A Miopia com as Sementes de Hortaliças

Um problema que dificulta o desenvolvimento e a competitividade da indústria de sementes de hortaliças

Edição XIII | 01 - Jan . 2009

    Muita importância tem sido conferida às grandes culturas no Brasil, tais como soja e milho, principalmente para a primeira, uma das culturas que tem contribuído de forma expressiva para com a balança comercial brasileira e um dos mais potentes motores da expansão do agronegócio brasileiro. 

    Para essas culturas o Brasil tem dedicado recursos com o objetivo de torná-las o mais competitivas possível e, para isso, grande tem sido a contribuição das áreas de pesquisa, difusão de tecnologia e concessão de créditos para os produtores. 

    Além disso, essas culturas contam com regulação legal constituída ao longo do tempo e que em maior grau atende às suas particularidades do ponto de vista de pesquisa e desenvolvimento, produção, comercialização e segurança sanitária. 

    Porém, essa mesma atenção não tem sido dedicada às pequenas culturas, tais como as representadas pelas hortaliças, tanto no que se refere às áreas de pesquisa, difusão de tecnologia, concessão de créditos e regulação legal de seus processos de pesquisa e desenvolvimento, produção, comercialização e segurança sanitária. Com relação a esse último e apenas como exemplo dessa situação, apenas mais recentemente os produtores dessas culturas começaram a ter resolvido o problema da falta do registro de defensivos agrícolas para aplicação nessas culturas, encontrando-se, na maior parte das vezes, em uma situação de ilegalidade e que acarreta dificuldades à comercialização, principalmente quando voltada à exportação.

    Essa falta de atenção e priorização das pequenas culturas revela, muitas vezes, a inadequada compreensão de sua importância para o país, não apenas sob uma perspectiva econômica, mas também sob a perspectiva de sua importância para a sociedade, pois, nesse caso, mais intensamente do que ocorre com as grandes culturas, a importância social se encontra em maior equilíbrio com a sua importância econômica. 

    Assim, se de um lado, no caso da produção de hortaliças, considerando-se o preço de venda ao consumidor, a atividade cria um valor adicionado de US$ 11 bilhões  anuais a partir das sementes adquiridas pelo produtor – o que representa uma significativa contribuição à economia do país –, de outro lado, do ponto de vista social, essa mesma atividade gera 12 vezes mais empregos diretos por hectare que os gerados por soja ou milho, sendo o setor responsável pela criação de 7 milhões de empregos, dos quais 3,5 milhões são diretos e 3,5 milhões indiretos. Ainda do ponto de vista social, o setor é indispensável na busca de uma dieta alimentar mais saudável e equilibrada para a população e peça-chave na solução de um problema de saúde pública que passou a assolar os países e os cofres públicos na forma do aumento das despesas previdenciárias para combater os graves e diversos problemas representados pela obesidade.


    Espera-se com razoável certeza um significativo e constante crescimento da demanda por hortaliças no Brasil, e os direcionadores desse crescimento relacionam-se ao crescimento da economia, pois se sabe que a incrementos positivos no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro correspondem incrementos positivos na demanda de hortaliças, mas esse não é o único direcionador macroeconômico a atuar positivamente sobre a demanda: a inflação sobre controle e o aumento da renda são fatores importantes para esse crescimento. Além disso, do ponto de vista do ambiente social, o aumento da demanda apóia-se na variável demográfica – se de um lado o envelhecimento da população está levando à busca por uma alimentação mais equilibrada e adequada a esse estágio da vida e longevidade, do outro, pesquisas têm demonstrado que as novas gerações estão consumindo mais hortaliças, resultado de uma crescente conscientização da sociedade sobre a importância dos hábitos saudáveis de alimentação. Ainda do ponto de vista do ambiente social, o aumento da demanda se apóia também na variável cultural – a busca por mais qualidade de vida, que reflete na busca por uma dieta mais equilibrada, saudável e menos calórica.

    Dessa forma é importante para o Brasil voltar sua atenção para a cadeia produtiva das hortaliças para que se possa ter um processo produtivo capaz de atender aos requisitos quantitativos e qualitativos definidos pelo aumento da demanda pela população desses importantes alimentos, o que significa investir e apoiar o setor nas áreas de pesquisa, difusão de tecnologia, crédito a produção, e um marco regulatório legal que contemple as necessidades e especificidades do setor em todos os seus elos, incluindo a comercialização.

    A indústria de sementes de hortaliças está na base desse setor produtivo e é um elo indispensável dessa cadeia produtiva e tem sido uma peça-chave no desenvolvimento da produção de hortaliças no Brasil e indispensável para garantir a oferta quantitativa e qualitativa necessária para atender ao consumo atual e ao aumento da demanda futura.


    A indústria de sementes de hortaliças não pode ser avaliada apenas a partir de seu potencial de vendas anual, pois, e para efeito ilustrativo, as vendas do setor montam a US$ 100 milhões, mas geram um valor adicionado a partir das sementes, considerando-se o momento da venda da produção para o consumidor, de US$ 11 bilhões, ou seja, para cada dólar gerado pela indústria gera-se US$ 110 na ponta do consumo.

