Verticalização e fusões exigem estratégias consistentes

Edição XIII | 03 - Mai . 2009

    O agronegócio e o setor de sementes, em especial, vivem um ponto de inflexão histórico fundamental, capaz de definir o futuro das gerações de agricultores e o próprio modelo de produzir e de fazer agricultura, centrado no crescente padrão de fusões e aquisições associado à verticalização, patrocinado pelos principais players do setor.

    Ditado pelas mudanças concorrenciais em curso na economia mundial e associado à reestruturação produtiva do sistema agroindustrial, bem como dos segmentos que lhe dão apoio e suporte, parece ter chegado o momento crucial no processo de reorganização do setor, agora em novas bases. Neste cenário destacam-se as fusões e a verticalização.

    Fusões, Aquisições e Verticalização

    As fusões e aquisições empresariais têm sido uma tendência mundial, patrocinada pela necessidade estratégica de ganhar mercado e melhorar a competitividade das empresas. Na esteira deste processo está outro movimento que ora se inclina para um lado e ora para outro: a integração vertical e horizontal, ambas intimamente ligadas.

    Tanto as fusões e aquisições como a integração têm sido utilizadas em profusão nos mais diversos setores econômicos, desde supermercados, área médica, educacional, eletrônica, bancária, alimentos e bebidas, fertilizantes, defensivos agrícolas, tradings, além de setores aparentemente de menor significado econômico imediato, mas fundamentais na composição de várias cadeias e potencialmente decisivos, como o caso da biotecnologia e, por conseguinte, do setor sementeiro.

    No agronegócio, alguns setores têm-se destacado, como a área de defensivos, fertilizantes e, por último, a química fina e a de sementes, sendo perceptível o movimento das empresas que concorrem no setor, no objetivo de melhorar a sua posição na busca do dinheiro que circula na cadeia.

    Para termos uma idéia da evolução das fusões e aquisições no Brasil, ao todo, entre 2002 e 2005, tivemos em média 384 transações anuais, e a partir de 2006 houve evolução significativa, chegando-se à média de 644. Mesmo com a retração apresentada nos primeiros três meses deste ano (34,3%). 

    Quanto ao processo de verticalização, existe um aspecto conceitual importante a ser considerado para compreendermos melhor qual o processo em curso no setor. Resumidamente, na segunda fase da revolução industrial, a tônica era de que as empresas seriam tão mais competitivas quanto maior o número de fases fossem capazes de realizar. Esse modelo, de integração vertical intraorganizacional, ocorria quando uma determinada empresa desempenhava o maior número possível de atividades, desde a matéria-prima até que o produto chegasse ao mercado, o consumidor final.

    Posteriormente, percebeu-se que, embora controlassem todo o processo, o modelo era custoso, e muitas empresas, ao invés de agregar valor, acabavam por agregar custos, o que foi logo percebido por alguns players que começaram (a partir de meados da década de 70) a se destacar adotando um modelo alternativo, o da integração vertical inter-organizacional.

    Este modelo consiste na descentralização das atividades não essenciais e, embora estratégicas, não representam perigo de perda de controle sobre a cadeia. Os setores que rapidamente se adequaram a esse modelo foram o de frangos, suínos e aves ao adotar o modelo de produtores integrados, posto que os processos centrais, notadamente os de biotecnologia e da indústria processadora continuam sob o poder do agente principal, gerando controle indireto sobre o restante.

    Recentemente, se acirrou uma ação paralela, estabelecendo a possibilidade de controle ainda maior pelos agentes principais que, através das fusões e aquisições, iniciaram a terceira fase desse processo, o da integração vertical e horizontal interorganizacional.

    Na prática, percebe-se que as empresas em seus ramos estão gerando fusões e aquisições nos seus níveis de atividade, como por exemplo o que ocorreu no setor de defensivos (em meados da década de 80, tínhamos 26 empresas e, em menos de 20 anos, ficaram cinco), o que caracteriza a integração horizontal, tornando as organizações mais robustas e concentrando o mercado.

