MARKETING

O Elo Perdido do Agronegócio

Edição XIII | 05 - Set . 2009

    O Brasil urbano sempre teve duas visões do homem do campo: uma romântica, ligada à natureza e ao seu convívio pacífico, longe dos tumultos e das atribulações da cidade grande. A outra, frontalmente oposta, de pobre e atrasado, um caipira de barba rala e calcanhares rachados, incapaz de reagir ao abandono do poder público, patrocinado pelo personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato, publicado inicialmente num jornal de São Paulo, ainda em 1914, e mais tarde no livro de contos Urupês, publicado em 1918.

    É evidente que já se vai longe o tempo que aquele personagem era capaz de retratar o agronegócio brasileiro com alguma plausível semelhança. O interessante neste caso é que fica evidente como um personagem extraído de uma das regiões mais pobres à época, o vale do Paraíba em São Paulo, relacionado à própria história do autor, acabou realizando, por acidente, um desserviço à agricultura brasileira, perdurando no imaginário urbano por quase 100 anos. 


    SEM O JECA TATU MODERNO

    É curioso, no entanto, que neste período de praticamente um século a sociedade rural não foi capaz de instituir outro personagem apropriado que conseguisse demonstrar ou criar uma percepção mais realista do agronegócio atual, ainda heterogêneo e semi-qualificado em alguns casos, mas responsável, em franco desenvolvimento e altamente tecnificado na maioria das regiões.

    A partir do final dos anos 80, mais precisamente no final do governo Sarney e início do governo Collor, quando o Estado efetivamente se retirou do processo de financiamento do agronegócio, promovendo ao mesmo tempo a abertura comercial, o setor necessitou se modernizar com muita rapidez. E o fez com maestria, embora muitos tenham ficado pelo caminho, justamente pelo modelo irresponsável com que, em vários casos, a abertura se deu.

    Contudo, nestes últimos vinte anos em que o agronegócio notadamente se profissionalizou, também deixou uma imagem deturpada para a sociedade. Primeiro, motivado pela instabilidade econômica; depois, pela instabilidade técnico-climática e, por último, pelo aperto na responsabilidade ambiental, e, tendo como pano de fundo o empreendedorismo nem sempre responsável, conduziu alguns produtores para que acabassem necessitando de auxílio público reiteradas vezes a fim de honrar os seus compromissos – celeuma que até o momento ainda não está resolvida.

    Estes fatos, somados a outras questões de cunho estrutural, criaram uma imagem urbana da agricultura que frequentemente associa os produtores à arrogância e à falta de honradez em relação aos compromissos financeiros, quando na verdade é uma visão parcial e apenas diz respeito a uma parcela mínima, embora ainda muitos estejam em dificuldades.

    Apesar de o agronegócio representar um setor vital para o desenvolvimento e a manutenção econômica do país, tem sido subserviente aos interesses e políticas macroeconômicas, dos demais setores ou dos próprios ministérios do planejamento e da economia. Tanto no campo político como no econômico, existe grande dificuldade para que, especialmente o setor primário, alcance reconhecimento e obtenha agilidade nos seus pleitos. 

    Independente de que os objetivos sejam simples ou complexos, sempre há necessidade de gastar muita saliva, tempo e dinheiro (que já é escasso) para que surta efeito. No final, a impressão que se tem é que tudo poderia ter sido mais simples, mas ágil e mais barato. Como dito noutra ocasião, somos um país rural, mas de população urbana, o que dificulta a necessária relação entre as estruturas da sociedade empresarial e a composição de Estado, que, juntas, formam a estrutura de poder, e por fim, governam a nação. Por isso, não se pode esquecer que os principais stakeholders da agricultura estão na cidade e não no campo.


