O conceito de qualidade de sementes pode ser enfocado abordando os seus componentes principais, quais sejam: qualidade fisiológica, qualidade genética, qualidade sanitária, e qualidade física. Porém, a qualidade de sementes é, na realidade, uma interação de seus componentes, que, em conjunto determinam os seus atributos. Assim, é impossível dizer que um determinado lote de sementes apresenta bons padrões de qualidade, quando suas qualidades fisiológica, sanitária e física são excelentes, mas apresenta-se contaminado com sementes de espécies nocivas proibidas ou mesmo com elevado índice de mistura varietal. Esse lote não está dentro dos padrões mínimos de qualidade para sua comercialização.
Com isso em mente, a presente resenha abrangerá a evolução dos diversos atributos de qualidade de sementes no Brasil, principalmente nos últimos 35 a 40 anos. Nesse período, a qualidade de sementes de diversas espécies evoluiu extraordinariamente. Sem dúvida, isso é fruto da utilização pelo setor produtivo das técnicas de produção e análise de sementes, desenvolvidas pelas pesquisas pública e privada. Isso tudo associado à legislação brasileira, que contempla diversos aspectos específicos sobre a produção, análise e comercialização de sementes com padrões de qualidade.
Alguns exemplos denotam claramente essa marcante evolução. Nos anos 1970, quando se falava em controle de qualidade em pré-colheita, pensava-se apenas nas inspeções para determinar as condições de padrões de campo, principalmente no que tange à ocorrência de possíveis misturas varietais ou para a realização do teste de umidade das sementes, para determinar se as mesmas já estavam no ponto de colheita.
Segundo reportagem publicada no Suplemento Agrícola do Estado de São Paulo (Nº 880, de 09 de abril de 1972), técnicas “avançadas” de produção de soja recomendavam o uso de densidades de semeadura de até 750 mil sementes por ha, o que equivaleria a cerca de até 130 kg/ha de sementes de cultivares como, por exemplo, Hardee, Viçoja, Davis, Santa Rosa ou Bragg, que, na época, eram as mais modernas e produtivas. Isso resultava numa população de 400 a 500 mil plantas por ha, que era a ideal para a época, uma vez que as referidas cultivares em população mais reduzida resultariam em plantas mais baixas, com caules engrossados e com as vagens próximas ao solo, o que dificultava a colheita. Hoje, as cultivares modernas demandam populações menores, de até 180 mil plantas por ha, o que requer com uma média de 60 kg de sementes por ha, lembrando que essa quantidade poderá ser de até 35 kg, no caso da utilização de sementes menores.
Outro fator que contribuía para a utilização dessa elevada densidade de semeadura era a precária qualidade das sementes disponíveis no mercado, pois as mesmas, segundo o mesmo relato, “não germinavam bem e não correspondiam quanto às variedades, mesmo quando certificadas”. Vale lembrar que na época a qualidade fisiológica das sementes era avaliada apenas pelo teste de germinação, realizado em “rolos de pano”, e os valores obtidos raramente eram acima dos 80%. As sementes se deterioravam rapidamente durante a armazenagem, uma vez que o grau de umidade “considerado ideal” na época era de 14%.
Lendo esses breves relatos, pode-se verificar o quanto as técnicas de produção e análise de sementes evoluíram, o que permite, hoje, a produção de sementes de qualidade muito superior às de 40 anos atrás.
O agronegócio brasileiro evoluiu significativamente nesse período. Segundo a Conab, na safra 1976/77 o Brasil produziu pouco mais de 58,1 milhões de toneladas de grãos das 14 principais culturas, produzidas em cerca de 37,3 milhões de ha, com uma produtividade média de apenas 1.267 kg/ha de grãos. Na safra 2014/15, produziram-se 206,3 milhões de toneladas, ou seja, um aumento de 255% em comparação àquela safra, numa área de 57,5 milhões de ha, apenas 54% maior, e com uma produtividade média de 3.587 kg.ha-1 (183% maior). Nesse período, as produtividades das principais culturas aumentaram significativamente: soja, passou de 1.700 para 3.016 kg/ha; milho de verão, de 1.680 para 4.995 kg/ha; trigo, de 879 para 2.852 kg/ha; arroz, de 1.489 para 5.453 kg/ha. Esses aumentos deveram-se à utilização de cultivares melhoradas e de técnicas aprimoradas de produção. Dentre essas técnicas, destaca-se o uso de sementes de qualidade superior.
A evolução da qualidade das sementes ocorreu em virtude de diversos fatores: do desenvolvimento e adoção de novas e aprimoradas técnicas de produção, específicas para cada espécie; na área de controle de qualidade, com a adoção, desenvolvimento e aprimoramento dos testes de qualidade, tanto para germinação, vigor, viabilidade, e caracterização varietal, além da implantação do sistema de gestão da qualidade (ISO 17025 e o 9001); e na área legal, com a implementação de novas legislações, padrões de campo e de laboratório, incluindo a lei de proteção de cultivares, a lei de sementes e a instituição do RENASEM – Registro Nacional de Sementes e Mudas pelo MAPA. A ABRASEM teve papel fundamental na agregação dos produtores de sementes com os setores de pesquisa e os de articulação legal.
