Maturação de sementes

Edição V | 06 - Nov . 2001
Denise Cunha F. S. Dias-dcdias@ufv.br
   O desenvolvimento e a maturação das sementes são aspectos importantes a serem considerados na tecnologia de produção de sementes, pois entre os fatores que determinam a qualidade das sementes estão as condições de ambiente predominantes na fase de florescimento/frutificação e a colheita na época adequada. Portanto, o conhecimento de como se processa a maturação das sementes e dos principais fatores envolvidos é de fundamental importância para a orientação dos produtores de sementes, auxiliando no controle de qualidade, principalmente no que se refere ao planejamento e a definição da época ideal de colheita, visando qualidade e produtividade.
   
   O processo de maturação tem início logo após a polinização, que é o transporte do grão de pólen até o estigma (parte feminina) da flor. Ocorre então a fertilização, que nada mais é que a união do gameta masculino, liberado pelo pólen, com o gameta feminino que está localizado no óvulo. O óvulo, uma vez fecundado, se desenvolverá e originará a semente, que na maioria das espécies está contida no interior do fruto, o qual resulta do desenvolvimento do ovário da flor. A partir desta união de gametas, ocorre uma série de transformações morfológicas e fisiológicas que vão dar origem ao embrião, ao tecido de reserva e ao envoltório (casca) da semente. Assim, o processo de maturação inicia-se com a fertilização do óvulo e se estende até o ponto em que a semente atinge a maturidade fisiológica, isto é, quando cessa a transferência de nutrientes da planta para a semente.
   
   O acompanhamento do desenvolvimento das sementes é feito com base nas modificações que ocorrem em algumas características físicas e fisiológicas, como tamanho, teor de água, conteúdo de matéria seca acumulada, germinação e vigor.
   
   Após a fertilização, o tamanho da semente aumenta rapidamente, atingindo o máximo em curto período de tempo em relação à duração total do período de maturação. Este rápido crescimento é devido à multiplicação e ao desenvolvimento das células do embrião e do tecido de reserva. Após atingir o máximo, o tamanho vai diminuindo devido à perda de água pelas sementes e esta redução é variável com a espécie; em soja, por exemplo, é acentuada, enquanto que em milho é bem pequena.
   
   Paralelamente, os produtos formados nas folhas, pela fotossíntese, são encaminhados para a semente em formação, onde são transformados e aproveitados para a formação de novas células, tecidos e como futuro material de reserva. Na realidade, o que denominamos “matéria seca” da semente são as proteínas, açúcares, lipídios e outras substâncias que são acumuladas nas sementes durante o seu desenvolvimento. Logo após a fertilização, o acúmulo de matéria seca se processa de maneira lenta, pois as divisões celulares predominam, ou seja, está ocorrendo um aumento expressivo no número de células. Em seguida, verifica-se um aumento contínuo e rápido na matéria seca acompanhado por um aumento na germinação e no vigor, até atingir o máximo. Desse modo, pode-se afirmar que, em geral, a semente deve atingir a sua máxima qualidade fisiológica quando o conteúdo de matéria seca for máximo.

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   É importante observar que durante esta fase de intenso acúmulo de matéria seca, o teor de água da semente permanece alto, visto ser a água o veículo responsável pela translocação do material fotossintetizado da planta para a semente. Portanto, durante esta fase é primordial que haja adequada disponibilidade de água e de nutrientes no solo para que o “enchimento” das sementes seja satisfatório.
   
   Muitos estudos feitos com maturação de sementes de diversas espécies apontam o ponto de máximo conteúdo de matéria seca como o melhor e mais seguro indicativo de que as sementes atingiram a maturidade fisiológica. Assim, a maturidade fisiológica fica caracterizada como aquele ponto após o qual a semente não recebe mais nutrientes da planta mãe, cessando a conexão planta-semente. A partir daí, a semente permanece ligada à planta apenas fisicamente. É preciso ressaltar os cuidados com a semente neste ponto, visto que o conteúdo de reservas é máximo e o grau de umidade ainda é muito alto (variando de 30 a 50%, dependendo da espécie). Sementes de soja apresentam cerca de 50 a 55% de umidade nesta fase, enquanto as de milho de 35 a 40%. Assim, as reservas acumuladas podem ser consumidas pela respiração intensa da semente com grau de umidade tão elevado.
   
