requer um adequado processo de controle de qualidade, para evitar misturas varietais e contaminações genéticas.

    O desempenho de uma cultivar e/ou híbrido é função de sua carga genética e do ambiente. Assim, considerando que há vários ambientes, as empresas especializadas procuram ter sementes de cultivares que atendam às mais diversas situações, para melhor atender o agricultor. É comum uma empresa de sementes possuir em seu portfólio mais de 20 materiais, o que requer cuidados especiais de produção e de beneficiamento.

    No Brasil, como há regiões que permitem dois ou mais cultivos por ano, as empresas de sementes, para atender este mercado, também possuem materiais de ciclo curto, médio e longo, o que aumenta a complexidade do processo de produção de sementes.

    Por outro lado, as mudanças quantitativas ocasionadas pelos materiais geneticamente modificados (GM), podem ser exemplificadas pela necessidade de se obter uma alta taxa de multiplicação de semente, ou seja de maximizar a produção de cada semente colocada no solo. Como os materiais GM em geral são patenteados, o produtor de sementes paga uma taxa tecnológica (TT) para poder produzir sua semente. Assim, quanto mais sementes se produzir por kg semeado, maior será seu benefício. Para isso, utilizam-se avançadas técnicas de produção e tecnologia de pós-colheita, como por exemplo, controle de insetos, época e método de colheita das sementes, limpeza e classificação das sementes, armazenamento a frio e minimização dos danos mecânicos.    

    Os avanços tecnológicos são constantes, repercutindo na liberação comercial de materiais cada vez mais produtivos, e tornando a “vida” das cultivares também cada vez mais curta. Isso faz com que as empresas de sementes tenham que recuperar o investimento realizado na criação e desenvolvimento de uma nova cultivar em poucos anos.  Assim, para que o preço das sementes não seja alto, as empresas procuram recuperar o investimento através da quantidade de sementes. Esse processo requer o envolvimento de profissionais altamente qualificados, para produzir com eficiência e eficácia.

    Outro aspecto da produção de sementes de nossos dias é a necessidade de se obter grandes quantidades de sementes em curto espaço de tempo, o que requer que os cultivos sejam realizados duas a três vezes por ano. Felizmente, no Brasil, há regiões que permitem este processo; entretanto, logísticas e tecnologias especiais de produção e transporte devem ser providenciadas.   


    Com o advento dos materiais GM e a necessidade de segregação dos materiais, houve necessidade de se estabelecer alguns parâmetros de qualidade. Entre eles estão as sementes adventícias, que constituem a presença de sementes de cultivares GM em lotes de sementes convencionais.  No caso de contaminação de material GM não registrado no país, estas sementes recebem o nome de baixo nível de presença de material GM (isto já ocorreu no Brasil com sementes de algodão). 

    O limite para sementes adventícias situa-se ao redor de 1%; entretanto, para algumas espécies e situações, os limites ainda estão por serem estabelecidos, como em materiais piramidados, em que a tendência é o limite ser por evento. Outra situação a ser resolvida relaciona-se aos híbridos, que em F2 segregam os eventos piramidados, que também pode ser equacionados, caso o limite de tolerância seja por evento.


    Tratamento Industrial 

    O tratamento das sementes no Brasil é uma realidade e o agricultor reconhece os benefícios de uma semente tratada. O tratamento das sementes pode envolver fungicida, inseticida, nematicida, micronutrientes e macronutrientes, hormônios e film coating, entre outros materiais.

    Detalhando os produtos, foi constatado que o tratamento das sementes com fungicida no Brasil alcança mais de 90% para as culturas da soja, milho, algodão, sorgo e trigo, e mais de 50% para as sementes de arroz. Por outro lado, no tratamento com outros materiais, o percentual de utilização não é tão alto: com inseticida chega ao redor de 70% para milho e 60% para soja, atingindo um percentual mais baixo para as outras culturas. 

    O tratamento das sementes pode ser realizado em vários locais, como na empresa de sementes, na revenda das sementes ou na fazenda do agricultor que irá utilizá-las. Considerando que o tratamento envolve dosagem de produto, mistura de produto, equipamento, revestimento da semente, segurança dos trabalhadores, entre outros aspectos, há possibilidade de que o processo de tratamento das sementes seja ineficiente. Neste sentido, muitas empresas buscaram a alternativa de fornecer ao agricultor uma semente já tratada, o que o tratamento industrial das sementes, realizado nas dependências da própria empresa.

    Para acelerar e capacitar o pessoal encarregado do processo de tratamento das sementes, foram criados no país dois moderníssimos centros de tratamento de sementes e um outro, em adiantado estado de planejamento. Estes centros servem para capacitação e demonstração sobre o que de mais moderno há em termos de equipamentos, produtos e avaliação da qualidade, como liberação de pó, uniformidade de semeadura e qualidade de revestimento.

    O tratamento industrial para sementes de milho já é prática comum há décadas; entretanto, para sementes de soja, é recente, sendo que no ano de 2011 somente ao redor de 20% das sementes foram tratadas na unidade de beneficiamento das sementes (UBS). Para o ano de 2012, estima-se que este percentual alcance mais de 30%, em função dos equipamentos que estão sendo adquiridos pelas empresas de sementes e o nível de capacitação dos trabalhadores. Para sementes de algodão, o percentual do tratamento industrial alcança mais de 50%. 


