As sementes do Brasil

Da Colônia aos 61 anos do período republicano

Edição I | Zero - Jul . 1997
Clovis Terra Wetzel-diretoria@seednews.inf.br

    Depois de 31 anos de abandono, entre a descoberta e a chegada da expedição de Martin Afonso de Souza, quando a única exploração da terra desconhecida era a do pau-brasil, começariam a ser tomadas as primeiras medidas para implantar a agricultura no Brasil, como instrumento colonizador, porém com objetivo mercantilista. Nestas circunstâncias foi dado início à empresa agrícola brasileira, transformando a Colônia numa economia complementar, cujo produto seria destinado ao mercado internacional. 
    O período colonial que terminou em 1815, quando da elevação do Brasil à condição de Reino Unido de Portugal e Algarve, foi marcado pela implantação . das culturas da cana-de-açúcar e café e pela extração de ouro e diamante que, do século XVI a XVII, constituíram a base econômica da Colônia. 
    Num ambiente que não dava lugar ao pequeno agricultor, em geral usuário de sementes de muitas espécies, a grande empresa agrícola brasileira iniciou-se com duas culturas: cana-de-açúcar e café, propagadas por mudas. A primeira não depende de sementes e a segunda, de muito poucas. 
    A introdução de plantas de muitas espécies, através de sementes e outras estruturas de propagação, aconteceu intensa e continuamente, de 1530 até a chegada ao Brasil de D. João VI, sua família e a Corte portuguesa, em 1808. Tais introduções provieram de Portugal, de outros países europeus, da África e das Índias que, no conjunto, forma hoje grande parte do acervo do germoplasma exótico brasileiro. Como em outras partes do mundo onde ocorreu o processo colonizador por portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses e outros, o desenvolvimento da agricultura brasileira, na época colonial, baseou-se no sistema denominado de plantations, que conjugava a exploração da terra à força escrava de trabalho não remunerado, ainda que de alto custo. Os produtos agrícolas, como outras mercadorias como ouro, diamante, pedras preciosas e semipreciosas, passavam à metrópole, onde reis e a burguesia faziam-nos circular no mercado internacional. 
    Em benefício da mono cultura, sob aplantation system, a agricultura diversificada foi deixada de lado. A alimentação humana era provida pela mandioca e outras plantas utilizadas pelos índios, propagadas vegetativamente; pela caça e pesca, abundantes, complementadas pelos gêneros vindos de Portugal (com a abertura dos portos brasileiros a Inglaterra passou a exportar trigo para o Brasil e manufaturados, já que era proibido o estabelecimento de fábricas na Colônia). 
    As grandes empresas agrícolas portuguesas no Brasil (mesmo operadas por particulares eram obrigadas a vender o produto para Portugal e dele comprar gêneros alimentícios e outros, bem como manufaturados, impedindo a diversificação da lavoura) estavam inicialmente localizadas no Maranhão e na Bahia, espraiando-se para outros estados nordestinos, inclusive transformando Pernambuco num grande centro açucareiro. Do “Norte”, as empresas migraram para o “Centro-Sul”- para o Rio de Janeiro e, posteriormente, para São Paulo, ramificando- se para territórios limítrofes de outros estados vizinhos, até o Paraná, ao tempo que antecedeu o Brasil República. A transferência da importância da lavoura de cana, do Nordeste para o eixo Rio-São Paulo, ocorreu como um fato histórico significativo por ter promovido também a migração econômica, política e de escravos, na direção norte-sul, onde viria a expandir-se a cultura do café. 

    "Começou em 1530 a introdução de espécies exóticas no Brasil, procedentes de Portugal, Africa e das Índias" 
 
    Este viria substituir, no mercado, o açúcar de cana, sobrepujado pelo de beterraba produzido na Europa e Estados Unidos. A proibição do tráfico de escravos, imposta pelos ingleses, e a imigração de colonos europeus para o Brasil, bem como a integração do mercado internacional e o crescente consumo interno dos produtos agrícolas provocaram grandes mudanças na agricultura brasileira, com o surgimento das pequenas lavouras de cereais e de outras espécies desconhecidas no período colonial e com reflexos na necessidade de sementes. 
    Os extremos do território nacional, a região amazônica e a sul, despovoadas, não participaram diretamente do processo colonizador via agricultura. O acesso difícil, as condições gerais não atrativas para a agricultura (o povoamento da Amazônia haveria de se processar com base no extrativismo vegetal, onde a seringueira nativa - independente da produção de sementes - jogaria um papel fundamental na riqueza regional) e a barreira imposta pelo clima tropical úmido, dificultaram a fixação do homem europeu na região Norte, não constituindo motivo de preocupação de segurança e domínio, por parte da metrópole. Os portugueses fizeram povoar o sul do Brasil por meio da criação de gado, uma vez que o clima temperado naquela região não favorecia o cultivo da cana. Portanto, os extremos norte e sul do Brasil pelos tipos de exploração então praticados não dependeram da utilização de sementes. 
    As importações de sementes e mudas de cana, café, algodão e fumo, das ilhas da Madeira e dos Açores, da África e das Índias, e a produção de sementes e mudas das chamadas lavouras de subsistência, cereais e outras, não mereceram atenção da metrópole no período colonial. 