   Para minimizar este problema, a planta aciona mecanismos para promover rápida redução no teor de água das sementes. Como exemplo, pode-se citar a abertura dos capulhos de algodão, expondo as sementes ao ar e permitindo uma rápida queda no seu teor de água. É nesta fase que plantas de soja, feijão e milho começam a amarelecer, iniciando o processo de secagem no campo. Esta secagem natural é uma estratégia importante para a sobrevivência, já que à medida em que perde água, as reações metabólicas da semente vão diminuindo, de modo a evitar a sua germinação ainda no fruto, a preservar as reservas acumuladas e, consequentemente, a sua qualidade.
   
   Assim, a partir da maturidade fisiológica, o teor de água decresce rapidamente até um ponto em que começa a oscilar de acordo com a umidade relativa do ar, o que indica que a partir daí a planta mãe não exerce mais influência sobre a umidade das sementes. No entanto, é importante que as condições de ambiente permitam esta rápida desidratação das sementes. A ocorrência de chuvas prolongadas e alta umidade relativa do ar nesta ocasião retardarão o processo de secagem natural, comprometendo a qualidade das sementes, que estarão sujeitas à deterioração no campo. Sementes de soja, que apresentam 50-55% de umidade na maturidade fisiológica, em condições ambientais favoráveis, terão seu teor de água reduzido para 15-18% em uma semana.

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   Estas variações no teor de água no final da maturação são típicas de sementes de frutos que quando maduros apresentam-se desidratados, como ocorre com soja, feijão, milho, trigo, arroz e outros cereais. Sementes contidas em frutos carnosos geralmente não passam pela fase de rápida desidratação, nem sofrem grandes oscilações no seu teor de água em função da umidade relativa do ar. Neste caso, elas se mantêm com alto grau de umidade “protegidas” dentro do fruto.
   
   É importante ressaltar que, em condições de campo, a evolução de cada uma destas características não é fácil de ser monitorada e a fixação de uma data ou época para a ocorrência da maturidade fisiológica em função de eventos como semeadura, florescimento e frutificação pode apresentar diferenças para uma mesma espécie e cultivar em função das condições de clima, estado nutricional das plantas, dentre outros fatores. Portanto, torna-se interessante conhecer outros parâmetros que permitam detectar a maturidade fisiológica, correlacionando-a com características morfológicas da planta, dos frutos e/ou sementes.
   
   Por exemplo, para milho, uma característica que pode estar correlacionada à maturidade fisiológica é o desaparecimento de “linha de leite”. Outra característica de fácil identificação em campo é a formação de uma camada de cor negra na região de inserção da semente no sabugo. Esta camada escura nada mais é do que uma cicatriz desenvolvida a partir da paralisação do fluxo
de nutrientes da planta para a semente. Em outras gramíneas, como o trigo, aveia e arroz, a maturidade pode estar relacionada com mudanças da coloração verde para amarelada nas glumas e no pedicelo (pedúnculo que une a semente ao fruto). Em soja, a maturidade fisiológica pode ser caracterizada por: início da redução do tamanho das sementes, ausência de sementes verde-amareladas e hilo não apresentando mais a mesma coloração do tegumento.
   
   Para hortaliças de frutos carnosos, como pimentão e tomate, a maturidade das  sementes geralmente coincide com o início da mudança de coloração dos frutos, ou seja, frutos verdes com manchas avermelhadas. É importante destacar que nem sempre há necessidade de esperar pela maturação completa dos frutos para retirar as sementes. Muitas vezes, sementes provenientes de frutos ainda em maturação já atingiram a maturidade fisiológica. Um outro aspecto interessante e já comprovado é que a maturidade fisiológica das sementes se completa quando os frutos colhidos passam por um período de descanso ou repouso, que varia de 7 a 10 dias, em local fresco e ventilado, antes da extração das sementes. Neste caso, sementes imaturas ainda presentes no fruto completam o seu desenvolvimento, resultando em melhor qualidade fisiológica e maior rendimento.
   
