Limites de Tolerância para Sementes Adventícias

Edição XIII | 05 - Set . 2009
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    "Sementes adventícias e misturas varietais possuem a mesma origem, ou seja, a diferença entre as sementes é de natureza genética. "

    A presença de materiais indesejáveis em lotes de sementes ocorre desde o momento em que as sementes foram utilizadas como material de propagação. A determinação destes materiais foi uma das causas da criação dos Laboratórios de Análise de Sementes (LAS), no século XIX. Entre os materiais indesejáveis encontram-se sementes de outras cultivares, de espécies (cultivadas, silvestres e nocivas), e, com o advento dos organismos geneticamente modificados (OGMs), os lotes também podem apresentar a presença de sementes adventícias, que são aquelas sementes de OGM presentes em lotes de sementes convencionais ou em lotes de outros OGMs. Presença Adventícia (PA) pode ser definida como a presença não intencional, num lote ou embalagem, de baixos níveis de sementes que não sejam da variedade ou híbrido que está sendo comercializado.

    Em alguns países, como Canadá, USA, China e Argentina, os materiais de OGM são tratados da mesma forma que os convencionais, uma vez demonstrado que são seguros para a alimentação e o meio ambiente. Entretanto, no Brasil, com a necessidade da especificação na rotulagem de produtos finais aos consumidores (grão, farelo, processados) da presença de OGM, as sementes adventícias devem ser incluídas nas normas de produção e qualidade de sementes.

    A coexistência de sistemas de produção de material convencional, orgânico, híbrido e OGM é prática que os agricultores utilizam há tempos e, no caso específico de sementes, este processo, inclusive, envolve certificação. Entretanto, devido a cruzamentos naturais entre as plantas de uma mesma espécie, misturas físicas indesejáveis naturalmente ocorrem mesmo em espécies de autopolinização, como já foi demonstrado em arroz e soja, entre outros cultivos. Evidente que esses cruzamentos naturais nas espécies autógamas apresentam baixo nível, nas condições estabelecidas nas normas de produção de semente. Além dos cruzamentos naturais, a presença de sementes adventícias também pode ocorrer devido ao manuseio do produto no momento da colheita, transporte ou do beneficiamento.

    Na cultura do milho, por ser uma planta alógama, a probabilidade da ocorrência de sementes adventícias é maior do que em soja e arroz. Entretanto, estudos recentes seguindo as recomendações de isolamento e cultivo, indicam que é possível produzir sementes com pureza mínima a ser estabelecida nas normas de produção de sementes.  Em um estudo clássico verificou-se que o isolamento de 200 metros, entre campos de produção, propicia lotes de sementes praticamente livres de sementes adventícias, independente da direção dos ventos e do ano de produção, variáveis essas que apresentam grande influência no transporte e viabilidade do pólen.

    Em estudos com arranjo de planta e variedades essencialmente derivadas, para maximizar a polinização cruzada com a cultura do arroz e com a cultura da soja, verificou-se que na maior pressão de polinização cruzada, a ocorrência de contaminação variou de 0,02 a 0,07%. Assim, as normas de produção de sementes, que contemplam um isolamento entre cultivares destas espécies, foram estabelecidas para minimizar perdas de produção e evitar misturas genéticas ou físicas.

    A polinização cruzada é um fenômeno natural, não sendo possível controlar esse mecanismo, o que inclui o vento e o movimento dos insetos. Assim, pode-se assumir que pequenas quantidades de sementes adventícias estejam presentes em lotes de material convencional e seus produtos. O beneficiamento, armazenamento e o transporte também contribuem para tornar extremamente difícil e custoso obter a total segregação dos materiais. Consequentemente, lotes de sementes poderão apresentar sementes adventícias, sendo a questão estabelecer um limite de tolerância, que deve variar de espécie para espécie devido as particularidades de cada uma.

    A coexistência dos materiais OGM e convencionais é, essencialmente, um aspecto econômico, não estando relacionado com a segurança, pois esta já foi avaliada por órgãos governamentais criados para tal fim, como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), no Brasil. Como há necessidade de se estabelecer limites de tolerâncias para sementes adventícias, devido a rotulagem do produto final (grão, farelo, processados), há necessidade de que os processos de produção sigam certos critérios técnicos já conhecidos de longa data, como o isolamento dos campos de produção, limpeza de equipamentos e sementes de alta qualidade física.

