Evolução tecnológica e comercial de sementes no Brasil

Edição XVII | 02 - Mar . 2013
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    Há alguns dias encontrei um colega da década de 1970, quando comecei minha carreira como engenheiro agrônomo na área de sementes. A conversa fluiu fácil, pois muitas foram as atividades que desenvolvemos em conjunto; entretanto, no final da conversa, o colega quis saber quais foram os avanços nas últimas décadas no país, assunto que será abordado nesta edição da SEED News.

    A evolução na produção, tecnologia e comércio de sementes no país, nos últimos 40 anos, foram imensas, algumas das quais serão apresentadas a seguir:

    Utilização de híbridos

    Na década de 1970, os agricultores utilizavam principalmente variedades e híbridos duplos de milho, com produtividade média inferior a 2 t/ha. Atualmente, mais de 30% da área cultivada com milho utiliza híbrido simples, em que se obtém produtividade média superior a 9 t/ha. Outra tecnologia é a utilização de sementes híbridas de arroz, que já alcança quase 10% da área cultivada com arroz irrigado. Este material produz, em média, mais de 20% do que o arroz convencional.

    Várias são as espécies nas quais os híbridos já são comuns, tendendo a aumentar a sua participação no negócio de sementes no país. Há uma tendência de crescimento, pois os híbridos possuem uma proteção natural contra a pirataria, favorecendo o retorno do capital investido na criação e desenvolvimento de um novo material.

    O domínio da macho-esterilidade, com a utilização de duas ou três linhas para a obtenção de um híbrido, viabilizou o processo de produção de sementes em larga escala.


    Proteção de cultivares e patentes

    Até a década de 1990, o país não possuía uma lei de proteção de cultivares, inibindo, assim, a iniciativa privada na criação e desenvolvimento de novas cultivares, No milho, como existe a proteção natural do híbrido, havia participação ativa da iniciativa privada; entretanto, em culturas autógamas como trigo, arroz e soja havia poucas empresas envolvidas no melhoramento vegetal. Entretanto, com a criação da lei de proteção de cultivares, no final da década de 1990, o panorama mudou bastante e, atualmente, a iniciativa privada atua forte também nas culturas autógamas. Hoje, em soja mais de 80% da área cultivada no país utiliza variedades desenvolvidas pela iniciativa privada – o mesmo para trigo e algodão, enquanto para arroz já é mais de 60%.

    A iniciativa privada recupera o investimento através do licenciamento de suas cultivares para os produtores de sementes. O licenciamento significa, em média, um royalty de 10% sobre o valor da semente. Há, entretanto, empresas que desenvolvem as cultivares e comercializam suas próprias sementes, num sistema conhecido como verticalização. No entanto, o princípio do reconhecimento dos direitos do melhorista é o mesmo, apenas não acontecendo a cobrança de royalties, pois não há licenciamento.

     Este avanço é considerado por muitos empresários como a maior evolução no negócio de sementes, onde os grandes beneficiários são o agricultor e o consumidor final. O agricultor, por ter disponível um material superior, que lhe facilitará os processos agronômicos e o aumento de produtividade; e o consumidor final por ter o benefício de um menor preço pelo grão ou produto industrial, pois com uma maior produtividade a oferta é maior, e com isso o preço fica mais acessível.

    A possibilidade de patentear processos em que o dono da patente possui proteção para seu material por 20 anos foi outro grande avanço. No Brasil, os materiais GM são patenteados, inclusive com mais de uma patente por material. Até 2012 eram 18 materiais patenteados no país. Um material patenteado possui proteção até o produto industrial, ou seja, o agricultor deverá pagar uma taxa tecnológica para o dono da patente, que pode ser no momento da compra da semente ou na venda do grão. A patente é uma proteção robusta para quem investe na inovação tecnológica. O melhor exemplo que o país possui é a soja RR, em que o agricultor paga R$0,42/kg de semente que compra ou paga 2% sobre o grão que vende.

 

    Materiais GM

    Após calorosas discussões, o país aprovou o uso de materiais GM, que atualmente representam mais de 80% da área cultivada com soja, mais de 70% para milho e mais de 50% para algodão. Inclusive, o país tem feijão GM criado e desenvolvido por uma empresa nacional. 