Evolução da Qualidade: Sementes de Grandes Culturas
No caso da soja, diversas tecnologias foram implantadas, visando melhorar a qualidade das sementes produzidas: zoneamento ecológico para a produção de sementes; uso de época de semeadura específica para produção de sementes; antecipação da colheita, com 17% a 19% de umidade; melhoramento genético, pelo lançamento de novas variedades que, além de produtivas, apresentam melhores qualidades fisiológica e física da semente; aplicação de fungicidas foliares para o controle das doenças de final de ciclo e da ferrugem asiática; melhor correção nutricional da lavoura; melhor controle de percevejos e outras pragas; colheita com menos danos mecânicos e menores perdas; colheita em época adequada sem o retardamento; melhores secadores, com novas técnicas de secagem; equipamentos melhorados e específicos para o beneficiamento das sementes; classificação por tamanho das sementes (até recentemente o Brasil era o único país no mundo que usava essa tecnologia); determinação do grau de umidade ideal para a armazenagem; determinação das melhores condições de armazenagem; armazenamento refrigerado; esfriamento dinâmico das sementes; técnicas melhoradas para o transporte rodoviário das sementes; melhores técnicas para a semeadura; tratamento das sementes com fungicidas, inseticidas, polímeros, corantes, micronutrientes e inoculantes. Estima-se que 95% das sementes de soja são tratadas com fungicidas e que cerca de 40% das mesmas já estejam sendo comercializadas com o Tratamento de Industrial de Sementes (TIS).
Fig1: Dano mecânico, Fig2: Dano mecânico, Fig3: Tetrazólio
Avanços importantes foram obtidos com os diversos estudos envolvendo a produção de sementes de soja esverdeadas, bem como em relação ao manejo e remoção das mesmas de lotes de sementes. Nesse sentido, estudos recentes referentes à utilização de fluorescência de clorofila em sementes têm se mostrado promissores no processamento de sementes, visando à separação dessas sementes de lotes comerciais.
Em relação ao controle de qualidade da semente de soja, destacam-se os seguintes aspectos: controle de qualidade em pré-colheita: uso do teste de tetrazólio; controle de qualidade na colheita com os testes do hipoclorito de sódio e do copo medidor de sementes partidas; adoção do controle de qualidade durante os processos de secagem e de beneficiamento; controle de qualidade mais aprimorado durante a armazenagem; adoção de novos testes de vigor, como o tetrazólio, envelhecimento acelerado, deterioração controlada, condutividade elétrica, comprimento de plântula, classificação de vigor de plântulas, emergência de plântulas em canteiro; desenvolvimento pela Embrapa Soja do DIACOM-Diagnóstico Completo da Qualidade da Semente de Soja; treinamentos em técnicas de análise em laboratório envolvendo os mais diversos testes como o de tetrazólio, patologia de sementes, vigor, pureza física e varietal; adoção do teste de peroxidase; uso de parcelas de controle pós-colheita; desenvolvimento de técnicas moleculares para a caracterização de cultivares por isoenzimas e DNA; implementação do sistema de gestão da qualidade.
Especificamente sobre o teste de tetrazólio, destaca-se o desenvolvimento da sua metodologia alternativa, que reduz o tempo de execução do mesmo, assim como o uso das subclasses, que possibilita a maior precisão da interpretação de seus resultados. Além desses avanços, recentemente têm sido disponibilizados no mercado sistemas de avaliação do vigor de plântulas, mediante o uso de análise computadorizada de imagens, que propicia a avaliação de maneira mais rápida e precisa.
Como fruto desses desenvolvimentos, alguns produtores de sementes hoje disponibilizam no mercado sementes de soja com qualidade diferenciada, que têm garantido maiores índices de vigor e de germinação. Nesse contexto, a partir da safra 2015/16, o estado do Mato Grosso aumentou oficialmente o padrão mínimo de comercialização de sementes de 80% para 85%.
Especificamente para o milho, as inovações tecnológicas têm propiciado a produção de sementes com qualidade superior. Na área de mecanização, ocorreram evoluções importantes, principalmente no que se refere ao despendoamento, que pode ser realizado mecanicamente, com equipamentos apropriados para o corte dos pendões, ou otimizando essa operação quando realizada manualmente, utilizando-se máquinas com plataformas específicas. A realização da colheita das sementes em espigas proporciona ganhos significativos de qualidade, uma vez que as mesmas são coletadas do campo mais cedo, com as sementes no ponto de maturidade fisiológica, reduzindo o período de exposição às condições climáticas desfavoráveis. Os programas de capacitação para o pessoal envolvido com as várias etapas da produção, aliados ao desenvolvimento de equipamentos e de tecnologias apropriadas, como o despalhamento, secagem das espigas e beneficiamento, com adoção, por exemplo, de classificadores com peneiras cilíndricas, têm proporcionado resultados significativos, como maior precisão na classificação das sementes por tamanho, facilitando a semeadura e o estabelecimento de adequada população de plantas, um dos principais fatores que interferem diretamente na produção.
