O milho GM pede passagem

Parte 1 - Alterações Genéticas nas Plantas

Edição XI | 03 - Mai . 2007
Ernesto Paterniani-epater@merconet.com.net
         Por sua grande representatividade como componente da dieta alimentar humana - presente em centenas de produtos - e animal - base da ração de aves e suínos -, o milho é uma cultura cuja importância dispensa comentários e apresentações. Todavia, o grande valor agregado desse cereal e sua consequente relevância econômica no contexto da agricultura mundial, justificam os avanços da pesquisa no melhoramento genético, de modo a assegurar maiores índices de qualidade e produtividade, com redução de custos e maior sustentabilidade ambiental.
          Apresentamos aqui as oportunidades e evoluções do milho, do híbrido ao transgênico.
           
           
                                                    Plantas Silvestres e Domesticadas                                                                                                                                                                                                                                                     A agricultura é a maior invenção da humanidade, realizada há 10.000 anos em pelo menos dois locais, no Velho e no Novo Mundo, de  maneira independente. Tendo o homem vivido por  cerca de dois milhões de anos em competição com espécies mais fortes, velozes e agressivas, esteve perto da extinção em pelo menos duas ocasiões. A invenção da agricultura é que garantiu a sobrevivência da espécie. Com a agricultura, o homem deu início à  domesticação das plantas, o que produziu uma série de mudanças, tornando-as mais adequadas para o cultivo.
            Os fatores envolvidos na domesticação das plantas são, essencialmente:
a) Seleção natural para adaptação a novos ambientes e a resistência a pragas e a enfermidades.
b) Seleção artificial praticada pelos povos antigos.
c) Hibridações naturais intra e inter-específicas (ex. trigo, algodão, etc)
            Concomitantemente, as plantas passaram a perder a capacidade de sobrevivência na natureza, sem o cultivo pelo homem. A seguir as modificações:
·         Ausência de mecanismos naturais de dispersão de sementes.
·         Ausência ou diminuição de substâncias amargas ou tóxicas.
·         Ausência ou diminuição de mecanismos de proteção (espinhos, aristas, etc.)
·         Ausência ou diminuição de dormência de sementes, com germinação mais rápida e uniforme.
·         Mudanças de coloração de frutas e sementes.
·         Gigantismo e maior produtividade.
·         Mudanças de sabor e palatabilidade dos alimentos.
·         Cereais: maior teor de carboidratos e menor teor de proteínas.
·         Mudanças de hábito perene para anual.
            Merecem destaques mudanças relativas à reprodução, como as seguintes:
a) Mudança de reprodução alogâmica para autogâmica.
b) Mudança de reprodução dióica para monóica.
 
            A era da genética clássica ou convencional
           
O melhoramento genético das plantas, a partir de 1900, ano de redescoberta das leis mendelianas, tem desenvolvido uma série de tecnologias para aumentar a eficiência dos programas de melhoramento. Entre essas tecnologias, as seguintes variações  sobre a reprodução das plantas têm sido empregadas:
a) Obtenção de plantas com esterilidade masculina. Empregadas para facilitar o uso da heterose ou vigor de híbrido. Plantas macho estéreis têm sido úteis também para possibilitar o uso da seleção recorrente em plantas autogâmicas.                                                                                            
b) Auto-incompatibilidade e auto-esterilidade. Empregadas para a produção de híbridos em plantas como as brássicas.                                                                               
c) Plantas monoploides por fertilização incompleta. A ocorrência de fertilização apenas dos núcleos polares que formarão o endosperma, pode resultar num embrião haplóide de uma esfera não fertilizada, que produzirá uma planta homozigótica para todos os 100% dos genes. Será uma linha pura completa. Útil para estudos de genética e para abreviar o tempo para a obtenção de linhas puras de espécies autogâmicas, a partir de cruzamentos entre variedades.                              
d) Desenvolvimento de genes gametofíticos Ga e super gametofíticos que protegem variedades contra o fluxo gênico.                                                                                                                                 
e) Desenvolvimento de mecanismos de isolamento reprodutivo por seleção natural e por seleção artificial.
             
                              Dr. Ernesto Paterniani / Dr . Leila Oda - Presidente da AMBio

            Introdução de novos genes nas plantas
            Também convencionais, são consideradas as técnica de obtenção de novas variedades por mutações artificiais produzidas por radiações ionizantes, não ionizantes e agentes físicos e químicos. Dentre as técnicas que são independentes da reprodução sexual, a ploidia, iniciada por volta de 1920, e a mutagênese descoberta por Muller e Stadler, são relativamente antigas em relação às demais. Os genes assim obtidos são completamente aleatórios, razão porque a quase totalidade são deletérios e indesejáveis. No entanto, dentre os milhares de genes produzidos, tem sido possível identificar genes desejáveis que deram origens às milhares de variedades aprovadas e comercializadas globalmente.
 