    A biotecnologia forçou as empresas de sementes a utilizarem processos avançados de controle de qualidade, para evitar o problema de sementes adventícias e misturas varietais. No entanto, trouxe junto oportunidades imensas de negócios para a cadeia produtiva, com ganhos para o agricultor (o maior beneficiário), o dono da patente e o ambiente. 

    Os primeiros materiais GM são referentes a resistência a herbicida, tolerância a ataque de insetos e ataque de doenças, estando em estudos materiais tolerantes à seca, qualidade nutritiva e efeitos medicinais.


    Qualidade de sementes

    Nas décadas de 1970 e 1980, várias foram as ocasiões em que o padrão mínimo de germinação das sementes, para comercialização, foi reduzido para 70%, pois havia a possibilidade de faltar semente para o agricultor. Nas últimas duas décadas isto não foi mais necessário – inclusive, há empresas de sementes que só colocam no mercado lotes de sementes com germinação superior a 90%, mesmo para sementes de soja, que são mais difíceis de produzir.

    Este avanço no nível da qualidade das sementes se deve a vários fatores, como a  colheita oportuna, o processo de secagem, a redução mecânica dos processos, melhores condições de armazenamento, controle interno de qualidade e exigência do agricultor por sementes de alta qualidade.


    Em termos de testes de qualidade das sementes, vários testes de vigor foram desenvolvidos ou aperfeiçoados, como o teste de envelhecimento acelerado, o de controle da deterioração controlada, o teste de frio e o de Tetrazólio, que são utilizados para o controle interno de qualidade das sementes. Merecem destaque os testes rápidos nas empresas para a avaliação rápida da qualidade das sementes, sendo os mais importantes o de Tetrazólio, que em algumas horas permite estimar a viabilidade das sementes; o pH do esxudato para sementes de soja, que em 30 minutos pode estimar o percentual de viabilidade das sementes; e o dano mecânico, que em 15 minutos informa o percentual de sementes danificadas em um lote. 


    Número de sementes por volume

    O estande de um cultivo é estabelecido pelo número de plantas por área; entretanto, as sementes, até poucos anos, eram comercializadas por peso. Assim, um saco de sementes pequenas cobre uma área bem maior do que um saco com sementes grandes. Por exemplo, um saco de 20Kg de sementes de milho grandes possui ao redor de 50.000 sementes, enquanto um saco de 20kg de sementes pequenas possui 90.000 sementes. Como não há diferença entre a qualidade fisiológica das sementes comerciais de diferentes tamanhos, o agricultor que comprar um lote de sementes pequenas cobrirá uma área semeada bem maior.

    Atualmente, as sementes de milho ofertadas para venda são acondicionadas em embalagens de 60.000 sementes. Outras espécies que estão sendo comercializadas também em número de semente por embalagens por alguns produtores de sementes são a soja e as hortaliças híbridas. Pode-se imaginar o valor que o agricultor despende para uma semente, e, caso esta não germine, é natural ocorrerem frustrações, com efeitos comerciais imediatos.


    Tratamento industrial

    O tratamento das sementes com fungicidas é adotado há mais de 50 anos; entretanto, com inseticida, nematicida, micronutrientes, ativadores e film coating é mais recente.  Este processo de revestimento das sementes, com vários produtos, fez com que o tratamento se tornasse mais criterioso em termos de dosagem, uniformidade de cobrimento, segurança para operadores e meio ambiente, compatibilidade de produtos e estabilidade da calda.

    Assim, visando contemplar todas as variáveis envolvidas no processo, a indústria adotou o tratamento industrial das sementes, envolvendo equipamentos sofisticados, pessoal treinado e ambiente especialmente preparado para esse fim. Praticamente todas as unidades de beneficiamento de sementes das grandes culturas no país possuem local específico para o tratamento das sementes, adotando todas as precauções necessárias.

    Merece registro, o fato de que junto com o tratamento industrial das sementes, houve a adoção de um melhor controle interno de qualidade das sementes, pois tratar um lote de sementes de baixa qualidade fisiológica acarreta grandes prejuízos de diversas naturezas. Uma semente tratada que não possui o padrão de qualidade para comercialização, também não pode ser vendida como grão, e dispositivo especial para eliminação do lote deve ser contemplado.  