    O período imperial iniciado com o regente de Portugal (1815), D. João VI, no Brasil desde 1808, constitui-se rico de eventos de grande interesse para a economia local, como a abertura dos portos às nações amigas e, em particular, ao desenvolvimento, ao ensino e à pesquisa agrícola. 
    O Imperial Instituto Baiano de Agricultura, criado em 1859, teve como atribuição, além do trabalho de fomento e pesquisa com as culturas de cana, fumo, mandioca, trigo, cacau e algodão, a distribuição de sementes. Em 1860 foi criado no Rio de Janeiro o instituto congênere ao da Bahia, incluindo, além daquelas atribuições, a distribuição de sementes e de mudas de fruteiras. Neste mesmo ano foi criado o Ministério da Agricultura que, entretanto, teve uma vida efêmera, sendo extinto em 1892 e passando suas atribuições ao Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. 
    A criação de uma Escola de Agronomia na Bahia, em Cruz das Almas, por D. Pedro II, em 1877,e da Escola de Agronomia Eliseu Maciel, em 1883, em Pelotas (RS), indicam a preocupação do Império com o ensino da agricultura, a prestação de serviços relevantes à comunidade e a formação de umaelite de professores e pesquisadores. 
 
 "O Governo imperial criou entre 1860 e 1887 as instituições básicas para desenvolver a agricultura do Brasil" 
 
    Em 1887 foi criada a Sociedade Nacional de Agricultura, SNA, no Rio de Janeiro, que desenvolveria atividades de pesquisa em campos experimentais e promoveria a produção de sementes, utilizando inclusive o sistema hoje conhecido como de troca-troca, que consistia da entrega de sementes aos agricultores com o compromisso de que estes desenvolvessem parte de sua produção para posterior redistribuição. No mesmo ano foi criada a Imperial Estação Agronômica de Campinas, em São Paulo, e transformada, em 1892, no atual Instituto Agronômico de Campinas, IAC, que abre um período de realização de pesquisas avançadas na área agrícola. 
    Entre 1860 e 1887, o Governo Imperial do Brasil criou os primeiros pilares institucionais necessários à implementação do desenvolvimento, pesquisa e ensino agrícola, assim como para a realização da produção e distribuição governamental de sementes e mudas. 
    Um outro elemento sempre considerado como transformador da agricultura brasileira foi a Imigração Européia do Século XX, que esteve intimamente ligado à questão da escravidão nas Américas, mormente no Brasil, nas épocas da Colônia, do Império e, em parte, da República. Primeiro o povoamento ocorria por conta de um fluxo migratório espontâneo de colonos de origem portuguesa. 
    Depois a imigração passou a ser promovida e até privilegiada por uma política deliberada por parte do Governo, em especial para o exercício do povoamento com os fins políticos e militares, e em particular, para a obtenção de mão-de-obra. 
    No último quartel do Século XIX teriam aportado ao Brasil algo em torno de 518.000 imigrantes. Este contingente, acrescido pelas entradas anteriores e avaliado no total em quase um milhão de pessoas, era formado de meeiros, assalariados e proprietários de terra. No início do Século XX, viriam promover a diversificação da agricultura. 
    Eles cultivavam o algodão, anil, arroz, batata, feijão, fumo, milho, soja e trigo e iniciaram também a produção de frutas tropicais, de clima temperado, e de hortaliças. Surgiram em pequenas lavouras ao lado das grandes, as antigas de cana de açúcar e as novas de café. Assim, criava-se a necessidade de sementes, dentro do processo agrícola brasileiro, no qual a imigração européia teve um papel de relevância. 
    O Período Republicano considerado neste artigo entre os anos de 1889 e 1959, caracterizou- se por forte intervenção governamental, federal e estadual, na área de sementes, prevalecente até o início da participação das iniciativas privadas na produção, distribuição e no comércio de sementes de várias culturas. O processo evolutivo assinala as três primeiras décadas dos anos 1900, com a surpreendente criação de seis escolas de agricultura: Escola Superior de Agricultura de Lavras, Escola Agrícola Prática “Luiz de Queiroz”, Agricultura e Veterinária do Rio de Janeiro; Centro de Ciências Agrárias do Ceará, Universidade Federal de Viçosa, Centro de Ciências Agrárias da Paraíba. As escolas referenciadas acima, criadas entre 1901 e 1934, com as Escolas de Agronomia criadas no século anterior, vieram a formar o núcleo dos principais centros de ciências agrárias hoje existentes no País. 
    Com o tempo, a maioria dessas faculdades assumiria importante papel na formação de recursos humanos brasileiros de sementes, sem o qual não poderia o país ter chegado ao atual estágio de desenvolvimento do setor, O ano de 1909 marca a recriação do Ministério da Agricultura (MA), que viria a assumir o desenvolvimento da pesquisa agrícola nacional em algumas estações experimentais, anteriormente conduzida pela Sociedade Nacional de Agricultura e o IAC. 
    A partir da década de 30, a pesquisa agrícola cobria praticamente todo o território nacional. Nos anos 40, o MA haveria de reforçar a sua estrutura física, dotando-a de verbas vultuosas para o desenvolvimento que estava a exigir a demanda agropecuária. Todas as ações foram descentralizadas e, no caso da pesquisa, foram criados cinco institutos regionais que coordenaram uma extensa rede de estações experimentais. 
    Na década de 50, a maioria dos estados estava organizada para a realização de pesquisas, ao nível de suas respectivas áreas de jurisdição, seguindo o modelo de São Paulo (TAC, 1887). A rede federal e estadual de pesquisa, seguindo os objetivos tracados, promoveu a introdução e a criação de um grande número de cultivares das principais culturas, paralelamente a geração de outras tecnologias que viriam a alavancar a produtividade agrícola, a partir da década de 30. 




