O negócio de sementes nos EUA

Edição XXI | 01 - Jan . 2017
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    O negócio de sementes nos Estados Unidos (EUA) é o maior do mundo, ultrapassando a 12 bilhões de dólares anuais, sendo o milho a principal espécie. No sentido de acompanhar as evoluções tecnológicas e articular negócios, a ASTA (American Seed Trade Association) realiza anualmente um evento, em dezembro, na cidade de Chicago. Nesta última edição, a SEEDnews, a convite da APROSMAT-ABRASS se fez representar e, aproveitando a oportunidade, participou de palestras e realizou entrevistas, que somadas a informações pessoais e à literatura, serviu de base ao artigo apresentado a seguir.

Grandeza  

    A área cultivada nos Estados Unidos é de 170 milhões de hectares, significando 18,22% da área total do país. Os EUA são um dos cinco maiores países do mundo em área e, mesmo assim, possuem quase 20% de seu território sob cultivo. Como referência, o Brasil cultiva praticamente 70 milhões de hectares, representando menos de 10% de sua área total.  

    A cultura do milho abrange uma área de 36 milhões de hectares, com uma produção ao redor de 380 milhões de toneladas, significando uma produtividade superior a 10t/ha. Esta área de cultivo é de uma só safra por ano, o que não ocorre no Brasil, que mantém duas safras por ano – a safra de verão e a safrinha, normalmente estabelecida depois da colheita da soja. Somando as duas safras, o Brasil cultiva 15 milhões de hectares, com uma produtividade média pouco superior a 5t/ha.

    Em relação à produtividade do milho, constata-se que a americana é praticamente o dobro da brasileira, sendo uma das razões para isso a tradição dos americanos na utilização de materiais híbridos desde antes da metade do século XX, com vantagens apreciáveis sobre os materiais de polinização aberta.   Atualmente, os agricultores americanos utilizam praticamente 100% de suas sementes de milho do tipo híbrido simples (para alta tecnologia), o que não ocorre no Brasil. Por outro lado, há agricultores brasileiros que colhem mais de 12t/ha sem utilizar irrigação artificial, evidenciando que nossa média de produtividade pode aumentar rapidamente. Nos últimos 10 anos, o aumento de produtividade nos EUA foi de 120kg/ha/ano, enquanto no Brasil foi de 210kg/ha/ano, o que significa que a diferença tende a diminuir com o passar dos anos. 

    Outro cultivo de destaque nos EUA é a soja, com uma área de 34 milhões de hectares e produção de 103 milhões de toneladas – uma produtividade pouco superior a 3t/ha. Em relação ao Brasil, pode-se considerar que a área de cultivo e a produtividade são similares; o que distingue os dois países é que a produtividade no Brasil aumentou nos últimos 10 anos em 60kg/ha/ano e nos EUA o aumento foi de 20kg/ha/ano. Como a produtividade está similar, deduz-se que, a curto prazo, o país ultrapassará a produtividade e a consequente produção dos EUA. Uma maior produtividade propicia a obtenção de vantagens comerciais, geralmente pelo menor custo de produção.   

    Além do milho e da soja, os EUA também possuem uma apreciável área de cultivo com trigo, sendo um dos exportadores do cereal; com arroz (também é um paÍs exportador); e algodão. 


    Em relação a forrageiras, merecem destaque as de clima temperado, das quais o país é um dos grandes exportadores, principalmente de azevém, festuca, alfafa e trevos. O estado de Oregon especializou-se na produção de sementes de forrageiras, possuindo um eficiente programa de certificação e um laboratório de sementes credenciado junto a ISTA. 




    As sementes de hortaliças são outro grande negócio do país, principalmente para consumo interno, e em menor escala para exportação. Atualmente, a maioria das espécies de hortaliças são híbridas, cujas empresas produtoras localizam-se principalmente no estado da Califórnia, pelo clima seco que apresenta. O negócio de sementes de hortaliças do país compete principalmente com as empresas holandesas e japonesas.
    Por último, entretanto não menos importante, estão as sementes para gramados, das quais os americanos cuidam bastante, possuindo vários materiais adaptados para suas condições de frio e calor intenso. 

