O comércio de sementes por número chega aos sojicultores

Edição XXVII | 01 - Jan . 2023
Geri Eduardo Meneghello-gmeneghello@gmail.com
   Quando da elaboração desta matéria, o Brasil finalizava a semeadura da safra 2022/23, cujas previsões indicam que será a maior da história. Num recorte histórico da última década para a cultura da soja, verificam-se incrementos substanciais e contínuos na área cultivada (de 28 para 42 milhões de hectares) e na produtividade (2,93 para 3,55 ton/ha), gerando aumento considerável na produção, passando de 81 milhões de toneladas em 2012/13 para 154 milhões de toneladas na presente safra.

   Isso só é alcançado com tecnologia, profissionalização do setor e ajustes finos no processo produtivo. A preocupação com detalhes ganha cada vez mais importância.

   Dentre os itens que possuem potencial de incremento na produtividade, está o uso de população adequada para cada genótipo e cada região. Conceitualmente, podemos definir população como o número de indivíduos, ou seja, plantas, em uma determinada área; no caso da soja, falamos, por exemplo, de 240 mil plantas por hectare, o que equivale a 24 plantas/m². Considerando espaçamento entre linhas de 50 centímetros, teremos 12 plantas/m, sendo uma planta a cada, aproximadamente, oito centímetros.

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   O espaçamento entre linhas apresenta pouca variação; no entanto, variações consideráveis podem ocorrer entre as plantas, sendo comum a ocorrência de falhas, considerada existente, tecnicamente, quando o espaçamento é maior do que 50% do esperado (neste caso, mais do que 12 cm entre plantas), ou de duplas, que corresponde a um espaçamento entre plantas inferior a 50% do desejado (ou seja, com menos de 4 cm entre plantas, no exemplo citado). Portanto, atingir uma determinada população não basta, é preciso que a distribuição seja adequada.

   Para isso, é fundamental utilizar semente de alta qualidade fisiológica e realizar semeadura de forma a garantir boa plantabilidade. A velocidade de semeadura, a regulagem, operação e o modelo da semeadura impactam diretamente nesse quesito. A correta distribuição das sementes no momento da semeadura é facilitada quando se utilizam sementes de tamanhos similares, classificadas por tamanho, principalmente nas semeadoras com sistema mecânico de distribuição de sementes (disco, por exemplo).

   Classificação de sementes de soja por tamanho (Largura)
   No processo produtivo, após serem colhidas, as sementes são levadas para Indústrias de Beneficiamento de Sementes, onde passam por diversos processos, envolvendo secagem (caso necessário), seguida por limpeza, utilizando diversas máquinas e equipamentos, cada uma delas utilizando diferentes princípios de separação para excluir os materiais indesejáveis, como restos da cultura, materiais inertes, sementes de outras espécies, sementes partidas, entre outros.

   Além da limpeza, durante o beneficiamento, as sementes são classificadas por tamanho, usando, para isso, peneiras com furos redondos que fazem separação em função da largura das sementes. Em um mesmo lote, as sementes apresentam uma variação de tamanho que, via de regra, não ultrapassa 2,5 mm, geralmente compreendidas entre 5,0 à 7,5 mm.
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   Esta variação é considerável, e a indústria sementeira opta por padronizar as sementes por tamanho. Em cada peneira comercial, a variação depende do ajuste de peneiras utilizado, sendo mais comum a variação de 1 mm; porém, em alguns casos, podem ser de 0,75 mm ou, até mesmo, 0,5 mm. Quando a variação é menor que 1 mm, são produzidas mais do que duas peneiras. Quanto mais fracionado mais homogêneo é o tamanho entre as sementes, porém maior é a complexidade do processo de beneficiamento.
Para exemplificar, vamos considerar que na classificação se opte por dividir o material em duas peneiras, com variação de 1 mm, e que as peneiras selecionadas sejam de 5,5 mm e 6,5 mm. Para tanto, no classificador, escolhe-se uma peneira superior com perfuração de 7,5 mm de diâmetro, uma segunda peneira com perfuração de 6,5 mm, uma terceira com furos de 5,5 mm e, por fim, um fundo cego.

   Neste exemplo, as sementes que não atravessam a peneira 7,5 serão descartadas, enquanto aquelas que atravessam a P7,5 e são retidas na P6,5 são consideradas pertencentes a esta peneira (P6,5); é importante que se diga que o tamanho, em tese, possui variação que vai de 6,5 mm até 7,4 mm. O mesmo raciocínio vale para a peneira 5,5, cujas sementes atravessaram a P6,5 e ficaram retidas na P5,5. Por fim, aquelas que atravessarem a P5,5 são descartadas.

   Isso significa que, em um determinado peso de sementes, podemos ter número de sementes distintos. Os valores médios de peso de mil sementes (PMS) são apresentados na tabela no texto, com variações que vão desde 90 g até 250 g.

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   É importante mencionar que procedimento semelhante é feito em sementes de milho, com a diferença de haver classificação em maior número de peneiras em função de variações no comprimento, na largura e na espessura das sementes. No caso do milho, a comercialização de sementes é feita por número de sementes há bastante tempo, fato que se deu em função da variação existente, que pode ser da ordem de 3,5 vezes, por exemplo, encontramos sacos com 60 mil sementes de milho com 7,8 kg e outros, com a mesma quantidade de sementes, que possuem 27,3 kg.

   No caso da soja, tem-se verificado nos últimos anos uma forte tendência de comercializar sementes por número, a exemplo do que acontece com milho. Esta nova forma de comercialização, num primeiro momento, apresentou resistência, mas é inquestionável que a comercialização por número é mais justa, mais transparente e permite que seja adquirido o número de sementes necessário para estabelecer a população desejada na área disponível para semeadura.

