Um tempo para cada coisa

Edição XIII | 01 - Jan . 2009
James Delouche-JCDelouche@aol.com

    A vida é uma sucessão de estádios e caminhos. Um estádio finaliza e um caminho se abre para conduzir até o próximo estádio, o qual também finalizará em outro caminho, e assim por diante. O significado destes estádios e caminhos foi magnificamente previsto e gravado no conhecido aforismo nas Eclesiásticas: “Há uma estação para tudo e uma hora para cada propósito... Há um tempo para cada coisa... (Ecl. 3).

    Para mim, a hora de deixar a minha atividade principalmente retórica dos últimos tempos tem-se cumprido, depois de uma atividade profissional de 58 anos. Portanto, estou na hora de guardar o meu processador de texto e transitar, tranqüilo e expectante, para o próximo estádio. Quando enviei o meu último ensaio, há aproximadamente dois meses, informei aos editores da Revista SEED News que o próximo, o presente, seria o último.

    Minha decisão de parar de escrever os ensaios que regularmente enviava para a SEED News foi das mais difíceis, pois implicava em deixar de lado a atividade profissional bem como a de ensaísta, entretanto senti que era necessário. Tinha começado a perceber, de uma forma um tanto tardia, que as tecnologias, estruturas de negócios e os aspectos legais relacionados à indústria de sementes e setores vinculados, tinham se deslocado tão a frente da minha compreensão que as coisas que pensava e escrevia tinham se transformado em assuntos do passado, muito repetitivos e crescentemente irrelevantes e obsoletos.

    Desde 1963, e com exceção da primeira metade da década de 1990, escrevi colunas ou ensaios para uma revista no comércio de sementes: uma coluna mensal para o SEEDSMEN’S DIGEST e os seus sucessores até aproximadamente 1990. A partir de então, minha contribuição resumiu-se a um ensaio bimensal para a SEED News, desde o início, nos finais da década de 1990, até agora. 

    Durante aproximadamente meio século, foi nessa atividade em que gastei muitas palavras, numa diversidade de tópicos relacionados à agricultura, com ênfase nas sementes. Apesar de não poder adjudicar sabedoria e originalidade para todas ou a maioria das idéias, pontos de vista ou pensamentos expostos nos meus ensaios, não abro mão da minha capacidade de pensamento, sinceridade e da seriedade do meu propósito.

    Na realidade, tem sido um privilégio ter tido a oportunidade e a liberdade de escrever sobre uma extensa variedade de tópicos escolhidos por mim. Só poderia desejar que a oportunidade que tive nesse sentido tenha sido positiva e ajudado na difusão de informações e incentivado o pensamento, a discussão e o sentimento de orgulho e reconhecimento para tudo o que está relacionado com as sementes e as fantásticas pessoas envolvidas com a sua produção e abastecimento. 


    O tempo de relembrar

    Permitam-me fazer um pouco de relembrança antes de iniciar o meu afastamento da atividade. Meu envolvimento profissional com as sementes iniciou-se em 1950, quando me matriculei na Universidade Estadual de Iowa, para cursar a graduação. Naquela época, o treinamento profissional na área de sementes era principalmente focado para a análise de sementes, com atenção para as disciplinas relacionadas à botânica, embriologia, taxonomia, morfologia e fisiologia. 

    O milho, algodão e trigo eram, naquela época, as culturas mais importantes, as aveias pareciam ser bem mais importantes que a soja e a única espécie relevante com híbridos no mercado era o milho. A produção de sementes de hortaliças, plantas ornamentais e espécies forrageiras estava sendo lentamente, mas de forma constante, deslocada de áreas locais para regiões mais distantes nos estados da Califórnia, Oregon, Washington, Idaho, Utah e outros estados do oeste, com clima especialmente favorável para produção de sementes. 


"Minha decisão de parar de escrever os ensaios que regularmente enviava para a SEED News foi das mais difíceis, pois implicava em deixar de lado a atividade profissional bem como a de ensaísta"


    As tecnologias e equipamentos envolvidos na colheita de sementes, acondicionamento, armazenagem e embalagem eram mantidos sob estrita reserva pelas empresas responsáveis. A produção e abastecimento de sementes eram considerados assuntos estritamente locais, estaduais ou nacionais.

    Sete anos depois, por ocasião do meu ingresso na Faculdade de Agronomia da Universidade Estadual de Mississippi (MSU), dava para perceber que a situação e condição geral do setor sementes não tinham mudado grande coisa. Porém, a existência de movimentos precoces nesse sentido resultaria numa reestrutura sem precedentes da base tecnológica, do modelo e tipo de negócio e o marco legal da produção e abastecimento de sementes no plano nacional e internacional. 


    Na verdade, fui muito afortunado e privilegiado de poder me juntar a um pequeno grupo de especialistas, no Laboratório de Sementes da MSU, uma unidade pioneira que iria se destacar nos próximos 40 anos na revolução do setor sementes no mundo inteiro.