    Ao mesmo tempo, está em curso um processo acelerado de capturar valor e, desse modo, estas organizações tendem a buscar um controle sobre as atividades antes e depois da sua posição ao longo da cadeia. Este parece ser o modelo que decisivamente está se desenhando no agronegócio, particularmente na biotecnologia, e por conseguinte no setor sementeiro, a partir de meados da década de 80, com a consolidação dos complexos agroindustriais no país.

    

    No Agronegócio Sementes

    Assim como agem os grandes players noutros setores, percebe-se também que existe um processo acelerado e estratégico em curso no agronegócio, a fim de estabelecer, de um lado, a concentração no seu nível e, de outro, a inclusão linear de captura de valor, numa relação estreita a partir do desenvolvimento de germoplasma, proteção de plantas, produção de sementes e produção agrícola.

    Os reflexos positivos tendem a se concentrar na especialização que as organizações desse gênero devem promover, principalmente com programas bem estruturados e demandantes de grandes investimentos alocados especificamente para a finalidade de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), o que poderá trazer rapidez no processo tecnológico, benéfico para todos.

    Como em qualquer processo de controle a partir da concentração, os reflexos negativos principais são percebidos principalmente na redução das opções por parte dos produtores de grãos (clientes dos produtores de sementes) e, por conseguinte, do poder de negociação, o que poderia acarretar um potencial aumento nos custos de produção. 

    Neste cenário, os produtores de sementes tenderão a perder significativamente a sua capacidade de intervenção no setor, possivelmente sendo relegados a um segundo plano no médio prazo e, no longo prazo, poderão até ser excluídos do processo, se mantiverem a incapacidade de articulação atual.

    Neste modelo que se desenha, uma alternativa possível de ser negociada, desde que o setor se organize para tal, é de que os players que permanecerão controlem o processo biotecnológico, e os produtores de sementes assumam a função de multiplicadores estruturados em alianças estratégicas, não se limitando ao papel de cooperados.

    Esta tarefa não parece das mais fáceis, de um lado pela óbvia perda de poder e controle dos agentes principais, que relutarão em aceitá-la, e de outro pela tênue estrutura organizacional dos produtores de sementes somado ao distanciamento entre estes e os produtores, permitindo um juízo de valor enviesado dos clientes finais.

    Caso esta estratégia possa eventualmente surtir efeito, os benefícios dela se darão apenas para alguns poucos produtores de sementes bem organizados, que, ao patrocinarem o conhecimento através da pesquisa, terão maior atratividade destes players principais, podendo assim se aliar a eles, tornando-se um segmento ainda mais estruturado e competitivo.


    O aspecto regulador e coordenador

    Do ponto de vista da gestão da cadeia, o processo é altamente benéfico, dado que um menor número de agentes teoricamente permite uma gestão mais estruturada e melhor coordenada, a exemplo do que já ocorre no agronegócio como um todo, onde elos intermediários vão sendo absorvidos pelas demais estruturas.

    Embora seja muito difícil exercer comparações, o desenho regulador do setor, em curso no país, é diferente do modelo europeu, principalmente o francês, mais flexível e de forte cunho social. O nosso parece se assemelhar à estrutura americana, rígido legalmente e por isso promotor do crescimento a partir da expectativa dos retornos econômico-financeiros, motivo principal de investimentos.

    Contudo, embora a legislação do setor de sementes possa proteger arranjos empresariais, é de considerarmos pelo menos quatro aspectos: (i) o Brasil não é um exemplo em termos de aplicação da lei, aqui ela “pega” ou não; (ii) existem brechas que podem gerar dificuldades na execução de royalties e taxas tecnológicas por parte dos obtentores; (iii) a dinâmica dos mercados sempre tem prevalecido sobre a legislação; e (iv) os produtores mostram-se historicamente combativos e reativos aos processos de pressão negocial.

    Na prática, caso este processo se consolide de forma intempestiva, é bem provável que a pirataria possa até aumentar, ao invés de diminuir, como uma forma de defesa pela opressão mercadológica. Muita água ainda vai rolar por debaixo da ponte, mas o jogo já começou faz tempo. Ainda há espaço e oportunidade para acordos legítimos e a esperança é de que o bom senso prevaleça. 

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