            A era da moderna biotecnologia
           Os processos relativos ao conhecimento da natureza e estrutura do material genético, o DNA, cujo estudo tem sido usualmente denominado de Biotecnologia, levaram, a partir de 1970, ao desenvolvimento de técnicas que permitem a transferência, entre espécies de genes específicos, sem o concurso da reprodução sexual. A tecnologia recebeu o nome genérico de Engenharia Genética, sendo as plantas assim obtidas denominadas de transgênicas. Foi natural, assim, que as novas técnicas de transgênese fossem empregadas para a reprodução de novas variedades melhoradas.
          As primeiras plantas transgênicas foram obtidas, pela sua maior facilidade, com genes de efeito muito específicos, como tolerância a herbicidas e resistência a insetos. A soja  resistente a herbicida, milho Bt e algodão Bt resistentes a insetos são as plantas transgênicas mais cultivadas comercialmente em vários países.
 
            “É importante salientar que ambos os métodos, convencionais e transgênicos, não são mutuamente excludentes, ao contrário, eles se complementam.”
 
          Plantas transgênicas com propriedades mais amplas, como melhor qualidade nutricional devido a proteínas, vitaminas, composição de ácidos graxos e suplementos minerais já foram obtidas e estão em fase experimental. O “arroz dourado” de grãos amarelos, pela presença de caroteno precursor da vitamina A, é uma grande esperança para minimizar os riscos da cegueira de milhões de crianças nos trópicos onde o arroz é o alimento principal. Igualmente promissor é o arroz rico em ferro para evitar anemia em mulheres grávidas e crianças.
         É importante salientar que ambos os métodos, convencionais e transgênicos, não são mutuamente excludentes, ao contrário, eles se complementam. Na verdade, os transgenes têm sido incorporados nas variedades já melhoradas pelos métodos convencionais. Assim, as perspectivas são de que o melhoramento de plantas deverá se beneficiar da combinação dessas técnicas disponíveis e que já demonstraram a sua eficiência. Tanto os novos genótipos obtidos pelos métodos convencionais, como os obtidos por trangênese, são devidamente avaliados, sendo que no caso dos transgênicos, as avaliações têm sido muito mais rigorosas, especialmente com relação à saúde e ao meio ambiente. A segurança dos produtos transgênicos, avaliada em testes de elevado rigor científico, tem sido confirmada na prática pelos milhões de pessoas que vêm utilizando esses produtos nos últimos dez anos, sem que tenha havido qualquer registro de dano à saúde ou ao meio ambiente. Tudo indica que tais produtos são tão ou mais seguros do que os correspondentes convencionais, e mais benéficos ao meio ambiente.
           A diferença fundamental entre o melhoramento convencional e a transgênese reside no seguinte: enquanto, para as demais técnicas de manipulação genética, os melhoristas são os responsáveis pelas avaliações, e quando pertinente, contam com outros pesquisadores, na transgênese, todo o processo, desde a pesquisa inicial, é dependente de aprovações prévias de uma série de instâncias, nas quais frequentemente a participação científica fica refém da burocracia. Concomitantemente, a multiplicidade de ciências envolvidas nas avaliações de biossegurança dos transgênicos passou a ter papel fundamental, que no Brasil trata exclusivamente da engenharia genética. A propósito, pode ser elucidativa uma comparação entre a mutagênese e a transgênese, conforme é mostrado na tabela no texto.
 
            Benefícios dos Milhos Bt
·         Redução no uso de inseticidas;
·         Redução no uso de combustíveis fósseis;
·         Redução de contaminação com fungos produtores de microtoxinas;
·         Produtos mais saudáveis com menos agentes cancerígenos;
·         Menos intoxicações com os agricultores;
·         Milhos mais valorizados, de melhor qualidade; e
·         Maior rentabilidade agrícola.
 
         Co-existência de milho GM e não GM em cultivos comerciais
 
        Co-existência - A evolução e o desenvolvimento das sociedades  conduz a uma crescente variabilidade e  diversidade de atividades, culturas, ideologias, etc. A agricultura não é  exceção, pois desde a sua invenção, há dez mil anos, vem produzindo uma série de inovações, em especial as tecnológicas. Nunca houve tanta diversidade de atividades agrícolas, como as desenvolvidas nos últimos cem anos.
          Merecem destaque as inovações de natureza genética, como a heterose ou vigor de híbrido, iniciada com o advento do milho hibrido e depois ampliada para outras espécies. Outras significativas alterações genéticas, como a ploidia, induzindo mudanças numéricas nos cromossomos, indução artificial de mutações, desenvolvimento e utilização da esterilidade masculina em plantas, são relevantes. Em função dessas inovações, milhares de novas cultivares têm sido desenvolvidas, cultivadas e adotadas a fim de atender as preferências e conveniências dos variados setores da sociedade. A experiência mostra que essas diversidades têm sido não apenas desejáveis, pois têm contribuído para benefícios da sociedade, como têm coexistido sem dificuldades salientes.


















