O besouro da batata do Colorado (Colorado potato beetle) é uma praga importante nos Estados Unidos, mas que já se espalhou por muitas partes do mundo, causando sérios prejuízos financeiros aos agricultores. Essa praga foi um dos primeiros incentivadores da pesquisa em pesticidas químicos na década de 1930 e, desde então, vem desenvolvendo resistência a todos os princípios ativos disponíveis.
No entanto, a partir deste ano, os produtores americanos de batata passaram a contar com uma nova arma, que funciona de uma maneira muito diferente dos inseticidas tradicionais. A tecnologia baseada no mecanismo de RNA de interferência (RNAi), via aplicação foliar, é uma ferramenta segura e sustentável para o homem e para o meio ambiente. O princípio da técnica se baseia na pulverização de moléculas de RNA de dupla-fita que silenciam, ou “desligam”, genes expressos e que são essenciais a sobrevivência dos insetos.
Outra vantagem dos inseticidas a base de RNAi é a sua especificidade. Diferente dos inseticidas químicos, o produto não afeta polinizadores e outros inimigos naturais que podem desempenhar um papel importante para o meio ambiente. E como o mecanismo de funcionamento se baseia na sequência de DNA/RNA de um gene específico da espécie alvo, caso venha ocorrer resistência, o desenho da molécula de RNA dupla-fita pode ser facilmente alterado e com isso promover o retorno à suscetibilidade do inseto ao produto (RNAi).
Esse novo inseticida é produzido pela GreenLight Biosciences com o nome comercial Calantha e recebeu aprovação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) em janeiro deste ano, após um período de revisão de quatro anos. A empresa afirma que outros produtos baseados em RNAi estão no pipeline de desenvolvimento e já solicitou aprovação regulatória para um produto que controla a principal praga das abelhas melíferas, o ácaro varroa. Apesar de ser uma ferramenta genética, a aplicação do RNAi por via foliar não é considerada como um organismo geneticamente modificado, o que possibilita a redução de custos para liberação dessas tecnologias.
O mecanismo RNAi foi descoberto no final da década de 1990, por Andrew Fire e Craig Mello, que receberam o prêmio Nobel de Medicina em 2006. Desde então, inúmeros estudos vêm sendo conduzidos, visando a aplicação do RNAi em diversas áreas, incluindo a agricultura. No Brasil, o primeiro produto a base de RNAi foi de uso domisanitário, para o controle do mosquito da dengue, desenvolvida pela empresa israelense Forrest Innovations.
A Embrapa Soja em parceria com a empresa Sempre Sementes também desenvolveu um dos primeiro RNAi de aplicação tópica para controle de percevejos e que já foi analisado e considerado como não OGM pela CTNBio. No momento, o produto encontra-se em fase desenvolvimento em sua formulação para possível uso comercial no Brasil.
Entre as limitações para a geração de produtos à base de RNAi de uso tópico na agricultura está o custo de produção para gerar essas moléculas em larga escala, o que vem diminuindo ano após ano. Além disso, estratégias de formulação que garantam a proteção das moléculas e a sua penetração na célula dos organismos alvos são muito específicas e atualmente são as principais razões para que esses produtos ainda não estejam amplamente disponíveis no mercado. Entretanto, a chegada do Calantha para uso na agricultura é uma grande quebra de paradigma e traz a esperança de que em futuro próximo essas barreiras estejam superadas e tenhamos uma nova geração de pesticidas baseados em RNAi, muito mais seguros ao meio ambiente, animais e ao homem.