Secagem de Sementes: Alicerces, Nuances e Inovações

Edição Especial - Set . 2022
Francisco Amaral Villela-francisco.villela@ufpel.edu.br
    A produção de sementes de alta qualidade preconiza a adoção de técnicas tradicionais associadas a tecnologias modificadas, adaptadas e aprimoradas, bem como a incorporação de inovações em todo o processo, envolvendo as fases de campo, pós-colheita e gestão da qualidade.

    As operações de secagem, beneficiamento e armazenamento de sementes têm experimentado evoluções tecnológicas e operacionais marcantes nas últimas duas décadas, inclusive agregando inovações cujos benefícios podem ser percebidos pelo incremento da qualidade da semente disponibilizada aos agricultores.

    A comercialização de sementes de soja por número, o resfriamento artificial de sementes de soja, a adoção do acondicionamento de sementes em big bags, a colheita de sementes com alta umidade inicial, a expansão do emprego de secadores intermitentes e contínuos na secagem de sementes de soja, a ampliação do uso da automação nas máquinas de beneficiamento e a incorporação de técnicas de aprendizado de máquinas em processos podem ser destacados como novos componentes da produção de sementes no novo milênio.

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    De maneira geral, as sementes experimentam secagem natural na planta entre a maturidade fisiológica e a colheita, com intensidade e duração variáveis conforme a espécie e as condições ambientais prevalecentes no campo. A seguir, rotineiramente, as sementes de espécies cultivadas são submetidas à secagem artificial até níveis recomendáveis de teor de água para minimizar a redução da qualidade no armazenamento.

    A atividade de água ou estado de energia da água, é uma medida que permite avaliar a disponibilidade de água na semente para as reações químicas e enzimáticas e para o desenvolvimento de microrganismos, cujo valor recomendável, varia de zero a um, não deve exceder 0,65 e 0,70, dependendo da composição química da semente, de modo a limitar a atividade metabólica e o potencial de crescimento de microrganismos.

    A água ligada às macromoléculas, por interações físico-químicas, não está disponível para atuar como solvente ou para participar de reações químicas, portanto, não pode ser aproveitada pelos microrganismos.

   A atividade de água consiste em parâmetro capaz de mensurar a disponibilidade de água na semente, cuja presença está inteiramente relacionada às suas propriedades físico-químicas. Constitui-se no componente responsável por realizar transporte de substâncias entre as células, por remover moléculas tóxicas, por estabilizar a temperatura e participar de reações químicas e enzimáticas.

    A umidade relativa do ar indica a relação existente entre razão de mistura do ar úmido e a razão de mistura de saturação, em determinada temperatura, expressa em porcentagem. Significa, resumidamente, a quantidade de água na forma de vapor existente na atmosfera no momento em relação ao máximo que poderia existir, na temperatura observada.

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    A diferença entre a atividade de água na semente e a umidade relativa decimal do ar circundante determina o potencial de evaporação da água periférica da semente. Para tanto, obtém-se a redução da umidade relativa do ar de secagem por aquecimento ou, alternativamente, por desumidificarão. A secagem com ar quente forçado é um processo de transferência simultânea de calor e umidade entre a semente e o ar de secagem.

    Além disso, a taxa de remoção de água é influenciada pelas restrições impostas ao transporte de água do interior para a superfície da semente. De ocorrência simultânea e contínua, o processo de evaporação estabelece a retirada da água superficial e o de transporte interno, ocasionado por gradiente de potencial hídrico, que assegura o movimento de água do interior para a superfície.

    A migração interna de água ocorre por escoamento hidrodinâmico por ação de gradientes de pressão total e/ou por processo de difusão resultante de gradientes internos hídrico e térmico entre diferentes regiões na semente.

    O fluxo de ar e a umidade relativa do ar de secagem, a composição química, as dimensões, a densidade e a estrutura morfológica da semente e outros parâmetros intervenientes no processo (método de secagem, fluxo da semente no secador,...) determinam a velocidade de secagem.

    No início do processo, a retirada de água por unidade de tempo, geralmente é maior, e a temperatura da semente permanece praticamente constante, apesar de a velocidade de deslocamento da água do interior da semente ser inferior à taxa de evaporação superficial.

    Após o período inicial de secagem, a velocidade de remoção de água diminui e a temperatura da semente aumenta pois a quantidade de calor que alcança a semente é superior relativamente à energia que a deixa por transferência de massa.

    A secagem artificial pode ser realizada em sistema de fluxo contínuo ou estacionário, conforme a movimentação ou não da semente no interior do secador e em processo contínuo ou intermitente, de acordo com a periodicidade de exposição da semente ao ar aquecido.

    Na secagem estacionária, um fluxo de ar é forçado mecanicamente a atravessar uma camada de sementes que permanece estática, em silos com distribuição axial de ar (fundo falso perfurado) ou em silos com distribuição radial (duto central perfurado). No sistema de fluxo contínuo a semente é mantida em constante movimentação no interior do secador.

    No processo intermitente, as sementes ficam expostas ao ar aquecido por limitados períodos de tempo, na câmara de secagem, intercalados por prolongados períodos de tempo sem exposição ao ar quente, na câmara de equalização, possibilitando que a água do interior sofra migração para a superfície.

   No processo contínuo, as sementes entram no topo do secador, percorrem a câmara de secagem uma única vez e saem secas na base do secador. 

    Nos secadores intermitentes, as sementes fluem continuamente pelo sistema secador/elevador, passam alternadamente pelas câmaras de secagem e de equalização, sendo necessária mais de uma passagem (ciclo) das sementes pelo sistema, até a umidade final recomendada ser alcançada. A relação entre as capacidades das câmaras de secagem e de equalização (relação de intermitência) combinada com a regulagem da abertura do sistema de descarga do secador determina o tempo necessário para executar um ciclo e, portanto, o tempo de permanência na câmara de secagem por ciclo (tempo de residência).

