Cultivando a semente da continuidade

Edição XXI | 05 - Set . 2017
    Com a evolução do agronegócio nas últimas décadas, o produtor rural, em especial o de sementes, deixou de ter que cuidar apenas da propriedade para ser o responsável pela gestão de uma empresa rural. Ao entender que as propriedades rurais são de fato empresas, ainda que estejam no CPF dos proprietários, muitas questões passam a ser encaradas de maneira diferente. 
    Um dos pontos mais importantes nessa mudança de perspectiva é a sucessão familiar. A maneira tradicional de transferir o patrimônio para os herdeiros, através de um processo de inventário e com a divisão física da propriedade, representa um custo e um risco muito elevado para as empresas rurais, ainda mais para os produtores de sementes, que, além do ativo terra e das benfeitorias, possuem uma marca associada aos seus produtos.
    Há em todos os lugares dezenas de exemplos de famílias que eram proprietárias de fazendas maravilhosas e muito produtivas quando os fundadores eram vivos e, após um processo traumático de inventário, perderam o patrimônio e não mantiveram uma boa relação familiar. Nesse modelo, dito “tradicional”, a divisão física do imóvel está dentro de uma estratégia que pretende reduzir a complexidade da família e do negócio, visto que o negócio será de um único proprietário e, dessa forma, não será preciso desenvolver a estrutura da empresa, ou seja, implantar a governança na empresa rural. Essa estratégia, no entanto, normalmente resulta em um custo tributário, financeiro e emocional muito alto. 


    Em um ambiente de elevada competitividade, em que a escala de produção é extremamente importante para reduzir os custos, a divisão física do empreendimento agropecuário, muitas vezes, inviabiliza o negócio de produção de sementes. Além disso, há a dificuldade de dividir uma propriedade rural com diferentes tipos de solo, sede, unidade de beneficiamento de sementes, acesso à estrada, acesso à água, áreas com potencial para irrigação e assim por diante.
    Para os casos em que não se pretende dividir a propriedade rural, o caminho mais indicado é desenvolver a estrutura com diferenciação entre empresa e família, planejamento sucessório e implementação da governança. Desta forma, são reduzidos os riscos na empresa familiar e potencializada a construção de uma sociedade saudável e harmoniosa. Este, no entanto, é um processo que não acontece de uma hora para a outra, deve ser construído passo a passo com foco onde se quer chegar.
    Nesse caminho, é possível utilizar muitas ferramentas que facilitam o planejamento sucessório em vida e que buscam, entre outros benefícios: garantir uma tributação mais eficiente, tanto sobre a renda quanto sobre o patrimônio; manter a harmonia da família; alinhar e contemplar os interesses comuns dos seus membros, estando eles envolvidos diretamente no negócio ou se dedicando a outras atividades profissionais.


    Para o produtor de sementes, o planejamento sucessório é ainda mais importante na busca pela continuidade da empresa rural, pois não se trata apenas de uma propriedade produtora de commodities, mas sim de uma marca que possui valor agregado. Sendo assim, quando o processo de continuidade do negócio não é planejado e bem executado, há o risco iminente da perda de valor da marca da semente, que foi construída ao longo de várias safras de qualidade e compromisso com os clientes.
    Com base em uma experiência de quase três décadas dedicadas ao trabalho de sucessão com empresários rurais de todo o país, destacam-se alguns aspectos que o produtor deve avaliar ao planejar a sucessão, conforme ilustrado na figura no texto.
    Um bom planejamento sucessório precisa contemplar aspectos jurídicos, contábeis, de negócio e da dimensão não racional dos sentimentos das pessoas envolvidas. Não basta criar somente a, tão falada e importante, “holding” patrimonial, é necessário dar continuidade a um projeto de preparação da empresa e da família para as gerações seguintes. 
    No modelo anteriormente apresentado, é possível observar a importância desse processo contínuo de preparação que visa minimizar o risco de dissolução da sociedade na geração seguinte e, com isso, escrever uma história diferente daquelas que inspiraram o ditado popular “Pai pobre, filho nobre, neto pobre”, ideia que é bastante expressada não apenas no Brasil, mas em praticamente todos os países do mundo.

    Apesar dos enormes desafios, existem também muitos casos de sucesso no processo de perpetuar uma empresa geração após geração. Há diversos exemplos de sociedades que passaram de casal para pais e filhos, assim como sociedades de irmãos que viraram sociedades de primos, só para citar alguns casos em que todos podem passar a desfrutar dos benefícios da empresa familiar com maior comprometimento, visão de longo prazo, identificação com os valores e agilidade na tomada de decisões. 
    É importante ressaltar, ainda, que existe um período apropriado para implantar algumas mudanças na empresa rural familiar, e esse momento deve acontecer preferencialmente com a presença dos fundadores ou na sociedade de irmãos, pois existe um ditado que é verificado na prática: “irmãos são muito mais irmãos que sócios, primos são muito mais sócios que primos”. 
    Assim sendo, quanto mais claras forem as regras da empresa familiar, a separação dos papéis de sócios e gestores, a transparência quanto aos números e abertura para comunicação efetiva, bem como órgão de governança bem definidos e funcionais, maior será o nível de governança e mais preparada a empresa estará para a continuidade.
    Numa sucessão bem planejada, as alternativas devem dar segurança e manter o poder aos donos do patrimônio de forma vitalícia, ser eficiente do ponto de vista tributário e do negócio, buscar somar a experiência dos mais velhos com a energia e vontade de crescer dos mais novos, sem ruptura, sempre buscando a harmonia familiar.
    Um empresário do setor sementeiro, que construiu ou desenvolveu o seu negócio e planeja a sucessão deve se orgulhar de haver quem queira dar continuidade à trajetória de sucesso semeada lá atrás e cultivada com muita dedicação, esforço e persistência.


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