Pais, filhos e negócios

Edição XV | 05 - Set . 2011

    O dia dos pais já passou, mas a abordagem deste ensaio mantém-se pertinente, já que, tanto os relacionamentos familiares como os métodos de gestão das organizações do gênero, são temas recorrentes, sempre atuais e dinâmicos. Soma-se ao enfoque a característica da ampla maioria das empresas do agronegócio, principalmente do setor primário, ao terem sua origem em pessoas que empreenderam, muitas vezes com mais vontade e espírito de luta do que conhecimento. Foram ganhando experiência à medida que o tempo foi passando, consolidando conjuntamente o núcleo familiar.

    Provavelmente, o setor agropecuário seja um dos setores com maior concentração de atividades familiares em todo o mundo. Vale ressaltar, porém, que a grande discussão em torno do tema tem sido a sucessão familiar nas empresas (tanto urbanas como rurais), o planejamento, a governança ou temas do gênero, todos correlatos e vistos sob o ângulo da gestão, do ângulo corporativo, da visão do gerente, em suma, mantendo o estratégico como elemento central. 

    Poucas vezes se observa a discussão desse tema do ponto de vista da relação familiar propriamente dita, a partir da origem e convivência entre pais e filhos ou vice-versa. Muito tem-se discutido sobre a importância que a família tem sobre o futuro das pessoas e da humanidade. Desse modo, a família deve requerer para si o compromisso de fazer bons e grandes empresários, constituindo base sólida sobre sua formação que será completada mais adiante pela escola formal. É exatamente este o propósito: retomar os temas da gestão e sucessão das empresas familiares, não apenas do ponto de vista do negócio, mas principalmente da família, da vivência neste meio e da formação do gestor, seja ela matriarcal ou patriarcal.


    Como nascem os empresários

    Em qualquer setor, somos capazes de encontrar referências empreendedoras e grandes gestores que construíram seus negócios a partir do zero, com pouco auxílio e, ainda assim, obtiveram sucesso. Nunca antes o empreendedorismo foi tão debatido como agora, quando se percebe (dado o dinamismo e a necessária competitividade) que qualquer empresário, seja ele da roça ou dos escritórios nos arranha-céus, precisa de espírito empreendedor para lograr êxito na sua atividade.

    O empreendedorismo, antes de tudo, é uma filosofia de vida. Mais do que bons empreendedores e profissionais de alta capacidade técnica, o mundo precisa de pessoas com iniciativa e que sejam capazes de reinventar os seus ambientes. O crescimento sustentável das nações está alicerçado na cultura empreendedora de seu povo e na capacidade de se diferenciar de modo contínuo perante os demais.

    Mas de algum modo e em algum lugar, o empreendedorismo nasce e brota. Mantenho a convicção de que os empreendedores nascem em casa, na escola, na comunidade onde vivemos, na relação com os amigos, colegas e professores, mas principalmente na relação cotidiana e equilibrada com os seus pais. Esse papel central que a relação familiar e o ambiente em que vivemos assumem parece fundamental para desenvolver o espírito empreendedor e direcionar as nossas práticas para o futuro. 

    As empresas rurais possuem um privilégio secreto, mas frequentemente mal utilizado, de permitir a convivência diuturna de todos os membros da família com os negócios que a sustentam. Quantos empresários urbanos gostariam de poder levar seus filhos ao ambiente de trabalho e mostrar-lhes como funciona o seu dia a dia? Ou mesmo poder evidenciar a relevância social para que os seus filhos tenham orgulho do papel que desempenham e talvez, no futuro, sigam os seus passos.

    As atividades agropecuárias possuem este privilégio, mas percebo que muitos pais encontram dificuldade em realizar essa prática. Ao invés de estimular a efetiva participação dos filhos nas atividades dos negócios desde cedo, relegam essas tarefas básicas a colaboradores, enquanto seus pupilos mantêm dificuldade para entender a relação e, ociosamente, empenham o seu tempo e sua criatividade em atividades fechadas em quatro paredes. Mais tarde, as escolas promovem feiras de profissões para demonstrar aos seus filhos como teoricamente funcionam as atividades, muitas vezes, inclusive a de seus pais.

    É papel dos pais demonstrar a grandeza que as atividades do agronegócio representam, mas isso somente é possível quando existe relação próxima entre pais e filhos e haja orgulho e equilíbrio dos próprios pais em relação a sua atividade. É natural que os filhos fugirão de tudo aquilo que traga descompasso familiar, por isso é importante que os pais falem bem do seu negócio e sejam capazes de reduzir a pressão dele sobre a família.