   O reconhecimento prático da maturidade fisiológica tem grande importância, pois caracteriza o momento em que a semente deixa de receber nutrientes da planta, passando a sofrer influência do ambiente. Inicia-se então um período de armazenamento no campo, que pode comprometer a qualidade da semente, já ela que fica exposta às intempéries, o que se torna especialmente grave em regiões onde o final da maturação coincide com períodos chuvosos.
   
   Pelo exposto, conclui-se então que o ponto de maturidade fisiológica seria, teoricamente, o mais indicado para a colheita, pois representa o momento em que a qualidade da semente é máxima. Evidentemente, a colheita das sementes nesta fase se torna difícil, uma vez que a planta ainda apresenta grande quantidade de ramos e folhas verdes, o que dificultaria a colheita mecânica. Além disso, o alto teor de água ocasionaria danos mecânicos e haveria ainda a necessidade de utilização de um método rápido e eficiente de secagem, que na prática nem sempre é possível.
   
   Após estas considerações, fica claro que a colheita realizada por ocasião da maturidade fisiológica seria ideal, mas encontra uma série de problemas a serem contornados. Em virtude destas dificuldades, as sementes permanecem no campo até atingirem um nível de umidade adequado para a operação de colheita. Assim, o intervalo entre a maturidade e a colheita pode variar de alguns dias a várias semanas, sendo que, neste período, as condições climáticas nem sempre são favoráveis para a preservação da qualidade das sementes. As sementes ficam, então, sujeitas às flutuações diárias da umidade relativa do ar, o que pode causar deterioração. Este problema é agravado principalmente se tais condições estiverem associadas com temperaturas elevadas (acima de 25oC). A soja é uma espécie cujas sementes são bastante sensíveis a tais condições. Assim, quanto maior o atraso na colheita, maior é a probabilidade de ocorrência de deterioração no campo.  A presença de rugas nos cotilédones, na região oposta ao hilo, é um sintoma típico de deterioração por umidade no campo. Para minimizar este problema, as sementes devem ter o seu grau de umidade monitorado, para que sejam colhidas quando atingirem, pela primeira vez, umidade entre 16 e 18 % durante o processo natural de secagem no campo. A antecipação da colheita mediante o uso de produtos químicos dessecantes ou desfolhantes, como o paraquat, não tem sido recomendada como tentativa de se obter sementes de melhor qualidade.

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   Por outro lado, para milho, é possível se realizar a colheita próximo à maturidade fisiológica se houver a possibilidade de se realizar a colheita em espiga, que implica em uso de maquinário e secador adequados. Neste caso, as sementes podem ser colhidas mais úmidas, com até cerca de 35% de umidade, reduzindo-se os riscos da deterioração no campo e obtendo-se sementes de maior qualidade. Já a colheita à granel das sementes de milho deve ser feita quando estas apresentarem, no máximo, 24% de umidade. 
   
   Em espécies de crescimento indeterminado, como o algodão, a determinação da maturidade fisiológica bem como a colheita são mais problemáticas, pois o florescimento e a maturação das sementes ocorrem sucessivamente no tempo. Assim, as sementes dos capulhos localizados na parte inferior da planta completam a maturação bem antes do que aquelas dos capulhos da parte superior. Em função disto, até certo tempo atrás, a colheita das sementes era feita parceladamente, à medida que ocorria a abertura dos capulhos, de modo que a deterioração no campo limitava-se a poucas semanas. Atualmente, realiza-se uma única colheita mecânica, que normalmente é retardada até que a maioria dos capulhos estejam abertos. Isto implica na exposição das sementes à deterioração de campo por períodos variáveis. Para contornar este problema, as sementes devem ser produzidas em regiões onde a maturação coincida com a ocorrência de um período seco bem definido, minimizando os efeitos prejudiciais da deterioração. 
   
   Após todas estas considerações, fica claro que conhecer e entender o processo de desenvolvimento/maturação das sementes bem como as principais mudanças que ocorrem desde a sua formação até a maturidade fisiológica se constitui em importante suporte para que os problemas típicos desta fase da vida da semente possam ser contornados e as sementes colhidas apresentem elevado padrão de qualidade.
 
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