    Equipamentos 

    Os equipamentos de limpeza e classificação das sementes tiveram pouco avanço nos últimos anos, destacando-se a mesa de gravidade, que tornou seus ajustes mais simples e fáceis de executar. Entretanto, em termos de pesagem das sementes, as balanças tiveram um grande avanço na precisão e na capacidade de pesagem. Há balanças que individualizam sacas de 40 kg de sementes, com gramas de precisão, e com capacidade de embolsar mais 10 sacos por minuto. Isto facilita o controle do peso e a logística da UBS, pois grandes quantidades de sementes devem ser preparadas num curto espaço de tempo. 

    No processo de beneficiamento das sementes pode ocorrer danos mecânicos e misturas varietais pelos diferentes equipamentos utilizados, pois é normal um lote de sementes passar por 3-4 equipamentos e vários elevadores antes de ser ensacado. Neste sentido, elevadores foram desenvolvidos especialmente para sementes, com o objetivo de minimizar a danificação mecânica e as misturas varietais. A limpeza de uma UBS na ocasião da troca de cultivares requer muitas horas de trabalho, especialmente em elevadores, caso sejam de modelos antigos, em que cada caneca (existem várias por elevador) é inspecionada para ver se existe semente entre a caneca e a correia transportadora. 



    Secagem 

    A evolução na secagem ocorreu mais na percepção do produtor de sementes do que no processo em si. O produtor de sementes se deu conta que deve ter semente em quantidade e qualidade, não podendo ficar exposto às condições do clima para colher as sementes secas. A colheita das sementes úmidas e posterior secagem artificial propicia que o processo de deterioração das sementes, no campo, seja minimizado. 

    Em milho, as sementes são colhidas em espiga com umidade próxima do ponto de maturidade fisiológica (máxima qualidade), obtendo lotes de sementes com germinação superior a 90%. Há uma relação estreita da qualidade das sementes de milho com a secagem em espiga. Algo similar ocorre com arroz, em que as sementes das cultivares e híbridos atuais são colhidas com umidade superior a 20%. Isto para evitar a fissura das sementes, ocasionada por gradientes de umidade e temperatura.  


    A secagem em sementes de soja varia entre 40 e 60% da produção, pois, em períodos secos de clima, os produtores de sementes optam por colher as sementes secas, o que se entende.

    Em termos do processo de secagem, a novidade é o secador que utiliza de forma industrial o ar seco desumidificado, que propicia uma secagem com temperatura mais baixa do ar e um ajuste mais fino da temperatura.


    Armazenamento

    As sementes são armazenadas por um determinado período entre a colheita e a semeadura, no qual o processo de deterioração deve ser minimizado. Neste sentido, o grande avanço foi o desenvolvimento de um processo que possibilitou o esfriamento a granel das sementes, denominado de esfriamento dinâmico. Sabe-se, há muito tempo, que a temperatura afeta o armazenamento das sementes – inclusive, para armazenamento das sementes por longos períodos de tempo, os bancos de germoplasma utilizam temperaturas abaixo de zero ºC para armazenar as sementes por décadas. Isto é possível devido à reduzida quantidade de sementes (gramas) e à disposição das sementes em prateleiras. 

    No processo industrial das sementes, em que milhares de toneladas devem ser produzidas e esfriadas num curto espaço de tempo (horas), o esfriamento dinâmico é uma das grandes evoluções tecnológicas. Este processo, inclusive, está sendo utilizado junto com secagem, controle de insetos e processos para minimizar a danificação mecânica, no sentido de aumentar o potencial de armazenamento de sementes de soja e de outras espécies, para mais de um ano.     


    Logística

    Nos anos 70, os sacos de sementes eram, em geral, de 50 kg e transportados à mão ou na cabeça dos operadores das UBSs. Os tempos passaram e, atualmente, os sacos são de 20 a 40 kg, facilitando o trabalho dos operadores.  Esta mudança foi pequena, porém de grande significado, tanto para a logística dentro das UBS como comercialmente, pois se conseguiu diferenciar a semente do grão e agregar-lhe um valor.

    Outro avanço na logística foi a utilização de Big Bag com capacidade de uma tonelada, que possibilita o transporte mecânico das sementes dentro da UBS, bem como até a lavoura do agricultor. Em cultivos de mais de 500 hectares de soja é comum observar-se a utilização de Big Bag no abastecimento das semeadoras. Cultivos extensivos requerem logísticas especiais para se adequarem às condições mais favoráveis da época de semeadura.


