O Surgimento das Plantas Transgênicas

Edição II | 05 - Set . 1998
Antonio Costa de Oliveira-acosta@ufpel.edu.br
   Deve ter sido em uma idade muito precoce que eu decidi me tornar um cientista. Mas, encontrei um obstáculo. Quando eu crescesse - e quão longe isto parecia estar ! - tudo teria sido descoberto. Eu confessei este medo à minha mãe, que me tranqüilizou. Não se preocupe, querido, ela disse. Ainda existirão muitas coisas para você descobrir”. (Francis Crick, descobridor da estrutura do DNA)
 
    A ciência da genética é uma das que mais cresce em volume de conhecimento no mundo. Pouco a pouco, desde a descoberta da estrutura do DNA por Watson & Crick, em 1953, vamos entendendo o que são os genes, onde eles estão, o que eles fazem e como e porque são controlados. Porém, para compreender como chegamos ao conhecimento atual, e o papel das plantas transgênicas no cenário agrícola, precisamos voltar um pouco no tempo.
   A agricultura tem sido palco de grandes revoluções tecnológicas e biológicas. A descoberta dos fertilizantes químicos, no final do século passado, aliada à mecanização, permitiu a rápida expansão das fronteiras agrícolas. As modificações biológicas surgiram da aplicação de conhecimentos de genética à então empírica arte de se fazer melhoramento de plantas, sendo que uma das maiores contribuições desta nova ciência, neste século, foi a descoberta da heterose ou vigor híbrido e, com ela, a produção de milho híbrido.

 
O desenvolvimento inicial da futura planta requer ambiente e nutrição controlada.
 
    Posteriormente, com a descoberta e transferência de genes via cruzamento de cultivares anãs de trigo japonesas com cultivares ocidentais, a chamada revolução verde permitiu um grande avanço dos patamares de produtividade, que se estendeu para diversos cereais. Entretanto, a ocupação de extensas áreas com uma mesma cultivar provocou um aumento nas pragas e doenças, que precisaram então ser controladas quimicamente. Esta situação levou os pesquisadores a procurar fontes de resistência e a constatar que, com a substituição de pequenas lavouras por grandes, uma perda considerável de recursos genéticos, ou seja, a extinção de cultivares locais com genes de resistência à doenças, estava ocorrendo. Um movimento mundial de conservação de recursos genéticos teve início e formaram-se diversos bancos de armazenamento de materiais genéticos, denominados bancos de germoplasma.
    Nos anos 50, além da estrutura do DNA, o código genético foi descoberto, confirmando- se a hipótese da colinearidade – uma correspondência de bases do DNA com aminoácidos e, conseqüentemente, peptídeos ou proteínas. A partir da década de 60, a atenção voltouse para os microrganismos, que pareciam ser mais frutíferos que a mosca das frutas (Drosophila melanogaster) e estudos envolvendo vírus bacteriófagos e bactérias levaram à descoberta de enzimas de restrição e metilação do DNA. Estas enzimas, purificadas, permitiram cortar o DNA em locais específicos, e com isso separar pedaços para estudos isolados. Esta manipulação levou à clonagem de seqüências de DNA. Para isto, um fragmento de DNA de qualquer espécie (geralmente um gene) é incorporado em um plasmídeo que irá “transformar” um hospedeiro, muitas vezes a bactéria Escherichia col . Este plasmídeo, uma vez dentro da bactéria, multiplica-se, amplificando o seu número de cópias e, junto, o DNA estranho. Com esta técnica, conseguiu-se multiplicar qualquer gene que se tivesse isolado, com resultados bastante significativos. Um dos exemplos mais importantes é a produção da insulina humana a partir de bactérias, já há alguns anos no mercado.  

SEGURANÇA ALIMENTÍCIA PARA O MUNDO
              
    Ao final do século XVII, Camerarius mostrou o comportamento sexual das plantas superiores. Pouco depois, em 1717, Fairchild conseguiu realizar o primeiro cruzamento artificial, obtendo assim o primeiro híbrido do reino vegetal. Por volta de 1800, Knigth começa a usar a hibridação como um método prático para o melhoramento de hortaliças e frutas. Porém a contribuição decisiva para o conhecimento dos fenômenos da herança e variação nas plantas foi dada por Mendel, em 1866, apesar de ser reconhecida em 1900, quando foi redescoberta.
   Sem embargo, o aporte de Mendel foi o elemento fundamental para o desenvolvimento do fitomelhoramento, no decorrer do século XX. É impossível resumir as contribuições que estes agrônomos, fitomelhoradores, produtores de sementes e agricultores em geral deram, ao longo dos séculos, ao desenvolvimento deste setor e especialmente à segurança alimentícia global, tanto nos países desenvolvidos como nas nações em desenvolvimento. Como conseqüência desses trabalhos de fitomelhoramento, se tem colocado ao alcance dos agricultores variedades mais produtivas, resistentes a estresse e condições climatológicas adversas e aos agentes patógenos, e, ao mesmo tempo, mais adequadas às exigências dos consumidores, de melhor qualidade e de maiores rendimentos, para assim poder alimentar a população mundial, que aumenta sem cessar.
    Os constantes progressos do fitomelhoramento têm contado com um inigualável elemento de transmissão do potencial produtivo, altamente eficiente e fundamental, tanto para o agricultor como para a transferência de tecnologias, que é a semente.
    A produção e o abastecimento de sementes de variedades superiores, no momento oportuno, em quantidades suficientes e a preços razoáveis, é uma atividade que interessa a todos os agricultores do mundo, como usuários obrigatórios deste insumo primário; porém, preocupa também os produtores de sementes, os fitomelhoradores, os extensionistas, os planificadores agrícolas e os políticos em geral. Tal transcendência das sementes nos dias atuais está na razão direta do seguinte fato: a agricultura é a principal fonte de alimento dos quase 6 bilhões de habitantes do planeta, e sua contribuição à segurança alimentícia global é decisiva.
   A moderna biotecnologia cultiva bactérias, leveduras e células vegetais e animais, cujo metabolismo e capacidade de biossíntese estão dirigidas à produção de substâncias específicas. Porém, graças a aplicação integrada dos conhecimentos das técnicas da bioquímica, da microbiologia, da genética e da engenharia química, permite aproveitar tecnologicamente as propriedades e possibilidades oferecidas pelos mesmos organismos e cultivos celulares, a partir de recursos renováveis e disponíveis em abundância.
 

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