    Conseguimos ampliar o interesse acadêmico nas sementes, de forma que abarcasse todas as atividades envolvidas na sua produção e abastecimento, desde o contrato e supervisão da produção a comercialização e semeadura. Esses avanços foram conseguidos através de treinamentos de curto e longo prazo, serviço de informação e assistência técnica, desenvolvimento de tecnologias, adaptação e transferência. 

    No decorrer desse mesmo período, uma sensação de urgência extrema foi se desenvolvendo por trás do cenário, como resposta à falta de alimentos naqueles países densamente povoados na Ásia e as predições de cientistas muito respeitados a respeito da expansão da fome ao redor do mundo durante a década de 1970.

    Avanços tecnológicos lideraram a revolução na indústria de sementes e no setor das grandes culturas agrícolas, sendo que as vantagens das variedades híbridas do milho foram estendidas para o sorgo, milheto, depois o girassol, arroz, canola e muitas hortaliças. Variedades de trigo e arroz, criadas com uma arquitetura de planta diferenciada e alto potencial de rendimento, foram desenvolvidas e liberadas por institutos como o CIMMYT e o IRRI e várias outras instituições nos países desenvolvidos. A entrada em vigor da Proteção de Variedades de Plantas em alguns países europeus e mais tarde nos Estados Unidos (1970) proporcionou o incentivo para investimentos pesados no melhoramento de plantas e a ampliação do comércio da produção de sementes e o seu abastecimento.

    As sementes transformaram-se no sistema de entrega para introdução e distribuição da maioria dos avanços tecnológicos, principalmente no que diz respeito à revolução verde criada pelo aparecimento das novas variedades e híbridos. Similarmente, os benefícios dos investimentos feitos pelo setor privado no melhoramento genético de plantas foram coletados através da venda das novas sementes. Considerando todos estes antecedentes, a aquisição por parte das sementes de uma posição de importância prioritária no setor da agricultura não surpreendeu ninguém.    

    As mudanças produzidas no setor das sementes a partir de 1950, quando iniciei minha atividade profissional, até meados da década de 1990, em que me aposentei da MSU e comecei a desconsiderar as atividades profissionais a exceção de consultorias internacionais e redação de artigos técnicos, foram mais do que revolucionárias, fantásticas. 

    As empresas de sementes foram estabelecidas, privatizadas e vendidas em praticamente todos os países em desenvolvimento, e no caso das mais evoluídas na indústria agrícola, atravessaram uma fase de consolidação e globalização. A proteção de cultivares foi instituída e fiscalizada em muitos países, enquanto que a proteção através de patentes foi providenciada para os eventos e produtos resultantes da engenharia genética.  Mais unidades de ciência e tecnologia de sementes foram criadas em várias outras universidades dos EUA e da Nova Zelândia, em vários países europeus, CIAT, Brasil e Índia, sendo que a produção e abastecimento de sementes transformaram-se numa atividade muito mais científica, profissional e sofisticada.

    Porém, o desenvolvimento mais profundo e crucial teve a ver com o advento da biologia molecular e sua aplicação, junto com as técnicas de recombinação gênica, na criação de cultivares de espécies de uso agrícola com novos caracteres. 

    Estes eventos têm revolucionado e continuam a revolucionar a agricultura numa magnitude eventualmente superior às transformações experimentadas no transporte, no beneficiamento e outras indústrias baseadas na engenharia.


    A hora de somar 

    O fato de somar os 58 anos da minha vida profissional não traduz uma questão difícil. Ela pode ser simplesmente caracterizada como tendo sido muito privilegiada, palavra já utilizada várias vezes neste ensaio final. 

    Fui privilegiado por ter me formado e iniciado minha vida profissional na Universidade Estadual de Iowa, num tempo no qual ela oferecia o melhor treinamento em ciência de sementes. Eu fui privilegiado ao ter sido convidado para desempenhar um cargo na MSU, no Laboratório de Tecnologia de Sementes, e liderar o pequeno mas extremamente dedicado grupo de especialistas generosos, levando-o a posições de relevância nacional e mundial. 

    Fui privilegiado em poder servir à indústria de sementes do meu país de várias formas, ao longo da minha carreira profissional. Fui privilegiado em providenciar assistência técnica e serviços de assessoramento em mais de 50 países e por várias vezes, e por ter organizado e conduzido inúmeros cursos e programas regionais e nacionais em treinamento de sementes. 

    Fui privilegiado em ser professor de uma multidão de estudantes de graduação e pós-graduação, e de trabalhar como orientador de 134 estudantes de mestrado e doutorado dos Estados Unidos e de vários países de América Latina, Ásia e África. 

    Eu fui, com certeza, privilegiado e honrado por ter tido acesso a todas essas oportunidades de fazer a diferença através de pequenos atos em nível das atividades agrícolas e da vida da gente de campo. Parto desta longa e excitante etapa da minha vida com a esperança de ter sido bem sucedido.

    Finalmente, quero agradecer a Silmar e Marilanda Peske, aos editores e ao pessoal da SEED News por me permitirem ser colaborador desde o início, bem como a todos os assinantes da SEED News que dedicaram tempo à leitura dos meus ensaios. Meus melhores desejos para todos vocês.  


              

Compartilhar