    Basicamente, a temperatura do ar de secagem e o tempo de residência estabelecem a temperatura da massa de sementes na passagem pela câmara de secagem, que não deve ultrapassar 38 a 43ºC, dependendo, principalmente, da umidade da semente, espécie e cultivar.

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    Os secadores contínuos, de maneira geral, possuem na parte superior uma tulha de carregamento, na parte intermediária um ou mais módulos de secagem e na parte inferior uma câmara de resfriamento. Em princípio, foram concebidos para a secagem de grãos, entretanto, conforme o projeto, modelo, capacidade estática, sistema de descarga e de transporte podem ser adaptados para a secagem de sementes.

    Neste sentido. Para que a secagem ocorra em apenas uma passagem pelo secador, dependendo da umidade inicial da semente, é necessário o retardamento do fluxo do material no interior dos módulos de secagem, de tal maneira que a permanência ocorra por tempo suficiente para a remoção do excesso de água num único ciclo.

    O aumento do tempo de exposição ao ar aquecido à temperatura elevada, associado a um elevado fluxo de ar, frequentemente com baixa umidade relativa  de entrada no secador, pode acarretar danos físicos às sementes e reduções da qualidade fisiológica, detectadas imediatamente após a secagem e, na maioria das vezes, somente identificados após decorrer de três a quatro meses, embora as sementes sejam mantidas em armazéns com sistema de resfriamento, em temperaturas inferiores a 14 a 16ºC e umidades relativas do ar de 55 a 60%.

   Um secador contínuo encontrado com frequência nas unidades de beneficiamento permite a secagem das sementes recebidas com umidade aquém de 14 a 15%, operando em sistema contínuo, ou seja, fazendo a passagem das sementes uma única vez (um ciclo) pela (s) câmara (s) de secagem.

   Entretanto, para umidades iniciais superiores a 15%, há necessidade de adaptação do sistema operacional, requerendo a passagem das sementes mais de uma vez através dos módulos de secagem (dois ou mais ciclos), passando a operar similarmente aos secadores intermitentes, o que leva, muitas vezes, ao emprego de vários ciclos, dependendo da umidade inicial das sementes.

    Independentemente do método de secagem, o processo de retirada de água não aumenta o percentual de sementes partidas, todavia, as sementes sofrem alterações físicas, provocadas por gradientes de umidade e de temperatura, que ocasionam expansão, contração e alteração na densidade e porosidade podendo provocar fissuras internas ou superficiais, tornando as sementes mais suscetíveis ao quebramento durante a movimentação.

    Por outro lado, os danos fisiológicos provocados pela secagem podem se refletir em alteração nos cromossomas e mitocôndrias, redução do número de grãos de amido no eixo embrionário, aumento da lixiviação de eletrólitos e açúcares, modificação da taxa respiratória e diminuição da capacidade seletiva de membranas celulares.

    Vale destacar que as reduções da qualidade fisiológica das sementes estão muitas vezes associadas à temperatura alcançada pela massa de sementes e ao tempo de exposição a essa temperatura. Todavia, a temperatura pode não ter excedido ao máximo preconizado, porém a reduzida umidade relativa do ar pode ocasionar secagem excessiva das camadas superficiais da semente, não raras vezes, não acompanhada pelas camadas mais internas, o que pode levar à formação de fissuras e/ou de abaulamentos na semente, com potenciais prejuízos à qualidade do lote. 

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    Levando em conta a concentração da colheita num curto período de tempo, o volume de material a ser secado em tempo hábil, o impeditivo retardamento de secagem, a necessidade imperiosa de iniciar a colheita de sementes de soja com umidade inicial (17-18%) superior às tradicionalmente empregadas e, inclusive, o elevado número de cultivares, a operação de secagem representa um ponto de estrangulamento na produção de sementes de alta qualidade. 

    Para sementes de soja, por exemplo, o período efetivo de colheita pode se restringir a seis a oito semanas, sendo necessário empregar secadores intermitentes ou contínuos operacionalmente adaptados, com capacidade diária de secagem de três a quatro cargas, dependendo da umidade de colheita. 

   O emprego de secadores estacionários (silos secadores) que apresentam grande eficiência térmica e baixo potencial de danificação mecânica, porém limitada capacidade de secagem (em média, praticamente uma carga por dia, dependendo da umidade inicial das sementes) e capacidade unitária de 10 a 20 toneladas, poderia exigir a implantação de uma unidade de secagem com um número excessivamente grande de silos secadores. 

    Um secador contínuo bastante difundido entre produtores de sementes vem mostrando resultados consistentes, operando em sistema contínuo para umidades das sementes de soja inferiores a 15% e exigindo a operação em sistema de múltipla passagem para umidades superiores, demandando que as sementes passem mais de uma vez pelo interior dos módulos de secagem (dois ou mais ciclos).

    No mercado nacional, para a secagem de sementes, há disponibilidade de secadores intermitentes que potencialmente possuem capacidade diária de secagem de três a quatro cargas, desde que sejam operados na forma correta e adequada.  A quantidade máxima de produto que pode ser colocada nesses secadores (capacidade estática) pode variar, conforme o fabricante e o modelo, de 20 a 40 até 100 a 120 toneladas, inclusive havendo disponibilidade de secadores de maior capacidade, todavia o emprego não é recomendável, levando em conta o provável carregamento do secador com material muito heterogêneo, principalmente no que se refere à umidade inicial e à qualidade fisiológica das sementes. 


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