Proteção de cultivares
    Os EUA são membros da UPOV na convenção de 1991, no entanto possuem uma lei de patente que contempla a proteção de materiais vivos como as cultivares, sendo esta utilizada com muito mais frequência por ser mais robusta. Enquanto a convenção da UPOV de 1991 protege os materiais até o grão, podendo haver exceções, a patente protege até o produto industrial sem exceções.
    A possibilidade da patente para proteger uma nova cultivar causou fortes discussões com a Comunidade Europeia, que não a permite. A causa é que na lei de patente não há isenção do melhorista, enquanto a lei de proteção de cultivar contempla a isenção do melhorista, ou seja, tão logo uma cultivar é colocada à venda, qualquer melhorista pode utilizá-la em seu programa de melhoramento. Atualmente, o assunto está superado, cada país adotando suas políticas.
    O milho possui uma proteção natural também bastante robusta, por ser um material híbrido em que seus descendentes serão bem diferentes, não sendo atrativo para o agricultor guardar a semente; assim, por muitos anos, as empresas praticamente não utilizavam os mecanismos legais de proteção. Entretanto, com o advento dos materiais GM, as empresas estão patenteando seus materiais.

OGMs
Os EUA são o berço dos materiais GM, sendo a soja RR a pioneira em escala comercial, em 1996. Atualmente, cultivam-se mais de 70 milhões de hectares com OGMs, sendo os principais para as culturas de milho, soja, algodão, canola e alfafa, com eventos de resistência a insetos e tolerância a herbicidas. 

 


    Destaca-se também OGMs em cultivos que são comestíveis sem transformação, como o milho doce, que o país cultiva mais de 50.000 hectares, mamão, abóbora, batata e a maçã.  Desde 1996, os EUA aprovaram mais de 190 eventos para 20 espécies. Os americanos realmente consideram os OGMs tão seguros para a saúde quanto os materiais convencionais. 




Organizações sementeiras
    A ASTA foi criada em 1883, possuindo atualmente uma sólida estrutura para representar os atores do negócio de sementes do país, possuindo vários especialistas em diferentes temas em seu quadro funcional. Possui forte ação doméstica, com várias iniciativas para o uso de mais e melhores sementes pelos agricultores, como também em nível internacional, com participação na SAA (Seed Association of the Americas) e na ISF (International Seed Federation).
    A ASTA é mantida principalmente pelos produtores de sementes e empresas de fitomelhoramento, cuja contribuição varia de acordo com o faturamento de cada um. Praticamente 100% dos atores do negócio de sementes são membros da ASTA, o que significa que realiza um bom trabalho promovendo o uso de sementes e resguardando os interesses de seus membros.
    Outra organização é AOSA (American Official Seed Analisis Association), que congrega os laboratórios de sementes dos EUA e Canadá, possuindo suas próprias regras para análise de sementes. Em relação à certificação de sementes, o país possui a AOSCA (American Official Seed Certification Agency). 

O evento
    O evento do qual a SEEDnews participou é promovido pela ASTA anualmente, com participação superior a 3.000 profissionais das mais distintas empresas do negócio de sementes, como produtores, obtentores, empresas de equipamentos, materiais para laboratório de sementes, produtos para tratamento de sementes, equipamentos para beneficiamento de sementes, softwares diversos, entre outros. O foco principal das atividades é a indústria de sementes.
    As empresas se programam de tal maneira que levam seus funcionários ao evento para fazerem as reuniões de trabalho no local, aproveitando o ambiente do encontro. 
    As novidades deste evento foram equipamentos computadorizados para unidades de beneficiamento de sementes, separadores por cor, materiais GM, tratamento industrial de sementes, venda das sementes de soja e trigo por unidade, entre outras. Chamou atenção uma mesa de gravidade que praticamente não necessita estar fixada ao piso para desempenhar seu trabalho e um separador de espiral que permite ajustar a velocidade das sementes dentro de cada espiral interna.
    Em relação à mesa de gravidade, o grande benefício é a não interferência da vibração proveniente da fixação com a vibração normal da máquina para separar os materiais indesejáveis. Por outro lado, o ajuste da espiral permite obter uma menor perda de sementes, principalmente quando se beneficia sementes de soja de tamanho pequeno.


Comitiva da APROSMAT ABRASS com diretivos da empresa BRASMAX


    O ambiente, com mais de 300 estandes, salas com dezenas de mesas para negócios, salas para reuniões e auditório para palestras, faz com que o empresário de sementes se sinta contente e satisfeito em participar. É um local em que é possível estabelecer contatos, realizar reuniões e participar de palestras relacionadas a sementes num curto espaço de tempo. Os executivos das empresas apreciam este ambiente por possibilitar a condução de negócios e estratégias de forma eficiente, mantendo e aprimorando o seu networking.