               


                Milhos GM e não GM - O milho (Zea mays L.) é a espécie com maior diversidade de raças e  variedades, com ampla distribuição e cultivo,  desde os climas temperados até os tropicais. Cerca de 300 raças têm sido identificadas, originando as milhares de variedades cultivadas globalmente. O Brasil conta com boa diversidade genética com várias raças indígenas e comerciais. Embora o milho seja uma espécie emblemática quanto ao sistema de reprodução alogâmica, a coexistência de toda essa diversidade tem sido mantida. Mesmo os povos indígenas americanos, que desempenharam papel fundamental no desenvolvimento das inúmeras raças de milho, sabiam como manter as suas cultivares livres de presenças adventícias não desejáveis.
            Com a tecnologia do DNA recombinante, novas cultivares de milhos GM estão participando do universo agrícola do cultivo do milho. Como no passado, as mesmas metodologias empregadas para a prevenção de presenças adventícias não desejáveis podem ser úteis para a coexistência de milhos GM e não GM. Basicamente, tanto os indígenas como os agricultores de modo geral têm empregado a separação temporal ou distâncias entre os cultivos. Igualmente, para a produção de sementes livres de presenças adventícias, as normas aprovadas pelos órgãos competentes estabelecem distâncias de 200 m ou separação temporal de 25 dias nas datas de plantios.
            Face à antiguidade e amplitude da cultura do milho, existe uma vasta experiência acumulada, a maioria não publicada, mas de notório conhecimento geral, com referência a técnicas de prevenção de presenças adventícias não desejáveis. Com o advento de milhos GM, um renovado interesse por pesquisas específicas tem sido o alvo de entidades preocupadas com efeitos não desejáveis de milhos GM em cultivares não GM, em especial nos cultivos de milho orgânico. Em experimento realizado técnicas de genética molecular para determinar freqüências de presenças adventícias em condições reais de co-existência de milho Bt e milhos convencionais. Analisando efeitos de bordadura, distâncias entre os campos e épocas de florescimento, verificou-se que a distância de 20 m é suficiente para manter a presença adventícia de fluxo de pólen de milho Bt a baixo do nível de 0,9 % no campo.
           A Espanha vem cultivando  milhos GM e orgânicos há vários anos, sem efeitos notórios, mostrando a viabilidade da coexistência entre essas tecnologias. Historicamente, com a  ampliação do cultivo de milho híbrido, a preocupação de manter variedades tradicionais livres de cruzamentos com milhos híbridos, é do produtor dessas variedades tradicionais. Assim, o ônus da separação entre os cultivos é sempre do agricultor que deseja manter a sua variedade preservada. Dessa maneira, considera-se que deve ser do agricultor orgânico a tarefa e o ônus da separação, uma vez que é quem vai se beneficiar do maior valor agregado do seu produto.
            A diversidade de cultivares - A agricultura convive com grande diversidade de cultivares de cada espécie. Como já mencionado, a frequência de cruzamentos que ocorrem entre as plantas é uma característica da espécie e não do fato de ser transgênica. Portanto, todo e qualquer fluxo gênico altera o genoma receptor, seja o doador transgênico ou não. No caso das plantas autogâmicas, que se autofecundam naturalmente, não há muita preocupação com cruzamentos, pois são pouco frequentes. A preocupação é maior para as plantas alogâmicas. Assim, no caso do milho, são cultivados inúmeros híbridos, variedades melhoradas e variedades locais mantidas por agricultores.
           Por isso, para a manutenção de variedades livres de contaminação gênica, são necessárias medidas específicas de isolamento, que podem ser de natureza espacial (300 m) ou temporal (três semanas). Essas medidas são rotineiramente empregadas pelos pesquisadores, bem como por agricultores interessados em preservar seus materiais genéticos.
 
            Conclusão
  •  A co-existência de cultivares diferentes é tão antiga quanto a agricultura
  • As comunidades antigas como os antigos povos das Américas e os agricultores modernos têm sabido conviver sem problemas com cultivares distintas, de polinização cruzada, como o milho.
  • Inovações tecnológicas variadas, como o milho híbrido, entre outras, têm convivido com variedades convencionais ao longo do tempo.
  • Não há razão para que uma nova tecnologia como o milho GM, não possa conviver com as demais tecnologias, inclusive com a orgânica, com as mesmas técnicas que evitam as presenças adventícias. Isso já está comprovado nos países que por vários anos mantêm a coexistência de milhos GM e não GM.
  • Tradicionalmente, compete ao agricultor que deseja preservar a sua tecnologia menos tecnificada o ônus da preservação, em função dos ganhos adicionais resultantes dessa preservação. 
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