    Automação

    O manuseio das sementes em sacos de 20 a 50 kg numa UBS é algo laborioso, tanto para o transporte como para a montagem da pilha. Neste sentido, como em muitos outros processos, está se utilizando a automação, o que economiza muita mão de obra e pessoal treinado em fazer a pilha. Diminui o pessoal necessário na UBS e aumenta a necessidade de pessoal mais treinado com capacidade de gestão. É interessante observar um robô transportar os sacos e montar uma pilha. 

    É evidente que a automação veio para ajudar; entretanto, gerou a necessidade de pessoal mais qualificado, que, na verdade, definirá a quantidade de sacos por pilha, o destino de cada lote de sementes e acompanhará a qualidade das sementes.


    Rastreabilidade

    O conhecimento é essencial para o sucesso de uma empresa. Saber e informar o que está vendendo faz a diferença. Neste sentido, os processos de controle de qualidade e os programas computacionais se aliaram para informar ao agricultor praticamente tudo sobre a semente. A leitura de um simples código de barras pode informar o histórico da semente.

    A rastreabilidade, juntamente com o processo de certificação das sementes, são ferramentas bastante úteis para convencer o agricultor dos benefícios do uso de sementes de alta qualidade das variedades melhoradas.


    Comercialização

    Felizmente, as sementes tornaram-se a principal ferramenta para alcançar o sucesso de um cultivo. Assim, um dos principais atores do comércio de sementes, que são os distribuidores de insumos, está colocando sementes em primeiro plano em seu pacote de insumos agrícolas. O distribuidor que não possuir sementes de alta qualidade das variedades melhoradas terá menos facilidade de vender os outros insumos. Esta mudança aumenta os pontos de venda das sementes para o agricultor, o que auxiliará no aumento da taxa de uso de sementes. Por outro lado, o distribuidor deverá ter em seu corpo técnico pessoal qualificado para prestar a devida assessoria ao agricultor.

    As sementes entram no contexto geral de financiamento de um cultivo, e muitas vezes o agricultor não possui os recursos necessários para a implementação da lavoura. Neste momento, os distribuidores desempenham um papel importante para obtenção dos recursos necessários. Alguns distribuidores também atuam na compra do grão.

    Para adequarem-se aos avanços tecnológicos, os processos são dinâmicos, e quem não se ajusta terá dificuldades em manter-se na atividade.


    O Agricultor

    A geração de ciência e tecnologia só será efetiva se o agricultor adotar os avanços disponibilizados. No Brasil, inegavelmente, o agricultor vem adotando grande parte das inovações tecnológicas, resultando no aumento de produtividade de duas a cinco vezes, nos últimos 40 anos, das principais culturas do país, como a soja, milho, arroz, trigo e algodão.  

    A transferência e a adoção das inovações tecnológicas pelo agricultor nas áreas de manejo do solo, controle de doenças, pragas e ervas daninhas, uso de maquinário e a profissionalização do agricultor foram extraordinários.

    Na área de sementes, o agricultor aprendeu a selecionar a cultivar ou híbrido que melhor se adapta à suas condições e a utilizar a adequada densidade de semeadura em semente por área, em função do tipo de solo, clima, época e tipo de planta. Também aprendeu sobre os diversos aspectos da qualidade e do desempenho da semente, envolvendo a pureza, a germinação, o vigor e o tratamento das sementes.

    O agricultor esclarecido e informado tende a adotar os avanços científicos, pois sem esta percepção os resultados serão discretos. Também deve ser considerado que critérios de valores, costumes e crenças tendem a mudar muito pouco em uma geração. Assim, pode-se esperar que o avanço na produtividade brasileira de grãos apresente uma tendência de elevação substancial nos anos vindouros. 


    "Os avanços em ciência, tecnologia e comércio de sementes foram grandes nas últimas décadas, envolvendo a utilização de híbridos, a proteção de cultivares e patentes, biotecnologia, qualidade de sementes, número de sementes por volume, tratamento industrial, equipamentos, secagem, armazenamento, logística, automação, rastreabilidade, comercialização e percepção do agricultor em relação ao grande valor da semente. Estes avanços possibilitaram o fornecimento aos agricultores de sementes de alta qualidade de variedades melhoradas, levando o país a tornar-se um grande produtor de alimentos."

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