Edição de gens 
    A programação contemplou uma importante sessão sobre edição de gens, a mais recente ferramenta para criação de novas cultivares. Denominada CRISPR cas9, esta ferramenta  permite ao melhorista utilizar um processo bilógico para editar (remover ou adicionar) com precisão a locação de gen dentro do genoma da planta. Trata-se de um processo que envolve um mecanismo alheio à planta, entretanto o produto final não é transgênico, não diferindo das mutações que normalmente ocorrem nas plantas. Os EUA consideram os materiais obtidos pela edição de gens como convencionais.     
    Os trabalhos científicos sobre o assunto se multiplicaram a partir de 2014, aumentando de 600 para mais de 1000, em 2015, e atualmente já há produtos sendo trabalhados com essa técnica, como milho, canola, trigo, arroz, batata, entre outras.
    A CRISPR Cas9 possui as seguinte vantagens: 1- precisão na edição genética, 2- rapidez na obtenção de novos materiais, 3- menor custo para criação e desenvolvimento, e 4- menor burocracia para regulamentos.
    Neste sentido, entrevistas com líderes de vários programas de melhoramento vegetal revelam consenso de que a edição de gens veio para ficar, ajudando o melhorista de forma rápida, simples e acessível. Alguns atores da cadeia de sementes consideram-na uma tecnologia democrática, com acesso para todos.  

Tratamento de sementes
    A conscientização do agricultor sobre os benefícios do tratamento de sementes nos EUA é de longa data, pois muitas vezes, devido ao frio, as condições de semeadura são adversas para a germinação e emergência das sementes, e o tratamento com fungicidas favorece seu desempenho. 
    Assim, no caso do milho, praticamente toda a semente é tratada de forma industrial. Entretanto, para as outras culturas, o percentual normalmente alcança 70%. No caso da soja, 30% dos agricultores não tratam suas sementes, 25% compram sementes com tratamento industrial e 45% compram as sementes tratadas na cooperativa ou na revenda. Inicialmente, a oferta do tratamento de sementes era baseada em produtos, e atualmente baseia-se em produtos e serviços.
    No momento, a grande discussão está na segurança do tratamento de sementes com inseticidas, devido ao seu potencial efeito na água, solo e nos polinizadores (abelhas). A tendência é de certificar as unidades de tratamento de sementes, de tal forma que o agricultor não perca os benefícios dos produtos aplicados à semente para sua proteção e desempenho. 

Materiais GM
    As novidades de materiais GM apresentadas no evento, com bastante ênfase, foram a soja X TEND,  da empresa Monsanto, e a soja Enlist E3, da Dow Agroscience. A primeira (com dois eventos resistentes a herbicidas) já possui liberação para comercialização, tanto dentro dos EUA como de quem compra o grão de soja, ou seja, principalmente os chineses e a Comunidade Europeia. Por outro lado, a soja Enlist E3 (com três eventos resistentes a herbicidas e um evento Bt) ainda não possui aprovação dos chineses  e da Comunidade Europeia. Diante do reconhecido problema de controle de invasoras, ambos os materiais geneticamente modificados são bem-vindos. 
    Em 2017, a empresa Monsanto, conforme seus diretivos, espera ter uma participação no mercado superior a 40%, isto devido a seu germoplasma e benefícios de seu sistema.
 
Separador de espiral com possibilidade de realizar ajustes na velocidade das sementes


    Estas duas tecnologias também estão sendo divulgadas no Brasil para liberação a partir de 2018, sendo a soja X TEND, da Monsanto, chamada de Dicamba (no Brasil terá também três eventos para resistência a insetos), enquanto a soja Enlist E3, da empresa Dow Agrscience, mantém a mesma denominação. 
    Neste ambiente de forte competição, as empresas que possuem apenas melhoramento vegetal no Brasil, como a Brasmax, TMG e Nidera, estão adotando estratégias no sentido de ter os dois materiais. Isto acarreta um processo mais complexo de produção de sementes. No evento, a SEEDnews teve oportunidade de participar de reunião sobre o assunto entre executivos da empresa Brasmax e diretores da Monsanto. 

Informação
    Os organizadores do evento colocaram na programação uma conferência sobre a distância da informação entre a indústria de sementes e os agricultores, e para isso convidaram um executivo da área de alimentação. Foi uma boa palestra. 