    O tratamento industrial de sementes realmente alterou os processos de produção e controle de qualidade adotados pelas empresas, pois uma semente tratada que não for vendida deve ser descartada, inclusive, para grão. Felizmente, há tecnologia e profissionais capacitados para produzir, manter e avaliar a qualidade das sementes, minimizando os inconvenientes.   


    O Manuseio das Sementes

    Inegavelmente, os materiais GM e o tratamento de sementes alteraram os processos de manuseio das sementes. A seguir vamos comentar sobre alguns deles.

    Secagem – Como há necessidade de se obter grandes quantidades de sementes de alta qualidade, a colheita deve ser realizada assim que possível, para evitar a deterioração de campo. Isto faz com que as sementes sejam colhidas com alta umidade, requerendo a secagem. Atualmente, para sementes de soja, as UBS’s estão sendo planejadas para secar até 60-70% da produção. Para sementes de milho, praticamente 100% da produção é seca; inclusive, a colheita é realizada em espiga, para que as sementes possam ser retiradas do campo próximo ao seu ponto de maturidade fisiológica (máxima qualidade). 

    Classificação – Sabe-se que, dentro de certos limites – no caso de soja é 0,8mm ao redor da média da largura da semente –, o tamanho não tem efeito na qualidade das sementes. Isso também é válido para outras espécies, porém com outros valores. Mesmo assim, a classificação das sementes é importante para os processos de semeadura e de tratamento.

    A semeadura é normalmente estabelecida por número de sementes por metro linear. Assim, quanto mais uniforme suas sementes estiverem, melhor será esse processo. Neste sentido, inclusive, no caso do milho e agora também da soja, no Brasil, a comercialização se dá por número de sementes por embalagem, além do peso. 

    A superfície a ser revestida em uma semente grande é diferente do que numa semente pequena. Assim, a classificação das sementes para o tratamento industrial é altamente recomendada. 

    A classificação das sementes de milho e soja no Brasil é de praticamente 100%, requerendo das empresas de sementes o manuseio em separado de cada tamanho de sementes.

   Esfriamento dinâmico – A necessidade da manutenção da qualidade fisiológica das sementes é essencial e ainda mais para sementes tratadas, que, caso não sejam comercializadas, devem ser descartadas, inclusive para grãos. Neste sentido, o esfriamento dinâmico das sementes (a granel) é uma tecnologia que veio para ficar. O esfriamento das sementes para temperatura inferior a 15°C minimiza o processo de deterioração das sementes.  Para cada 5,5°C que se reduz a temperatura das sementes, duplica-se o seu potencial de armazenamento.

    Após várias tentativas frustradas, identificou-se que o melhor momento para o esfriamento das sementes é logo antes do ensaque. Conforme as sementes passam pelo processo de esfriamento, vão sendo ensacadas.

   Logística do ensaque - O negócio de sementes envolve vários aspectos, podendo ocorrer mudanças rápidas na preferência dos agricultores por alguns cultivares e, considerando ainda que as sementes são organismos vivos, que podem perder sua qualidade durante o armazenamento, as empresas de sementes costumam tratar apenas parte da produção, deixando da outra parte para realizar o tratamento em período mais próximo da semeadura, momento que terá informações mais precisas da comercialização e da qualidade das sementes.

    Desta maneira, deve-se prever na UBS um espaço para as sementes limpas e classificadas que serão tratadas mais tarde. Em geral, estas sementes são armazenadas em embalagens especiais (sacolões e caixas plásticas).


    – O manuseio faz com que o pó aderido às sementes se solte, formando muitas vezes uma nuvem na UBS. Neste sentido, considerando que este pó afeta a qualidade do tratamento de sementes, é altamente recomendável a adoção de um mecanismo para sua remoção da UBS (sistema de exaustão). Vários são os locais que podem liberar o pó das sementes, como depósitos e cabeça de elevador.

    Misturas varietais – A UBS é um local onde podem ocorrer misturas varietais com certa facilidade, caso não se adote práticas para seu controle, como limpeza das máquinas e equipamentos. Há equipamentos que são mais fáceis de limpar que outros, e esses devem ser os preferidos. É má gestão perder lotes de sementes por mistura varietal em UBS, pois isso depende do homem.

    Elevadores e moegas de recepção são locais que requerem atenção especial para evitar misturas varietais. 

    Com o advento dos materiais GM, os procedimentos para evitar as misturas varietais tornaram-se ainda mais importantes, principalmente sementes GM no meio de lotes de materiais convencionais ou orgânicos.



    "Nos últimos anos, os avanços tecnológicos foram muitos e de forma acelerada, acarretando mudanças drásticas no papel das sementes. Os materiais GM e o tratamento industrial das sementes fizeram com que houvesse necessidade de se produzir rapidamente grandes quantidades de sementes de alta qualidade das variedades melhoradas, com adoção de práticas para assegurar a qualidade dos processos. Práticas de produção de campo e de tecnologia de pós-colheita foram criadas e desenvolvidas para atender as necessidades das sementes. Felizmente, o Brasil possui profissionais capacitados para atender este tipo de demanda qualificada."


    Resumo da palestra proferida pelo autor na Cooperativa Castrolanda 

Compartilhar