    Como comentado anteriormente, a separação de materiais OGM e convencionais, com estabelecimento de nível de tolerância, é um aspecto puramente econômico e, para se ter uma idéia de grandeza do negócio, salienta-se que no Brasil, na safra de 2008/09, cultivaram-se 15 milhões de hectares de soja OGM de um total de 23 milhões de hectares. Assim, 65% da aérea cultivada com soja foi com material OGM, percentual este com tendência de aumentar para mais de 70% no ano agrícola de 2009/10. Em algodão, a área cultivada com material OGM está ao redor de 20%, também com estimativa de aumento substancial na safra 2009/10; e para milho, que começou seu cultivo em 2008, estima-se que, para a safra 2009/10, mais de 40% da área dos 15 milhões de hectares que o país cultiva, sejam com materiais OGM. Esse crescimento acompanha uma tendência mundial de adoção de materiais OGM, em que o Brasil ocupa a terceira posição em adoção de OGM, com tendência de, no futuro próximo, ser o segundo na adoção de OGM, ultrapassando a Argentina.

    Considerando a necessidade do estabelecimento de nível de tolerância para semente adventícia, esta deve ter tal grandeza que não dificulte ou elimine um tipo de cultivo, permitindo a coexistência de materiais OGM e convencionais e, assim, permitindo a sustentabilidade da atividade para os diferentes componentes da cadeia do agronegócio.


    A Tolerância

    O Brasil já possui tolerância de OGM em material convencional para fins de alimentação, que é de 1,0%. Entretanto, para a semente, possui tolerância apenas para algodão, que é de 1,0% apenas entre OGM e convencional, mas não entre dois OGMs, restando estabelecer para os outros cultivos, que inclusive já estão sendo cultivados, como é o caso da soja e milho.

    A determinação de material OGM é praticamente qualitativa, ou seja, está ou não presente, pois métodos quantitativos ainda estão em desenvolvimento, envolvendo sofisticados equipamentos, profundos conhecimentos e complexa interpretação ou seja,  necessita aprimoramento para ter uso generalizado. 

    A detecção qualitativa envolve testes padronizados para um determinado nível mínimo de contaminação com sementes adventícias. Assim, caso esse nível de detecção (ou sensibilidade) seja 1,0%, toda vez que o teste informar que a amostra apresentou-se positiva (+), sabe-se que possui pelo menos 1,0% de sementes adventícias. Como os testes devem ser repetidos, pode ocorrer que em alguma repetição o resultado apresente-se negativo (-), ou seja, apresentar de zero a valor inferior a um por cento de semente adventícia. Assim, para transformar este teste qualitativo em um teste que informe resultados quantitativos, a International Seed Testing Association (ISTA), de cuja entidade o Brasil é membro, desenvolveu um programa estatístico denominado SeedCalc. Este programa leva em consideração o número de sementes utilizadas para o teste, o número de repetições e informa em percentagem a presença de semente adventícia em nível de 95% de probabilidade (tabela no texto).  No estágio atual do conhecimento é um programa essencial para quantificação de sementes adventícias. 

    Exemplificando a utilização do programa SeedCalc, tem-se na Tabela, para um determinado Kit, que a recomendação é de 400 sementes por repetição. Assim, como foram quatro repetições, utilizaram-se 1600 sementes no teste. Como uma repetição das quatro utilizadas apresentou-se positiva, determinou-se que em um nível de 95% de probabilidade, a amostra apresentou 0,35% de semente adventícia.

    Em relação à tolerância, deve ser observado que existe uma estreita relação entre custo de produção e nível de tolerância, isto é, quanto menor a tolerância, maior é o custo de produção. Esta relação é inversa e não linear, ou seja, após um determinado nível de tolerância, aumentar um pouco mais praticamente não fará diferença.  Por outro lado, em níveis baixos de tolerância, qualquer diminuição aumentará de forma acentuada o custo de produção. Limites de tolerância para baixos níveis requerem altos custos de produção, os quais devem ser cuidadosamente considerados para não inviabilizar a produção de sementes. 

