O pioneirismo dos pesquisadores de sementes brasileiros, observado décadas depois de imprimir uma mudança no campo e no mercado com o desenvolvimento dos transgênicos e; o futuro que desponta, a partir da revolução das novas tecnologias, revelam a potencia da ciência a serviço do agronegócio. Conquistas que, em tão pouco tempo, colocaram o Brasil na liderança mundial do agronegócio. A difusão de informações proporcionada pelo Congresso Brasileiro de Sementes tem cumprido papel importante nessa busca por aumento do teto de produção com sustentabilidade.
Ao longo de mais de 40 anos de realização, o protagonismo do congresso contribuiu para mudar o mapa agrícola do Brasil. Fronteiras inimagináveis foram abertas para novas cultivares. Pesquisas que, antes de se tornarem realidade no campo e influenciarem o mercado, tiveram como primeiro palco de exposição os eventos.
Os capítulos dessa história começam, em 1970, com a fundação da Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (Abrates) – a realizadora dos congressos.
A primeira presidente da Abrates, Odette Halfen Teixeira Liberal, se lembra com precisão dos detalhes da primeira edição, que aconteceu de 26 de novembro a 2 dezembro de 1979, em Curitiba.
Aos 94 anos, a pioneira mantém uma rotina de trabalho, sendo considerada praticamente, a primeira dama da pesquisa de sementes brasileira.
“As dificuldades para a criação da Abrates foram muitas. Não havia celular, poucas pessoas tinham televisão. Os telefones funcionavam muito mal. A associação tinha apenas uns gatos pingados, sendo que cada um morava numa região. Não existiam as redes sociais, nada dessas facilidades que têm hoje. Foi difícil fundar uma entidade como a nossa, com cada membro num estado da federação. Eu, por exemplo, já morava no Rio de Janeiro”, conta Odette.
Nas memórias da pesquisadora, a fundação da Abrates e a realização da primeira edição do congresso se entrelaçam.
“Digo sempre, que eu plantei uma sementinha e não sabia que ia nascer uma sequoia. Pensei que era uma árvore, mas foi uma sequoia americana, que 30 pessoas não conseguem abraçar e, de uma altura esplendorosa. É nisso que se transformou a Abrates. Já os congressos, a Ista (Associação Internacional de Análise de Sementes – Internacional Seed Testing Association) faz questão de comparecer e enviar representantes. A associação internacional é uma admiradora dos nossos trabalhos. Mas, os primeiros esforços, eu juro, não foram fáceis. Primeiro, não havia verba para nada. Segundo, a comunicação era caríssima e muito precária, entre os organizadores do congresso”, destaca.
Odette conta mais sobre a primeira edição que prefere, modestamente, chamar de seminário.
“Não me atrevo a chamar de primeiro Congresso de Sementes porque ainda não tinha experiência na realização. A minha turma lá de Pelotas e Porto Alegre foi estupenda em me ajudar e, então, nós conseguimos fazer esse primeiro encontro. Foi como se fosse um seminário, mas compareceram pessoas de muitos lugares. Esse encontro foi um sucesso. Então, é que começou a se firmar a própria Abrates”, conta a pesquisadora.
Mulher, gaúcha e em um segmento majoritariamente formado por homens, Odette lutou por espaço nas discussões do primeiro congresso.
Debates que, entre outros assuntos da época, discutiam a ampliação das fronteiras agrícolas brasileiras, potencializadas pelo desenvolvimento de cultivares.
“Nós estávamos, exatamente, no início de uma mudança de conceito e de paradigmas. Quando começamos essas reuniões, eu era a única mulher no meio de homens, representando universidades, institutos de pesquisa, setores do Ministério da Agricultura, laboratórios de sementes, entre outros. Aí me disseram: ah, Odete você tem uma letra tão bonitinha, você não quer ser secretária. Não quero, não. Não tem nada a ver o meu trabalho aqui com ter letra bonita. Escolham outra pessoa para ser secretário porque eu estou aqui em outro papel. O meu chefe no Ministério da Agricultura era ótima pessoa. Ele sabia que eu gosto de estudar, sempre gostei de pesquisa, e que tenho grande memória. Então, na primeira reunião, o meu chefe disse: ‘Odete senta aqui do meu lado’. Sentei e respondi todas as perguntas. Aí veio algumas propostas descabidas, que sempre aparecem em qualquer encontro. Eu deixava falar, quando terminavam eu dizia: ‘Não pode; não pode porque no artigo, parágrafo tal, diz exatamente o contrário do que você está querendo. Aos poucos, eles entenderam que não estava brincando. Um homem em pleno seminário, lá do Nordeste, levantou-se e me disse: ‘A senhora não sabe de nada da nossa região, a senhora é gaúcha, a senhora só sabe de outros parâmetros, outras coisas sobre a economia’. Os meus colegas quiseram avançar nele, eu disse psiu, deixa que eu falo. O senhor tem razão numa coisa, eu sou gaúcha mesmo, eu estou acostumada com outros tipos de regiões, mas, numa coisa você está muito errado: de pessoas eu entendo bem. Você é do Nordeste e faz uma coisa muito errada. A gente manda semente de graça e vocês comem. Nós queremos que seja respeitado o trabalho dos pesquisadores, que plantam para vocês. São sementes caríssimas, que foram frutos de anos de trabalho, fruto de pesquisa, sementes selecionadas . Você acha justo isso? Não terminei moço, eu só quero lhe dizer uma coisa, se eu lhe der uma camisa, de linho, que esteja perfeita, mas tiver sido usada, e você comprar uma de algodão numa loja qualquer, aquela que você vai comprar tem muito mais valor do que a que ganhou. Com a semente, você faz a mesma coisa que faria com a camisa que não custou nada. “Ele acabou concordando comigo”, lembra a pesquisadora.
A escalada dos transgênicos rumo ao campo e a promulgação da Lei Nacional de Sementes e Mudas (Lei nº 10.711/2003) são marcos importantes do agronegócio de sementes, que também estão entre os episódios registrados pela memória de Odette.
“No início, as sementes transgênicas tiveram um impacto de negação, que todas as coisas novas têm. Todo o processo de introdução foi muito trabalhoso e lento. Porém, as sementes que estavam recebendo não eram grãos, mas fruto de pesquisa. A soja só se plantava no Rio Grande do Sul, e um pouco em Santa Catarina, mas depois subiu para o Paraná. Agora é plantada em qualquer lugar do Brasil, porque foram criadas novas variedades, geneticamente trabalhadas para resistirem ao calor, por exemplo. Hoje, o Maranhão se tornou um grande produtor de arroz. Graças ao trabalho genético dos pesquisadores. Já a Lei de Sementes e Mudas encontrou dificuldade para ser executada. O pessoal era contra pagar por sementes”, avalia Odette.
Tradicionalmente, os congressos apontam problemas e soluções em seus painéis, palestras e trabalhos apresentados. A pesquisadora observa a partir desses eventos quais serão os novos desafios do agronegócio.
“O desafio da pesquisa, no meu entender, vai ser confiar na natureza. A minha família é de plantadores de arroz. Meu pai, meus tios uma família inteira. Tínhamos engenho de arroz. Naquele tempo, se confiava em Deus e na natureza. Cada vez mais, os plantios estão sendo feitos em cima de previsões, essa coisa toda. A ciência avançou tanto que só os que forem mais descuidados é que deixarão a geada acabar com a lavoura. O único problema, atualmente, que eu estou vendo é que a nossa produção vai mudar muito” conclui Odette.