    Porém, essa indústria tem tido a sua potencialidade contributiva limitada pela ausência ou presença de legislação, que não atende às demandas e especificidades inerentes às pequenas culturas, estando e sendo essa legislação muitas vezes elaborada a partir da realidade e da experiência vivida com grandes culturas, o que chamamos de MIOPIA COM AS SEMENTES DE HORTALIÇAS. Ou seja, a falta de conhecimento das diferenças existentes entre a produção e a comercialização de sementes de hortaliças e a produção e a comercialização de sementes de grandes culturas leva a uma legislação inadequada às necessidades e particularidades dessa indústria.

    Para a correção dessa miopia é indispensável conhecer as diferenças e particularidades que estão muito além das diferenças físicas mais óbvias: cor, tamanho e formato das sementes, mas ainda assim, a mais óbvia diferença, a do tamanho das sementes, já indica que diferenças ainda maiores precisam ser apontadas e compreendidas para que se possa promover uma legislação e uma política adequada para a indústria. A imagem mostra que 25 sementes de tomate híbrido equivalem aproximadamente ao tamanho de apenas uma semente de milho híbrido.

    De uma forma geral, a indústria de sementes de hortaliças apresenta 15 diferenças básicas em relação à indústria de sementes de grandes culturas e que se encontra sumarizada no quadro inserido no texto.



    Além dessas diferenças, há de se considerar que, diferentemente do que acontece com as grandes culturas, para hortaliças é possível realizar o processo de pesquisa e de produção em regiões geográficas distintas e distantes do mercado consumidor, ou pelo menos, isso pode acontecer com freqüência muito maior. Essa maior “globalização” do processo de pesquisa e produção traz importantes ganhos ,representados, no que se refere à pesquisa, pela ampliação do acesso a germoplasmas, otimização de competências e capacidades localizadas em distintas partes do globo e, no que se refere à produção, os ganhos são materializados pela possibilidade de aumento da produção, da oferta, da disponibilidade e da qualidade das sementes. Essa globalização traz importantes ganhos para os produtores e consumidores, pois permite oferecer variedades superiores e até mesmo oferecer sementes de variedades para as quais o Brasil não tem produção, como são os casos de brócolis, repolho, rabanete, couve-chinesa, melões nobres, melancia, abóbora japonesa, cebolinha, beterraba, salsão, nabo e espinafre. Ou seja, graças a esse processo, produtores brasileiros são capazes de produzir e ofertar à sociedade esses produtos de forma competitiva e contribuir para enriquecer e melhorar a dieta alimentar da população.

    O conhecimento e a compreensão das diferenças mencionadas até aqui entre sementes de pequenas e de grandes culturas é indispensável para legislar e regular as áreas de pesquisa e desenvolvimento, produção, comercialização, importação, exportação, proteção intelectual e sanidade vegetal. De outra forma, se a miopia em relação às sementes de hortaliças não for curada, a legislação e os marcos regulatórios seguirão míopes e se constituindo em um obstáculo ao desenvolvimento desse importante setor do agronegócio brasileiro.

    Atualmente, a indústria de sementes de hortaliças, através dos esforços de suas Associações – ABCSEM (Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas) e ABRASEM (Associação Brasileira de Sementes e Mudas) –, em conjunto com as suas congêneres internacionais, têm buscado corrigir os problemas decorrentes da miopia com as sementes junto às organizações governamentais locais e, também internacionais, porque o problema dessa miopia não está restrito apenas ao Brasil – os demais países, em maior ou menor grau, também sofrem dessa limitação, gerando também marcos regulatórios e legais que chegam a impossibilitar o desenvolvimento mais globalizado da indústria nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, produção, comercialização, propriedade intelectual e acordos fitossanitários. Além disso, esforços têm sido envidados para promover um melhor entendimento das diferenças e particularidades da indústria de sementes de hortaliças junto às organizações governamentais. 

    Alguns poucos exemplos, de uma lista maior de problemas causados pela miopia com as sementes de hortaliças, podem ser mencionados aqui. Por exemplo, a grande quantidade de sementes retiradas para fins de análises laboratoriais de amostras destinadas aos processos de pesquisa e desenvolvimento incluindo-se germoplasma, sementes genética, básica e sementes de parentais; extremada dificuldade na importação de amostras para fins de pesquisa e desenvolvimento, falta de registro de produtos para tratamentos de sementes de hortaliças no Brasil e não aceitação de registros já existentes em outros países; e dificuldades no processo de reexportação, quando o país importador irá reexportar para outro país que possua requisitos fitossanitários diferentes dos exigidos pelo seu próprio país por não se aceitar proceder a análise de pragas e doenças que não constam como obrigatórias para o país importador, impossibilitando a reexportação.


    A cadeia produtiva de hortaliças é de grande importância para a economia e para a sociedade brasileira, e o desenvolvimento sustentável e competitivo do setor de sementes de hortaliças, pilar dessa importante cadeia, depende da correção da miopia com as sementes e dos problemas por ela causados. 

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