
Sementes na Clandestinidade
Edição VII | 02 - Mar . 2003 A
ocorrência de sementes de cultivares protegidas e transgênicas na clandestinidade
é uma anomalia que compõe um novo cenário no setor brasileiro de sementes, onde
o contraventor pode estar minando a economia do negócio de semente, tanto no
que se refere aos obtentores de novas cultivares, registradas como protegidas, quanto
aos bons produtores de semente, que investem na qualidade dos seus produtos,
seguindo a legislação pertinente, pagando impostos e tendo uma clientela a
zelar. Ocorre o mesmo efeito através da produção e comercialização de sementes
de cultivares, variedades ou materiais de plantio geneticamente modificados –
as transgênicas.

Os
contraventores povoam vários setores no Brasil. É um país que, ainda que seja
formulador de leis, não as aplica. O Governo tem dificuldade em fiscalizar, a
não ser os contribuintes, para garantir a arrecadação de impostos. É o que
acontece também no setor de sementes. Entretanto, com o advento de um novo
governo, predestinado a reformular as práticas e os costumes, que prega a
transformação social e as mudanças, surgem esperanças de eliminar ou reduzir a
contravenção. O propósito desse artigo é o de examinar alguns pontos que, por
um lado, beneficiam a agricultura, a agroindústria e aos consumidores, e por
outro, causam perdas econômicas e sociais – sementes de cultivares protegidas e
transgênicas, na clandestinidade.
Cultivares
protegidas – Após cinco anos
de vigência da Lei de Proteção de Cultivares-LPC , cresceram os investimentos –
especialmente privados - em melhoramento para a criação de novas cultivares. Conforme
a última listagem emitida pelo Ministério da Agricultura (20.01.03), foram registradas
397 cultivares, como protegidas, no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares
(SNPC), das quais 65% eram de obtentores nacionais e 35% de estrangeiros, que
perfaziam um total de 53 detentores dos direitos de propriedade intelectual
sobre estes materiais de plantio.
Na safra
2000/01 foram produzidas 226.579 toneladas de sementes, ou 26% do total de
sementes produzidas, de 55 cultivares protegidas (11% do total). Mas não se sabe
qual a quantidade, além do volume citado, de sementes de cultivares protegidas
que teriam sido produzidas e comercializadas clandestinamente. Segundo o
noticiário da imprensa (vide Seed News, edições de Jul/Ago/02 e Jan/Fev/03),
grandes quantidades de sementes de cultivares protegidas são produzidas
ilegalmente, isto é, sem a autorização do proprietário, o que não é permitido
pela LPC e estão sendo comercializadas, clandestina e abertamente. São as chamadas sementes piratas. E aí vem a
pergunta: o Ministério da Agricultura, como entidade normativa e fiscalizadora,
em todo o território nacional, não tem condições de reprimir essa contravenção?
Cultivares
transgênicas – Também são
correntes nos meios sementeiros os comentários sobre o plantio proibido de
cultivares transgênicas ou geneticamente modificadas, no Brasil, como uma
contravenção, portanto, tirando parcelas do mercado organizado de sementes de
cultivares convencionais – recomendadas, produzidas e comercializadas, segundo
os ditames da legislação em vigor. Avaliações esparsas dão conta que o Rio
Grande do Sul é o paraíso da produção da soja RR, que do Sul, se espalhou para
vários estados, o que é caracterizado como um desrespeito à ordem jurídica
estabelecida.
E então,
neste cenário, quem fiscaliza a produção, comercialização e a destinação da
soja transgênica? Quem é o responsável pelas perdas dos produtores de sementes,
ao deixarem de vender o produto legal? E quem responde por possíveis situações de
risco enfrentadas pelos agricultores, ao plantarem sementes de cultivares
transgênicas, não devidamente testadas em determinadas regiões ou sob condições
específicas.
Considerações
finais – Diante do quadro
de impunidade, quanto à produção, comercialização e ao uso indevido de
cultivares protegidas e transgênicas, no Brasil, parece oportuno tecer algumas
considerações finais:
a) Ainda que não existam dados comprobatórios dos montantes de sementes ilegais,
que estão sendo produzidas e comercializadas, no País, avalia-se que os
prejuízos ao setor privado, provocados por tais contravenções sejam grandes e
possam estar comprometendo a viabilidade econômica, especialmente das pequenas empresas
nacionais.
“A pirataria continua impune. Que medidas o
novo governo tomará para solucionar o problema?”
b) Crescem as perdas de faturamento do setor de sementes legalmente constituído,
também pela venda de “grãos como se sementes fossem”, por cerealistas, grandes
agricultores e comerciantes, e até mesmo por ex-produtores de semente que
abandonaram o comércio legal.
c) As grande empresas multinacionais terceirizam a produção de sementes de
cultivares transgênicas, mas não as licenciam e, portanto, vendem suas sementes
diretamente, para minimizar as perdas devidas à pirataria. E as pequenas
organizações nacionais, com pouco dinheiro, que também atuam no melhoramento, o
que fazem? - Elas licenciam as suas cultivares e são, provavelmente, as maiores
vítimas da pirataria de suas cultivares protegidas. E as cultivares públicas
protegidas, desenvolvidas com o dinheiro dos contribuintes, quem as protege?
d) Seja pelo problema de que as legislações pertinentes são fracas para impedir
os vícios do mercado de sementes (e mudas); seja pela ineficiência da aplicação
das leis por quem de direito; seja por inércia dos órgãos fiscalizadores e/ou
seja por falta de vigilância das entidades de classe que representam os
produtores de sementes e mudas – é absurda a concomitância de um comércio de
sementes legal com o ilegal no País. Quem faz o quê, nesta matéria?
e) Poder-se-ia introduzir na legislação de proteção de cultivares e de
sementes/mudas, cláusulas severas de criminalização para os contraventores, que
possibilitasse uma ação efetiva de parte do ministério público? f) Finalmente: existe um movimento que pretende modificar a Lei de
Proteção de Cultivares e a denominada Lei de Sementes, aparentemente sob o pretexto
de coibir os mencionados abusos. Mas então, quem vai efetivamente aplicar estas
legislações, uma vez aprovadas?