Um Novo Cenário para Sementes

Edição II | 05 - Set . 1998
Clovis Terra Wetzel-diretoria@seednews.inf.br
    A aplicação da Lei de Proteção de Cultivares (LPC) faz emergir um novo mercado no setor agrícola brasileiro. Trata-se do mercado de royalties, originado na venda de cultivares protegidas pela LPC, que faz com que as sementes possam ser produzidas e comercializadas pela entidade criadora ou repassadas a terceiros, para a exploração comercial do respectivo insumo. O repasse constituirá o licenciamento da cultivar aos produtores de sementes, visando a produção e venda aos agricultores e a obtenção de royalties.
    Esse novo mercado irá se estruturando à medida em que as entidades criadoras de cultivares forem obtendo os certificados de proteção para esses materiais junto ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares, instituído pelo Ministério da Agricultura.
    A lógica da LPC é que a comercialização das sementes de cultivares protegidas faça retornar aos seus criadores uma certa percentagem monetária sobre o valor das vendas realizadas. Será o royalty daquelas cultivares. Ou seja, o royalty vai ser embutido no preço das sementes. Em troca, os agricultores vão dispor, cada vez mais, de melhores cultivares para plantio, face à competição que certamente se estabelecerá entre as entidades de melhoramento.
    Em outras palavras, a lógica da LPC, neste particular, é de promover as condições para a realização de investimentos privados nesta área onde, no caso brasileiro, predomina a aplicação de verbas governamentais.
    Teoricamente, o royalty obtido através da venda das sementes ”protegidas”, realimentaria o processo de melhoramento, estimulando os investimentos do setor privado neste novo tipo de negócio.
    Para competir, as empresas precisarão lançar cultivares cada vez melhores. A possibilidade de retorno de royalties pelo uso de sementes de cultivares transgênicas, pode, por sua vez, produzir efeitos diversos. Por exemplo, no caso da prometida soja resistente a herbicidas, aumentaria o uso desse produto, o que, entretanto, poderia redundar no barateamento do controle de ervas daninhas na lavoura, com um aumento de produção física por unidade de área. Assim, um incremento de produtividade em escala apreciável pode levar a um aumento da renda líquida do agricultor.


A soja constitui a principal fatia no mercado de sementes do país.
 
    Entretanto, levando em conta as taxas relativamente baixas atribuídas ao royalty em vários países, uma cultivar só poderá dar retorno ao seu criador se obtiver a adoção de grande número de agricultores, o que significaria a venda de grandes volumes de semente. Isto implicaria na intensificação do marketing em sementes, com foco na cultivar.
    Mas é bom lembrar que para os agricultores o pagamento de royalties sobre sementes de cultivares protegidas não é totalmente compulsório, uma vez que ele poderá usar sementes de cultivares não-protegidas - em princípio mais baratas - e/ou continuar fazendo a sua própria semente de cultivares protegidas, ao custo de grão.
    O arcabouço legislativo sobre sementes que se desenha no Brasil, complementa-se com uma nova lei de sementes e mudas, a partir de um projeto que está no Congresso, de autoria do Senador Jonas Pinheiro, e outro do Ministério da Agricultura, prestes a ser encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional. A proposta que for aprovada substituiria a atual Lei de Sementes e Mudas, que dispõe sobre a inspeção da produção e a fiscalização do comércio de sementes e mudas. Seriam duas as principais mudanças: flexibilização da inspeção da produção e maior ênfase no controle do comércio de sementes. Paralelamente, darse- ia um prazo de cinco anos para a extinção do Sistema de Produção de Sementes Fiscalizadas. O pressuposto dessa extinção é de que estimularia a produção de sementes certificadas, condição considerada necessária para o intercâmbio comercial desse insumo no âmbito dos países do Mercosul.
    Em resumo, apresenta-se o seguinte cenário: a LPC insere um novo custo para os agricultores na compra de sementes de cultivares protegidas, via royalty; a Portaria que extingue a recomendação de cultivares para plantio, pelas comissões regionais mistas de pesquisadores, faz com que as entidades lançadoras assumam esta responsabilidade e, assim, entrem na linha do pressuposto do Código de Defesa do Consumidor.
    De outra parte, a atual lei de sementes e mudas ou a sua eventual substituta tem a ver com a qualidade da semente, e a LPC, com a propriedade e o uso da cultivar. Esta estruturação legal beneficia o consumidor mais imediato das sementes, que são os agricultores, que desfrutam de maior opção de escolha de cultivares, como fruto da competição no mercado.
    As cultivares que se mantiverem na preferência dos agricultores e ocupando grandes áreas de plantio, por três ou cinco anos, poderão proporcionar retorno do investimento realizado na sua criação, via royalties, o que seria difícil com a simples venda de suas sementes. Mas deve-se reconhecer que não é fácil estimar o real potencial do mercado de royalties, uma vez que sua expansão depende de vários fatores, a começar pelo número de cultivares a serem protegidas por ano.
    O que se pergunta é até que ponto o novo mercado de royalties, devido ao uso de sementes de cultivares protegidas, poderá mudar o perfil da produção de sementes no País. E quais serão os seus efeitos negativos e positivos?
    Ainda que, no novo cenário, o negócio de sementes tenha que passar por um processo de adaptação, espera-se que ocorra no setor uma seqüência de eventos conjugados, benéficos à economia da agricultura.     Confira o que mudaria na produção de sementes:
• A agricultura ganharia com a prestação de melhores serviços aos agricultores.
• A operacionalização de um sistema produtivo mais complexo iria requerer um gerenciamento racional da produção e da comercialização de sementes.
• A evolução do nível da produção/ comercialização para patamares elevados implicaria no emprego de especialistas, tecnologias avançadas e capital, adequados em disponibilidade e custo.
• A criação de cultivares, a produção, a venda e a distribuição de sementes se tornariam uma atividade e um negócio para profissionais, vindo a proporcionar qualidade e vantagens para os agricultores.
• Prevê-se que certas empresas que hoje produzem e comercializam as suas próprias sementes, poderiam se tornar grandes e bons produtores, com alta especialização, passando a terceiros, com melhores condições no ramo, a comercialização do produto.
• Ou seja, inversamente, alguns produtores se tornariam competentes na venda e distribuição de sementes, abandonando a atividade de produção.
• A necessidade de obter rápido retorno dos investimentos em pesquisa, realizados para desenvolver novas cultivares, certamente influenciaria os produtores, via marketing, na maximização do uso de sementes melhoradas, o que elevaria a atual média de produtividade por unidade de área.
• Finalmente, estima-se que este cenário promoveria uma oferta, sem precedentes, de cultivares com desempenho superior ao que se observa agora, a custos relativamente baixos, em comparação a outros insumos agrícolas, nem sempre tão decisivos na produtividade/ qualidade da colheita.

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