A solidão da liderança

Edição XXVII | 01 - Jan . 2023
   O agronegócio tem criado um modus operandi próprio em muitas situações, mas ao mesmo tempo tem herdado problemas e vicissitudes de outros setores, muitas delas apenas com novas roupagens.

   Qualquer profissional que já esteve num cargo relevante em alguma organização ou que seja dono do seu negócio, como empresário, certamente percebeu que na maioria das vezes está praticamente sozinho. Ele com os seus desafios. Poucos possuem interesse genuíno por suas angústias, medos e apreensões.

   De outro lado, quem está nessa posição normalmente também não se sente à vontade ao passo que a maioria dos líderes sofrem com a situação desconfortável, não sabendo lidar com as circunstâncias e acabando por si só se colocando em isolamento.

   Não se engane com o status
   Esse dilema pode até parecer um contrassenso, já que a princípio, quanto mais alta a sua cadeira na hierarquia maiores deveriam ser os conjuntos de atrativos interpessoais, mais longe você consegue enxergar e mais confortável deveria ser a posição.

   Vale lembrar ainda que a liderança torna as pessoas relevantes atraindo os demais, ampliando relacionamentos, áreas de interesse, além de mecanismos de reciprocidade que poderiam reduzir e não ampliar seu isolamento.

   Mas, a questão não é conhecer gente e ser atrativo. A solidão do líder está exatamente no sentido da notória falta de relações genuínas, que gozam de confiança legítima e afiançam transparência duradoura.

   O líder se ressente desse novo ambiente porque reconhece rapidamente de que há muitas relações efêmeras, em que os propósitos nem sempre estão claros. E mesmo quando estão, possuem fronteiras delimitadas às circunstâncias dos resultados esperados. Ou seja, há interesses declarados ou subliminares na maioria dos casos.

   O isolamento se retroalimenta
   Assim, as próprias decisões estratégicas que a posição requer e o jogo de poder inerente à liderança tendem a criar esse sentimento de solidão, freando e inibindo as relações com as pessoas. O desconforto leva ao isolamento que por consequência leva à angústia.

   Além disso, à medida que o líder sobe na hierarquia existe uma retroalimentação perniciosa dessa situação. Se de um lado há as angústias, os medos e as apreensões naturais da posição e das decisões inerentes a ela, esses mesmos sentimentos são ampliados pela falta de socialização e de válvulas de escape.

   Poder-se-ia supor que isso ocorre principalmente para os menos experientes, mais jovens e, por consequência, mais inseguros. Mas não é o que percebo na prática. É uma espécie de ‘regra geral’, um sentimento generalizado e que apenas os mais seguros e autoconscientes são capazes de enfrentar com leveza e eficiência.

   Primeiro passo para virar o jogo
   Mas isso pode ser mudado. O primeiro ponto é reconhecer a realidade inerente a posição que ocupa e não vincular a problemática ao seu perfil pessoal. Isso é importante pois tira a pressão sobre si.

   Acontece com qualquer líder já que basta uma olhadinha na estrutura hierárquica de uma organização e quanto mais se sobe, menos gente encontramos e mais seletivas são as relações.

   Se há menos pares, por obviedade não há muitos com quem conversar e trocar ideias de modo genuíno e fluído. Adicionalmente, algumas decisões podem ser impopulares para a equipe, mas devem ser tomadas pelo líder mesmo assim, e competem apenas a ele.

   Estabelecer limites é fundamental
   Sabemos que, como seres humanos, somos seres integrais e temos dificuldade natural em separar o profissional do pessoal, mas, um fator decisivo para reduzir esse sentimento de solidão é o de estabelecer limites entre dois pontos da nossa agenda.

   De um lado devem estar os desafios competitivos, os negócios, suas metas e os objetivos de médio e longo prazo que naturalmente ‘pré ocupam’ e envolvem qualquer líder, somado à circunstancial posse de informações privilegiadas ou confidenciais que, por si só, podem estressar e isolar.

   De outro, manter uma agenda ativa com o ambiente externo, os amigos e suas relações, a família, o lazer e as atividades capazes de desopilar e renovar energias. Sem dúvidas, o sucesso está no equilíbrio entre esses dois mundos. E sempre que um deles toma a dianteira em demasia, o conjunto perde e a solidão aumenta.

   Reconhecer fraquezas reduz a solidão
   Outro ponto crucial para reduzir a solidão da liderança diz respeito ao autoconhecimento, suas práticas e seus mecanismos de autodefesa. Nesse sentido, reconhecer suas fraquezas é fundamental e já é um bom começo, o que em síntese deverá auxiliar também no exercício da própria liderança, criando vínculos mais francos com as pessoas.

   Nesse sentido há dois aspectos que atrapalham muito e contribuem para o isolamento e o sentimento de solidão: a prepotência e a autossuficiência. 

   A prepotência tem várias facetas e uma delas é o de afastar as pessoas à medida que suas opiniões se dissociam das suas interpretações da realidade, num sentimento infantil de afronta em relação à posição hierárquica.

   A autossuficiência por sua vez, também inibe as relações sem intenção declarada. Como uma espécie de estado individual de soberba em que não necessita de qualquer ajuda, apoio ou interação de outros para sobreviver.

   Por fim, tornar as relações mais fluídas, mais empáticas e evitando a desconfiança da proximidade dos demais tende a trazer benefícios para ambos, principalmente na troca de informações acerca do ambiente em que a liderança é exercida.

   Até a próxima.

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