Encontro da comitiva APROSMAT- ABRASS com os diretivos da empresa Monsanto


    Em resumo, atualmente, o agricultor (consumidor) procura inteirar-se a respeito do produto que irá comprar ou utilizar. Neste sentido, alguém que busca e obtém informações, mesmo que não sejam de seu agrado, provavelmente as aceitará. Já aquele que busca informações e não as encontra, logo ficará desconfiado sobre o que possam lhe estar escondendo. A informação apresenta uma estreita relação com transparência, que todos apreciam.
    No Brasil, há empresas de sementes que já estão utilizando o Código de Barras 2D para informar a seus clientes a história de cada lote de sementes colocado à venda. As informações vão desde as básicas, estipuladas por lei, até as complementares, como data de análise do teste de germinação, vigor avaliado por determinado teste, campo de produção de sementes, entre outras características.

Pessoal
    Outro painel abordou o futuro do negócio de sementes, no qual palestraram um “Head Hunter”, o presidente da DuPont Pioneer, e um histórico produtor de sementes de milho (Bek’s Hybrids). 
    Os três palestrantes deram ênfase à importância das pessoas dentro de uma empresa, pois são elas que propiciam o aumento de produtividade, melhoram o gerenciamento e o aumento do lucro. Foi mostrado um estudo sobre como um mau líder pode afetar a conduta e o desempenho de seu “staff”. Diante dessa ‘má influência’, 76% revelaram-se inibidos de apreender, 81% salientaram que suas carreiras são prejudicadas e 81% disseram que foi a causa para pensarem sair da empresa. Um mau líder causa realmente grandes danos a uma empresa, razão pela qual os ocupantes de cargos de proeminência devem ser muito bem escolhidos, por pessoas capacitadas (Recursos Humanos). 
    Entre os valores que as empresas buscam num profissional estão a capacidade de trabalho em equipe, integridade, adaptabilidade, compromisso e paixão. Em resumo, as pessoas podem ser consideradas como o mais importante bem que uma empresa possui, pois são elas que fazem as coisas acontecerem.
    Nesta mesma palestra, também foi salientado pelo produtor de sementes de milho que os negócios tendem a se consolidar com o passar do tempo, concentrando uma determinada atividade em poucas empresas. Entretanto, quem estiver atento às oportunidades, com as pessoas certas, pode fazer os devidos ajustes e permanecer saudável no negócio.

Código de barras 2D utilizado pela empresa O Agro para rastrear lotes de sementes


Desafios e oportunidades

Há consenso de que um dos grandes desafios do negócio de sementes são as regulamentações que devem ser superadas para comercializar determinados produtos e materiais, e, em menor escala, ter o profissional indicado para determinada função e desenvolver novos produtos e processos. 

    Por outro lado, as oportunidades são várias, como os “novos” híbridos de  arroz e trigo, os materiais GM e os obtidos por edição de gens, o tratamento industrial de sementes com produtos bióticos e abióticos, priming e sementes de espécies com atributos especiais (nichos de mercado).  

Comentário Final

    Com cifras superiores a 12 bilhões de dólares anuais, o negócio de vendas de sementes dos EUA, sendo o maior do mundo, merece ser observado e analisado em detalhes, e para isso uma convenção da indústria de sementes é uma ótima oportunidade, considerada imperdível pela SEEDnews.
    No evento, observou-se os esforços de comunicação para comercialização da soja X TEND e Enlist E3, das empresas Monsanto e Dow AgroScience, e sua relação de regulamentação e parcerias, tanto nos EUA como no Brasil. As tendências de comunicação estão passando pela maior transparência da história de sementes, com adoção do Código de Barras 2D, assim como uma maior valorização dos profissionais que atuam no setor.
    Em termos de tecnologia, salienta-se que o tratamento industrial de sementes de soja  abrange 25%, no qual os agricultores não realizam o tratamento na fazenda, ou seja, 30% da semente de soja não é tratada. 
    Em termos de inovação, destaca-se uma mesa de gravidade, que praticamente não necessita ser fixada ao chão para desempenhar sua função, e um separador de espiral, que pode ser ajustado para minimizar as perdas de separação.
    Participar de um evento, cujo foco é a indústria de sementes, com suas aspirações, desafios e oportunidades, é algo realmente motivador, por todas oportunidades que oferece.
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