Novas Tecnologias de Melhoramento

normatizar é preciso, entenda o porquê!

Edição XXII | 02 - Mar . 2018
Alexandre Nepomuceno-alexandre.nepomuceno@embrapa.br
    A biotecnologia tem se destacado como uma importante ferramenta no melhoramento genético de plantas. Entre suas diversas aplicações, o exemplo mais conhecido é o desenvolvimento das variedades transgênicas, considerado um dos maiores avanços tecnológicos das últimas décadas. A velocidade com que a transgenia foi incorporada ao processo produtivo mundial é incomparável.  Hoje, menos de 30 anos após o surgimento das primeiras variedades transgênicas, essa tecnologia já ocupa uma área que ultrapassa 185 milhões de ha ao redor do mundo. Apesar dos benefícios inegáveis que os transgênicos trouxeram à agricultura, o desenvolvimento desses eventos GM (Geneticamente Modificados) demanda tempo e esforço, além de exigir onerosos processos para a comprovação da segurança de seus produtos.  
    Felizmente, a engenharia gênica evoluiu rapidamente, sendo que nos últimos 10 anos, ocorreram descobertas significativas que permitiram o desenvolvimento de novos métodos capazes de editar precisamente o DNA, com potencial de aplicação em diversas áreas, incluindo o melhoramento genético de plantas. Assim, no cenário atual transitamos para uma nova era tecnológica, a qual engloba as Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), do inglês Precision Breeding Innovation (PBI) e que também englobam as denominadas Novas Tecnologias de Melhoramento, do inglês New Breeding Technologies (NBTs). Entre essas novas tecnologias, atenção especial tem sido voltada ao sistema CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats). CRISPR trata-se de uma ferramenta de edição de genomas que permite identificar genes de interesse no DNA de qualquer espécie, e modificá-lo de acordo com as necessidades, sem necessariamente envolver a inclusão de genes exógenos. O potencial da técnica é algo sem precedentes, permitindo realizar desde o nocaute/silenciamento, até inserções e substituições de genes e/ou blocos de genes com precisão. 
    Por possibilitar alterar desde sequências maiores até sequências de poucos nucleotídeos, o sistema CRISPR pode ser usado para induzir mutações específicas, de forma a gerar ou modificar alelos selvagens ou mutados, envolvendo apenas a modificação de sequências já existentes na própria espécie. Já existem vários produtos desenvolvidos e em desenvolvimento por meio dessa estratégia e que em breve estarão disponíveis no mercado, como por exemplo, variedades de milho com alteração na composição do amido e com característica de tolerância a seca, plantas de citros e tomate resistentes a bactérias e vírus, soja e algodão resistente a doenças, entre tantas outras características sendo trabalhadas. 
    Apesar do potencial  inegável da ferramenta CRISPR, um dos pontos que vem sendo amplamente debatidos no Brasil e no mundo é a questão da regulamentação dos produtos gerados. Dependendo da alteração genética realizada, as plantas desenvolvidas por meio dessas ferramentas de edição gênica, podem em nada diferir de plantas convencionais que sofreram mutações naturais e, portanto, não podem ser considerados como organismos transgênicos. 
    É importante que os países adotem critérios semelhantes de classificação, visando evitar problemas para importação e exportação de produtos.  Argentina, EUA, Chile e Canadá já se posicionaram de forma que a classificação dos alguns produtos oriundos dessas novas tecnologias não serão considerados transgênicos. Assim, casos em que ocorram apenas modificações de genes ou sequências de DNA já presentes na espécie, ou que poderiam surgir por mutações naturais, seriam consideradas como não OGMs ou não transgênicos. 
    No Brasil, o sistema de regulação de OGMs, normatizado pela Lei de Biossegurança N° 11.105 de 2005, foi elaborado quando estas novas metodologias ainda não existiam, há mais de 13 anos. Assim, tornou-se urgente e necessário adequar a nossa legislação. A falta de uma Lei que seja compatível como esse cenário atual pode, além dos problemas já citados, trazer outras consequências desastrosas ao País. Basta traçarmos um paralelo com o que ocorreu com o surgimento da soja RR, a primeira cultura transgênica comercializada no Brasil. O atraso que tivemos na liberação comercial dessas variedades em nosso País, enquanto que em países vizinhos como a Argentina a tecnologia já estava disponível, fez com que muitos produtores passassem a importar a tecnologia de forma ilegal, utilizando sementes sem garantia de qualidade e que, na maioria das vezes, não eram adaptadas àas nossas condições. A consequência disso foram enormes prejuízos ao setor sementeiro e a toda a cadeia produtiva, sem falar no atraso técnico-científico causado pela inibição de investimento na área. 
    Diante desse cenário, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) concentrou esforços e elaborou uma normativa, a qual foi apresentada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC). Após análise e adequação, a proposta foi recentemente aprovada e publicada no DOU por meio da Resolução Normativa (RN) Nº 16, de 15 de janeiro de 2018.  Através dessa RN, foram estabelecidos os requisitos técnicos para apresentação de consulta à CTNBio sobre as Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão. A proposta dessa normativa é que a aplicação das novas tecnologias sejam analisadas caso a caso, considerando a presença ou não de DNA/RNA recombinante no produto final. A aprovação dessa proposta é um grande marco ao desenvolvimento e a utilização da biotecnologia no Brasil. Além de vir ao encontro do que já vem ocorrendo nos demais países, a possibilidade de uso dessas tecnologias com uma regulamentação que preserva a biossegurança, mas não restritiva, permite que instituições públicas e empresas privadas de menor porte se tornem competitivas nesse mercado, que hoje, é restrito apenas a um pequeno número de grandes corporações
Compartilhar