A aplicação da Lei de Proteção de Cultivares
(LPC) faz emergir um novo mercado no setor agrícola brasileiro. Trata-se do
mercado de royalties, originado na venda de cultivares protegidas pela LPC, que
faz com que as sementes possam ser produzidas e comercializadas pela entidade
criadora ou repassadas a terceiros, para a exploração comercial do respectivo
insumo. O repasse constituirá o licenciamento da cultivar aos produtores de
sementes, visando a produção e venda aos agricultores e a obtenção de royalties.
Esse novo mercado irá se estruturando à
medida em que as entidades criadoras de cultivares forem obtendo os
certificados de proteção para esses materiais junto ao Serviço Nacional de Proteção
de Cultivares, instituído pelo Ministério da Agricultura.
A lógica da LPC é que a comercialização das
sementes de cultivares protegidas faça retornar aos seus criadores uma certa
percentagem monetária sobre o valor das vendas realizadas. Será o royalty daquelas
cultivares. Ou seja, o royalty vai ser embutido no preço das sementes. Em
troca, os agricultores vão dispor, cada vez mais, de melhores cultivares para plantio,
face à competição que certamente se estabelecerá entre as entidades de
melhoramento.
Em outras palavras, a lógica da LPC, neste
particular, é de promover as condições para a realização de investimentos
privados nesta área onde, no caso brasileiro, predomina a aplicação de verbas
governamentais.
Teoricamente, o royalty obtido através da
venda das sementes ”protegidas”, realimentaria o processo de melhoramento,
estimulando os investimentos do setor privado neste novo tipo de negócio.
Para competir, as empresas precisarão lançar
cultivares cada vez melhores. A possibilidade de retorno de royalties pelo uso
de sementes de cultivares transgênicas, pode, por sua vez, produzir efeitos
diversos. Por exemplo, no caso da prometida soja resistente a herbicidas,
aumentaria o uso desse produto, o que, entretanto, poderia redundar no
barateamento do controle de ervas daninhas na lavoura, com um aumento de
produção física por unidade de área. Assim, um incremento de produtividade em escala
apreciável pode levar a um aumento da renda líquida do agricultor.
A soja constitui a principal fatia no mercado de sementes do país.
Entretanto, levando em conta as taxas
relativamente baixas atribuídas ao royalty em vários países, uma cultivar só
poderá dar retorno ao seu criador se obtiver a adoção de grande número de
agricultores, o que significaria a venda de grandes volumes de semente. Isto
implicaria na intensificação do marketing em sementes, com foco na cultivar.
Mas é bom lembrar que para os agricultores o
pagamento de royalties sobre sementes de cultivares protegidas não é totalmente
compulsório, uma vez que ele poderá usar sementes de cultivares não-protegidas
- em princípio mais baratas - e/ou continuar fazendo a sua própria semente de
cultivares protegidas, ao custo de grão.
O arcabouço legislativo sobre sementes que se
desenha no Brasil, complementa-se com uma nova lei de sementes e mudas, a partir
de um projeto que está no Congresso, de autoria do Senador Jonas Pinheiro, e
outro do Ministério da Agricultura, prestes a ser encaminhado pelo Executivo ao
Congresso Nacional. A proposta que for aprovada substituiria a atual Lei de
Sementes e Mudas, que dispõe sobre a inspeção da produção e a fiscalização do
comércio de sementes e mudas. Seriam duas as principais mudanças: flexibilização
da inspeção da produção e maior ênfase no controle do comércio de sementes.
Paralelamente, darse- ia um prazo de cinco anos para a extinção do Sistema de Produção
de Sementes Fiscalizadas. O pressuposto dessa extinção é de que estimularia a
produção de sementes certificadas, condição considerada necessária para o
intercâmbio comercial desse insumo no âmbito dos países do Mercosul.
Em resumo, apresenta-se o seguinte cenário: a
LPC insere um novo custo para os agricultores na compra de sementes de
cultivares protegidas, via royalty; a Portaria que extingue a recomendação de
cultivares para plantio, pelas comissões regionais mistas de pesquisadores, faz
com que as entidades lançadoras assumam esta responsabilidade e, assim, entrem
na linha do pressuposto do Código de Defesa do Consumidor.
De outra parte, a atual lei de sementes e
mudas ou a sua eventual substituta tem a ver com a qualidade da semente, e a
LPC, com a propriedade e o uso da cultivar. Esta estruturação legal beneficia o
consumidor mais imediato das sementes, que são os agricultores, que desfrutam
de maior opção de escolha de cultivares, como fruto da competição no mercado.
As cultivares que se mantiverem na
preferência dos agricultores e ocupando grandes áreas de plantio, por três ou
cinco anos, poderão proporcionar retorno do investimento realizado na sua
criação, via royalties, o que seria difícil com a simples venda de suas
sementes. Mas deve-se reconhecer que não é fácil estimar o real potencial do mercado
de royalties, uma vez que sua expansão depende de vários fatores, a começar
pelo número de cultivares a serem protegidas por ano.
O que se pergunta é até que ponto o novo
mercado de royalties, devido ao uso de sementes de cultivares protegidas,
poderá mudar o perfil da produção de sementes no País. E quais serão os seus
efeitos negativos e positivos?
Ainda que, no novo cenário, o negócio de
sementes tenha que passar por um processo de adaptação, espera-se que ocorra no
setor uma seqüência de eventos conjugados, benéficos à economia da agricultura.
Confira o que mudaria na produção de sementes:
• A agricultura ganharia com a prestação de
melhores serviços aos agricultores.
• A operacionalização de um sistema produtivo
mais complexo iria requerer um gerenciamento racional da produção e da
comercialização de sementes.
• A evolução do nível da produção/ comercialização
para patamares elevados implicaria no emprego de especialistas, tecnologias avançadas
e capital, adequados em disponibilidade e custo.
• A criação de cultivares, a produção, a
venda e a distribuição de sementes se tornariam uma atividade e um negócio para
profissionais, vindo a proporcionar qualidade e vantagens para os agricultores.
• Prevê-se que certas empresas que hoje
produzem e comercializam as suas próprias sementes, poderiam se tornar grandes e
bons produtores, com alta especialização, passando a terceiros, com melhores
condições no ramo, a comercialização do produto.
• Ou seja, inversamente, alguns produtores se
tornariam competentes na venda e distribuição de sementes, abandonando a
atividade de produção.
• A necessidade de obter rápido retorno dos
investimentos em pesquisa, realizados para desenvolver novas cultivares,
certamente influenciaria os produtores, via marketing, na maximização do uso de
sementes melhoradas, o que elevaria a atual média de produtividade por unidade de
área.
• Finalmente, estima-se que este cenário
promoveria uma oferta, sem precedentes, de cultivares com desempenho superior
ao que se observa agora, a custos relativamente baixos, em comparação a outros
insumos agrícolas, nem sempre tão decisivos na produtividade/ qualidade da
colheita.