    De relatórios do Ministério da Agricultura(MA) foi contabi lizada a distribuição de 79.104 toneladas de sementes, entre os anos 1903 e 1955, das quais 86,9% teriam sido produzidas. pelo MA, 12,6% nos Campos de Sementes e 0,6% pela Sociedade Nacional de Agricultura. Das 9.941 toneladas produzidas em oito Campos de Sementes (São Simão, Lorena, Arthur Bernardes, SP - Deodoro, Resende - RJ, Sete Lagoas, MG - Itajaí, SC, Espírito Santo - não identificado), 87,8% foram distribuídas por essas bases físicas situadas no Estado de São Paulo. 

    "A rede federal e estadual de pesquisa promoveu a introdução e criação de muitas cultivares das principais culturas" 
 
    Antes que a pesquisa lançasse as primeiras cultivares brasileiras, as Inspetorias Agrícolas do MA organizaram, em vários estados, a partir de 1925, os “Concursos de Sementes de Cereais e Grãos de Leguminosas”, Estes eventos consistiam em exposições de amostras de sementes, tubérculos, bulbos e frutos de plantas cultivadas pelos colonos, onde os melhores materiais eram premiados e adquiridos pelo MA que os multiplicavam para redistribuição entre outros agricultores. Eram as primeiras ações de prover os agricultores com “sementes mais homogêneas de maior valor agrícola e comercial”, Há 70 anos o MÃ já dava grande importância ao valor agronômico das sementes na agricultura. 
    Além da produção de sementes nos Campos de Sementes, criados nos anos 1900's,o MA produzia sementes (e mudas em alguns locais), anos 40 e 50, em bases físicas denominadas Postos Agropecuários, nas sedes e nas estações experimentais dos cinco institutos regionais de pesquisa, espalhados por todo o País. 
    Com exceção das sementes híbridas de milho, de espécie forrageiras, de batatas e de hor- 'taliças importadas, e em mãos do setor privado, o sistema governamental era o único provedor de sementes, no Brasil, na sua maior parte, pelo menos até o final dos anos 50. 
    Ao pioneirismo do Ministério da Agricultura na produção e distribuição de sementes, associaram- se vários estados, como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco, Ceará, inicialmente. Cumpre, pelo seu maior desenvolvimento na área de sementes, citar alguns eventos que tiveram lugar no Estado de São Paulo: em 1934 foi instituído o monopólio da distribuição de sementes de algodão. Em 1936, o Estado decretou a fiscalização do comércio de sementes, instituindo o registro de produtores e comerciantes de sementes; em 1940 foi instalado o Serviço de Certificação de Batata-Semente, junto ao Instituto Biológico, que já vinha fazendo o controle sanitário da importação desses insumos, de outros países. 
    Em 1942 a Secretaria da Agricultura de São Paulo aglutinou todos os serviços estaduais de sementes, integrando-os na Divisão de Fomento Agrícola que, posteriormente, passaria a constituir a famosa DSM-Divisão de Sementes e Mudas, em 1959, a qual passaria a constituir um super órgão, com uma verba operacional maior do que a atribuída à pesquisa realizada pelo IAC. 

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