Não existe nada de graça

Edição VII | 02 - Mar . 2003
James Delouche-JCDelouche@aol.com
   Há algum tempo, como um marido bem educado que sou, perguntei a minha esposa se poderia passar um fim de semana com amigos na Louisiana para assistir a um jogo de basquete. Ela respondeu, da maneira razoável de uma esposa confiante da sua posição de comando: “Sim, vá e se divirta. Você merece. Então, no próximo fim de semana, podemos ir ao Alabama para fazer compras.” Resignei-me e respondi, “OK. Negócio fechado”. Mais tarde, refleti sobre mais esta prova da veracidade da expressão bastante utilizada no idioma americano: “não existe almoço grátis”.               
    Aprendemos, mesmo antes de nos tornarmos adultos, que, geralmente, existe um custo associado a cada benefício que obtemos, ou seja, não se consegue algo a troco de nada. Embora a linguagem “sem almoço de graça” seja utilizada mais frequentemente no cenário político, ela é aplicável a todas as áreas. A agricultura e a indústria de sementes, certamente, não são excessões a esta regra. Os agricultores aceitaram as cultivares geneticamente modificadas de algodão, soja e milho resistentes a vários espécies de insetos e a herbicidas porque o controle dos insetos pragas e das invasoras é mais seguro, mais simples e mais barato. Mas existem custos.               
    Os agricultores têm de abrir mão de um pouco da independência e liberdade que tinham sido um dos aspectos preciosos da agricultura: eles não podem mais guardar sementes de um ano para usar no outro e precisam permitir que os proprietários das cultivares geneticamente modificadas tenham acesso às suas propriedades para inspecioná- las. Existem mesmo maiores riscos e custos para ambos, os proprietários das cultivares e os agricultores que as utilizam. Os opositores da biotecnologia asseveram que o uso do Bt ou de outros genes para resistência a insetos e dos genes para resistência a herbicidas específicos pode resultar no desenvolvimento de raças resistentes de insetos e invasoras. Apesar de haver muito exagero na retórica da oposição à biotecnologia, não há dúvida de que, no futuro, vai prevalecer a regra do “não existe almoço de graça”.               
    Mesmo agora, a compra de sementes de cultivares de algodão Bt, por exemplo, requer que o agricultor concorde em seguir prescrições detalhadas destinadas a retardar o  desenvolvimento de resistência na população de insetos. No caso das variedades resistentes a herbicida, o grande risco é de que o caracter de resistência seja transferido aos parentes silvestres do cultivo, muitos dos quais são invasoras importantes. O arroz vermelho é uma importante invasora dos campos de produção de arroz cultivado, tendo ocorrido suficientes cruzamentos entre os dois tipos de arroz, de maneira a aparecerem tipos de arroz vermelho adaptados ao cultivo.        
       
   “Os piratas da propriedade intelectual, das cultivares protegidas ou patenteadas, imaginam que estão aproveitando um “almoço grátis”. E, realmente estão, em um sentido bastante limitado e autocentrado.”
                   
    Estão sendo utilizadas duas abordagens para o controle de invasoras em arroz com o uso de herbicidas:
 1) uso de variedades “convencionais” de arroz, desenvolvidas através de mutantes ocorrentes de forma natural, que sejam resistentes aos herbicidas imidazolinone de amplo espectro;
 2) variedades transgênicas desenvolvidas através da introdução de genes  exóticos que confiram resistência a herbicidas específicos.  
                 
    O grave risco em ambas abordagens é o desenvolvimento de tipos de arroz  vermelho resistentes a herbicidas. As empresas envolvidas nestas pesquisas reconhecem o risco e declaram que dariam as boas vindas ao desenvolvimento de variedades competitivas resistentes a herbicida, de forma que possam ser utilizadas em rotação para minimizar o desenvolvimento de arroz vermelho resistente a herbicida.               
    Os piratas da propriedade intelectual, das cultivares protegidas ou patenteadas, imaginam que estão aproveitando um “almoço grátis”. E, realmente estão, em um sentido bastante limitado e auto-centrado. Eles tiram proveito dos benefícios da cultivar sem os custos de royalties ou outras taxas. Porém, há um custo para todos os agricultores que querem usar uma cultivar protegida e adquirí-la da forma legítima: eles pagam um preço muito mais alto pelas sementes do que pagariam se não houvesse pirataria.               
    No futuro, contudo, o preço pode aumentar e chegar até mesmo aos “piratas”: os proprietários de cultivares protegidas podem preferir retirar as cultivares protegidas de determinadas regiões de um país, ou mesmo de um país inteiro, quando não houver proteção contra a pirataria de cultivares ou a legislação não estiver sendo cumprida. Então, todos os agricultores podem sofrer com a falta de acesso a cultivares mais econômicas e produtivas.
    Assim, existe um custo associado a maioria das coisas. Não existe “almoço grátis”. No decorrer da nossa vida, aprendemos a buscar coisas cujos benefícios ultrapassam os custos e evitar aquilo que tem custos maiores do que os benefícios. Passamos a aceitar completamente essa lição, assim como os compromissos e tratos que precisam ser firmados na sua implementação.
   Eu fiz isso. Diverti-me muito com meus amigos no jogo na Louisiana, mesmo meu time tendo perdido a partida, e sobrevivi, sem danos psicológicos e financeiros excessivos, a um dia e meio de compras no shopping.   

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