    FALTAM LIDERANÇAS EFETIVAS

    Um aspecto central a ser levantado nesta discussão diz respeito às pretensas lideranças que fazem frente aos movimentos em curso. Não é novidade para ninguém que o país enfrenta uma crise de liderança, mas é no agronegócio que, salvo raras e honrosas exceções, ainda faltam líderes efetivos e competentes, e organizações fortes aptas para reordenar a imagem do setor e empreender um programa eficiente de marketing, capaz de recuperar a importância relativa que o setor possui também no campo político e social. Inclusive é sobre as próprias lideranças que muitas vezes paira a imagem da incapacidade em oferecer proposições alternativas, acumulando com frequência a figura do chorão.

    Obviamente, temos várias iniciativas que buscam melhorar a imagem do agronegócio frente ao meio urbano. 


    REAÇÕES ISOLADAS E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA

    Contudo, boa parte dessas ações, se não a sua totalidade, tem um forte cunho reativo a determinados problemas já percebidos e noticiados pela mídia e, de forma preponderante, são desencadeadas sem articulação entre elas, tornando-se, cada uma a seu modo, iniciativas totalmente isoladas e contribuindo muito pouco como marketing estruturado e integrado, capaz de reverter uma imagem desgastada por anos.

    O Brasil é um país que depende sensivelmente das atividades agropecuárias para manter ou melhorar os seus combalidos níveis sócioeconômicos. Dito de outra forma, a parcela da renda da população que é gasta com alimentos é demasiadamente alta e, dessa forma, o papel de provisão de alimentos é fundamental para que essa mesma população tenha um mínimo de qualidade de vida. Por outro lado, o fato do alimento ser barato desencadeia uma série de outros gastos, em outros setores, à medida que começam a sobrar recursos da parca renda do brasileiro. O plano real e a âncora verde são um bom exemplo disso.

    Na prática, o setor primário perdeu ao longo do tempo a capacidade de engajamento na sociedade. Mesmo sendo um setor que contribui muito, é espantoso verificar a dificuldade de angariar a simpatia da população urbana. Imagine se ainda tivéssemos que justificar os amplos subsídios que, por exemplo, os produtores europeus e americanos recebem.


    ARTICULAR MAIS E SE COMUNICAR MELHOR

    Precisamos urgentemente recuperar a capacidade de comunicação com a sociedade, formando uma imagem positiva conjunta, de desenvolvimento econômico, seriedade nos negócios, e principalmente de participação social colaborativa. Mas, para isso, devemos unir forças e definir estratégias conjuntas. Articular mais e vender melhor são as palavras da moda.

    Para contornar a visão deixada pelo Jeca Tatu e o marketing irresponsável de alguns fanfarrões agrários, é necessário fazer um trabalho extensivo para que, principalmente as gerações mais novas, entendam que caldo de galinha vem da galinha e ela não se chama Knorr®. Que o leite da caixinha não foi produzido na indústria, veio da vaca que foi ordenhada de madrugada, comeu capim e ração, que por sua vez foi feita de milho - mesmo cereal que está no seu pires; necessitou de semente, que por sua vez envolve alta tecnologia, e assim por diante.

    Não é parte de nossa história fazer marketing dos produtos e das atividades agrícolas como ocorre em outros países, principalmente a Europa e os Estados Unidos, onde as celebridades do mundo da moda, da televisão ou dos esportes são chamadas a emprestar o seu prestígio. Só mais recentemente, associações de classe têm se mobilizado para fazer lobby e transpor os muros das cidades. Como dito, também no campo falta compreensão da necessidade de que o Brasil urbano precisa entender do campo.

    Podemos afirmar que o jeca Tatu foi desalojado pela competência técnica e o empreendedorismo no agronegócio, mas ainda falta marketing como um todo no setor, tanto internamente, para que a sociedade conheça melhor o seu país e valorize mais uma das principais fontes de desenvolvimento, como externamente, onde ainda somos vistos com desdém por boa parte dos consumidores, principalmente o europeu e o americano. Neste âmbito também existem iniciativas louváveis, mas lamentavelmente a maioria delas igualmente é colocada em prática de forma isolada.

    Até a próxima. 

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