O uso de embalagens com número de sementes padronizado (60.000 sementes) tem favorecido a comercialização e a implantação das lavouras. Além disso, outras técnicas têm resultado na produção de sementes de alta qualidade: o armazenamento de sementes em ambientes climatizados; o tratamento comercial das sementes com fungicidas e inseticidas e a adoção de um sistema de controle de qualidade aprimorado, com o uso do teste de frio e de tetrazólio para a avaliação da viabilidade e do vigor das sementes.
Testes e equipamentos utilizados na avaliação da qualidade das sementes
A semente de algodão, devido à presença do línter, constitui-se num importante veículo de disseminação de patógenos, que pode comprometer o sucesso da cultura. Hoje, com a prática do deslintamento, que consiste em retirar as fibras curtas aderidas ao seu tegumento, verificou-se melhoria significativa na qualidade das sementes utilizadas, além de propiciar melhores índices de plantabilidade. Essa técnica resultou em uma das maiores revoluções experimentadas pelo agronegócio brasileiro, pois permitiu que a cotonicultura se expandisse para os estados do Mato Grosso e Bahia, em áreas extensas, com novas e melhores variedades. Em apenas uma década, o Brasil passou de importador a quinto maior exportador de fibra de algodão. Nessa década, variedades transgênicas que proporcionam tolerância a herbicidas e resistência a insetos colocaram o Brasil como expoente da cotonicultura mundial em termos de qualidade e produtividade de fibra.
Além disso, o tratamento químico das sementes de algodão com fungicidas e inseticidas antes do armazenamento tem propiciado melhoras na qualidade das sementes. A colheita mecânica, embora provoque danos mecânicos às sementes, devido ao acompanhamento mais aprimorado no controle de qualidade realizado pelos produtores de sementes, tem resultado em sementes de qualidade. Em relação ao controle de qualidade, novos testes de vigor, como o de tetrazólio, condutividade elétrica e de frio, têm sido implementados para essa cultura.
A cultura do feijão tem enfrentado sérios problemas, principalmente no que se refere ao mofo branco, causado por Sclerotinia sclerotiorum. Diversos estudos recentes demonstraram que o tratamento das sementes com fungicidas específicos, associados com o cultivo sobre palhada têm propiciado bom controle da enfermidade. Em relação ao controle de qualidade, bons resultados têm sido alcançados com o uso dos testes de envelhecimento acelerado, condutividade elétrica e de deterioração controlada para a determinação do vigor das sementes. Nesse sentido, o teste de tetrazólio foi também aperfeiçoado para sementes dessa espécie, com excelentes resultados.
Evolução da Qualidade: Sementes de Olerícolas
O mercado de hortaliças está sempre em constante mudança, sendo que a cada ano novas cultivares, notadamente híbridos, têm sido colocadas à disposição dos produtores e consumidores. Não só a qualidade genética tem merecido a atenção por parte das empresas, mas também os outros atributos, como qualidade fisiológica e sanitária das sementes. Tem-se, assim, observado avanços na qualidade das sementes, com a melhoria do desempenho em campo ou no viveiro, destacando-se tratamentos que permitam um melhor controle de microrganismos, uma melhor plantabilidade e, finalmente, uma melhor emergência de plântulas. Dentre esses avanços, pode-se destacar: o condicionamento fisiológico ou “priming”, que propicia uma maior uniformidade e velocidade de germinação; técnicas de peliculização, recobrimento e de peletização, resultando na uniformização do tamanho das sementes; tratamento de sementes com fungicidas, inseticidas e reguladores de crescimento; embalagens herméticas.
O mercado de hortaliças está sempre em constante mudança, sendo que a cada ano novas cultivares, notadamente híbridos, têm sido colocadas à disposição dos produtores e consumidores. Não só a qualidade genética tem merecido a atenção por parte das empresas, mas também os outros atributos, como qualidade fisiológica e sanitária das sementes. Tem-se, assim, observado avanços na qualidade das sementes, com a melhoria do desempenho em campo ou no viveiro, destacando-se tratamentos que permitam um melhor controle de microrganismos, uma melhor plantabilidade e, finalmente, uma melhor emergência de plântulas. Dentre esses avanços, pode-se destacar: o condicionamento fisiológico ou “priming”, que propicia uma maior uniformidade e velocidade de germinação; técnicas de peliculização, recobrimento e de peletização, resultando na uniformização do tamanho das sementes; tratamento de sementes com fungicidas, inseticidas e reguladores de crescimento; embalagens herméticas.
Fig1: Colhedora, Fig2: Sistema de trilha