    Do ponto de vista da produção de sementes, devido à natureza aleatória da ocorrência de presença adventícia e ao altíssimo custo de não cumprir com os requisitos legais, o nível médio a ser atingido pelas empresas no seu volume de sementes deve, na verdade, ser bem abaixo do estabelecido na legislação, a fim de reduzir a probabilidade de terem lotes de sementes sendo reprovados em testes. Assim, se o nível permitido se aproxima de “praticamente zero”, esta tarefa se torna de altíssimo custo e de grande nível de dificuldade para ser conduzida de forma rentável e econômica.

    O estabelecimento de limite de tolerância para semente adventícia deve considerar, entre outros aspectos, que atualmente uma semente pode conter mais do que um evento geneticamente modificado, como são os casos de algodão Bt e RR, soja RR e Bt, e milho Bt e RR ou LL. Assim, a normatização deve acompanhar o avanço da ciência e considerar que, no mundo, ao redor de 30% das culturas já apresentam mais do que um evento por semente e, para isso, seria importante considerar que o nível de tolerância para OGM em lotes de cultivares ou híbridos convencionais seja por evento e não pela soma destes.


    A Detecção

    Os LAS’s no Brasil, em número superior a 300, são registrados no Renasem e são submetidos periodicamente a um sistema de qualidade denominado ISO 17025. Desta forma, o processo de avaliação de sementes adventícias pode ser efetuado com confiabilidade por esses LAS. Inclusive, o MAPA já aprovou regulamento para extensão de escopo desses laboratórios. 

    Desta maneira, a análise das sementes adventícias poderá ser realizada nos LAS credenciados pelo MAPA, utilizando a experiência em outras análises de sementes. Neste sentido, enfatiza-se que o processo de manuseio da amostra para detecção de sementes adventícias deverá seguir os mesmos princípios utilizados para análises de verificação de outras cultivares. Evidentemente, o preparo de pessoal é diferente, pois envolve outros procedimentos, interpretação e informação dos dados. Na determinação de outras cultivares em amostras, realizada simultaneamente com a análise de pureza, utilizam-se os conhecimentos estabelecidos a partir de descritores morfológicos.  A curacidade desta avaliação visual depende do treinamento do analista, sendo menos precisa que a determinação de sementes adventícias, pois esta é feita através de técnicas moleculares (proteína ou DNA), que praticamente independem do analista, dependendo muito mais da metodologia. 

    Em termos de informação dos resultados, a presença de sementes adventícias é quantificada em percentagem (pelo SeedCalc), enquanto para outras cultivares a informação dos resultados é estabelecida em número por 500 gramas no caso de soja.

    Algo que merece registro em termos de detecção para semente adventícia é a sensibilidade do teste, onde a determinação deixa muito pouca margem para erro. Por outro lado, na determinação rotineira de outras cultivares de uma mesma espécie, como é realizada na morfologia da semente, os resultados não são tão precisos e esta é uma das razões para que os limites de tolerância para sementes adventícias sejam superiores. 

    Considerando o número de sementes necessárias para o teste de detecção de sementes adventícias (ver tabela), o tamanho da amostra de trabalho deve ser, no mínimo, de 1kg. Assim, uma amostra adicional deve ser obtida caso outras avaliações, como de germinação e pureza física, sejam necessárias.


    A Amostragem 

   Um lote de sementes de soja de 20 toneladas possui mais de 120 milhões de sementes (considerando seis sementes/grama). Assim, para realização do teste para verificação da presença de semente adventícia em lotes de sementes convencionais, em que se utilizam, geralmente, menos de 6.000 sementes, é essencial que os procedimentos de amostragem sejam seguidos minuciosamente, pois cada semente utilizada no teste representa pelo menos 20.000 sementes. Para adoção correta da amostragem, recomenda-se seguir os procedimentos constantes nas Regras para Análise de Sementes editadas em 2009 pelo MAPA. 


    O país possui pessoal treinado, regras de análise de sementes e laboratórios de sementes em quantidade para a análise de sementes adventícias, necessitando estabelecer um limite para essas sementes, utilizando-se no momento, para detecção, o método colorimétrico baseado no teste de Elisa (Kit), que é padronizado para cada evento (proteína), em conjunto com o programa SeedCalc para transformar dado qualitativo em percentagem. 

Compartilhar