   Apesar de a soja possuir plasticidade capaz de compensar as falhas até certos limites, está provado que há relação direta entre espaçamento correto e potencial produtivo. Portanto, deseja-se assertividade, o que é obtido com ajuste fino no processo de semeadura. Saber o número de sementes adquiridas contribui para isso.

   Ajustes operacionais necessários em nível de IBS:  Processos, Detalhes e Vantagens

   Obviamente, são necessários ajustes operacionais nas IBS ao mudar a forma de comercialização. Apresentamos a seguir os principais pontos a serem levados em conta. Considerando que a legislação prevê o tamanho máximo do lote, que é de 30 toneladas, havendo comercialização por número de sementes a quantidade de sacos que compõem este lote será diferente em cada caso.

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   Diferentes tamanhos de bags
   Outro ponto a considerar é a necessidade de adquirir sacaria e bags com diferentes tamanhos. Os tamanhos mais comumente utilizados possuem largura e profundidade de 1,05 m e altura variando de 1,2 a 1,4 m, sendo os maiores obviamente destinados para as sementes maiores e que, consequentemente, ocupam maior volume, considerando a mesma quantidade de sementes.

   A formação das pilhas necessita de maiores cuidados na sua construção, pois haverá diferentes proporções de unidades com distintos tamanhos. O cuidado aumenta para manter a estabilidade da pilha, o que pode prejudicar o aspecto visual, assim como colocar em risco a segurança dos operadores.

   A comercialização das sementes por número elimina o efeito da alteração de peso das sementes contidas nas embalagem em função da mudança de umidade das sementes, pois, sendo a comercialização realizada por peso, se houver redução na umidade das sementes de 12,5% para 10,5%, haverá redução de cerca de 25 kg em um bag originalmente de 1.000 kg; se o agricultor pesar este bag, certamente se sentirá lesado, no entanto, não houve variação na quantidade de sementes.

   Gestão da pilha
   Como regra geral, há uma tendência de que 10% das sementes sejam acondicionadas em bags de tamanho pequeno (de 1 m de altura), 40% em bags médios (de 1,2 m de altura) e 50% em bags grandes (de 1,4 m de altura). A concentração nos tamanhos maiores permite maior versatilidade quanto ao volume a ser armazenado nestas embalagens.

   Um aspecto importante é utilizar um estrado de madeira construído com sarrafos de 3 x 5cm ou em malha metálica, de 10 por 10 cm, construída com vergalhões com ¼ de polegada para amarrar a pilha.

   A lógica é exatamente a mesma quando se trabalha com sacos de 40 kg. É necessário usar embalagens com tamanho variados, ou seja, com capacidade para 32, 35 e 40 kg.

   Maior agilidade no carregamento
   Quando há opção pela comercialização por número de sementes, as embalagens apresentarão diferentes tamanhos, o que inevitavelmente demandará um alinhamento com clientes muito mais ajustado, pois a entrega passa a ser número de sementes, não importando se são sementes grandes ou pequenas.

   Outro cuidado é na formação da cargas, uma vez que, com embalagens de tamanhos distintos, é necessário acondicionar as maiores na parte de baixo, havendo relatos de caso que caminhões tombaram ao não se prestar atenção neste detalhe. Não precisamos de muito esforço para imaginar o transtorno e o prejuízo que uma situação como esta pode acarretar.

   Além disso, é fundamental saber de antemão qual o modelo do caminhão que será utilizado para o carregamento, pois este é realizado considerando um número de sementes em que o peso pode variar muito.

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   Pesagens e aferições
   Do ponto de vista do sementeiro, é fundamental garantir que a embalagem contenha o número de sementes que consta na etiqueta. Para tanto, existe tecnologia capaz de garantir esta informação, a partir de pesagens realizadas concomitantemente com o enchimento dos bags ou sacos.

   Comercialização de Sementes

   As negociações passam a serem feitas por hectares, em que a venda de sementes é realizada para uma determinada área com uma população desejada. O cálculo da demanda de sementes se dá com maior precisão, e a formação dos preços leva em conta este quesito.

   Mudam as relações comerciais. Quando há mudanças, alguns atores envolvidos podem ter dificuldades de aceitação num primeiro momento.

   Além disso, outro ponto importante é que a comercialização por número evita erros nos cálculos para pagamento da Taxa de Tecnologias, novamente evidenciando a maior transparência na negociação.

   Desafios e Dificuldades
   Certamente, figuram entre as principais dificuldades os ajustes operacionais necessários a serem implementados na IBS; entretanto, na indústria de sementes de milho, demonstrou-se que é possível superar todas as dificuldades técnicas e, convenhamos, é muito mais complexo quando a semente possui um formato irregular e com grande número de peneiras.

   Soma-se a isso que dimensionar a demanda de sementes em quilos por hectare e passar a pensar e raciocinar somente em sementes por hectare representa uma quebra de paradigma. Quem experimenta aprova e não quer voltar.

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   Oportunidades e facilidades
   Estamos diante de uma oportunidade única para profissionalizar ainda mais a indústria sementeira, que, nos últimos anos, adaptou-se em trabalhar com cultivares de hábito indeterminado, cujas dificuldades na produção tendem a ser maiores. Implementou-se o uso de máquinas modernas e com novas concepções e houve a estruturação para se trabalhar com um grande número de cultivares, consolidando a produção em regiões consideradas inaptas.

   A adoção da comercialização de sementes por número vem coroar este grande avanço obtido nos últimos anos, representando maior confiabilidade para os agricultores, usuários das sementes.


   Texto gerado a partir de palestras proferidas no 1º Congresso Catarinense de Sementes e no evento Apassul Conecta, por Géri Eduardo Meneghello, Jefferson André Aroni e Carlos Ernesto Augustin.
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