    Dito de outro modo, se os pais forem ausentes em função da sua atividade e trabalhar for sinônimo de estresse e discussão, os filhos farão uma leitura subliminar de que desempenhar determinada atividade não é bom e se desinteressarão por ela. É importante que enterremos, de uma vez por todas, a síndrome do Jeca Tatu.


    Pense no Legado

    A sucessão nos negócios pode se dar sem sobressaltos, mas, para isso, é importante que os filhos não sejam tolhidos na maneira espontânea de enxergar e interagir com os fatos. Os limites são fundamentais e devem ser chamados à responsabilidade, para experimentar e errar, pois fazem parte da construção da personalidade e, por conseguinte, da segurança necessária a qualquer empresário. É através deles que o ser humano se dispõe a questionar e sedimentar suas verdades, tornando-se capaz de sugerir e propor sem sentir culpa ou medo.

    Eu nasci na roça e todos os meus antepassados de que tenho notícia viveram de trabalhar na agricultura. Meus pais tinham algumas práticas que ajudaram muito a moldar o profissional e pai que sou, com todos os acertos e erros que me emprestaram. Mas algumas questões foram indeléveis e me ajudaram a empreender com mais segurança e tenacidade o que procuro repassar para meus clientes, alunos e filhos.

    Lembro-me, por exemplo, que, embora minha mãe levantasse de madrugada para ordenhar as vacas, sempre sobrava tempo para anotar todas as atividades e indicadores de produtividade do seu negócio. Possuía vários cadernos com os nomes dos animais, contendo registros de nascimentos, pesos, litros ordenhados, coberturas, datas e áreas de plantio, colheitas e muitos outros indicadores, mais tarde utilizados para organizar o orçamento doméstico, que era bastante apertado. Fez isso durante 50 anos.

    Ainda hoje, com 80 anos, gerencia sozinha todas as suas economias e, quando vai às compras, pechincha em tudo, até que o vendedor, já sem graça, conceda algum desconto ou um diferencial. Além disso, sempre se propunha a desenvolver a capacidade de produzir e vender qualquer coisa necessária para reunir recursos, desde ovos, batatinha, queijo ou outro produto.


    Fora a habilidade comercial da minha mãe, o meu pai, dentre as virtudes da perseverança e retidão, que lhe eram peculiares, tinha um compromisso irretocável com a pontualidade, durante toda a sua vida. Não me lembro de algum evento, seja na reunião da cooperativa ou no jogo de bocha, ao qual ele tenha se atrasado. Dois momentos que lembro com frequência: quando ele precisava tomar algum remédio, alguns minutos antes já estava com os medicamentos na mão, sentado, esperando o horário chegar e cumprir o ritual. Outro, numa ocasião em que fui visitá-lo e ele, já enfermo, ao saber de uma reunião que eu teria dentro de uma hora, me despachou da casa dele, preocupado para que eu não perdesse o horário e ocupasse o tempo das pessoas em vão.


    "As empresas rurais possuem um privilégio secreto, mas frequentemente mal utilizado, de permitir a convivência diuturna de todos os membros da família com os negócios que a sustentam."


    Aprendi ainda em casa a observar objetivamente e procurar compreender o que as pessoas, os animais e as plantas necessitam ou querem. Além disso, oferecer-me para ajudar ou atender sem precisar que alguém determine ou empurre. Isso foi moldando e contribuiu para que, mesmo antes de ter formação acadêmica relevante e empreender qualquer negócio, me fosse útil como profissional e colaborador nas empresas.


    Acredito piamente que os empreendedores nascem do convívio e dos estímulos que recebem, desde o princípio, e vão se formando, somando qualidades pessoais e técnicas no desempenho das atividades diárias. Mas nenhuma delas é tão forte quanto a relação entre pais e filhos nas suas atividades. E suas consequências, para o bem e o mal, são indeléveis, difíceis de mudar ou apagar, e, justamente por isso, tão importantes.


    O gerenciamento como prioridade

    Não me lembro de ter visto em algum momento tanta discussão em torno da administração financeira familiar. Já é senso comum de que deve fazer parte do cotidiano das famílias, mas também é corrente que essa tem sido uma luta inglória na maioria dos lares e em boa parte das empresas. Basta olhar o nível de endividamento das famílias brasileiras.

    O perfil dos empresários do agronegócio e a maneira de administrar os empreendimentos mudaram muito ao longo da última década, mas ainda persistem deficiências em torno do que efetivamente são as prioridades na condução das empresas, mantendo-se muitas barreiras, notadamente em torno da utilização do feeling e da flexibilidade exagerada, somada à falta de parâmetros de médio e longo prazos.

    Desse modo, atenção se volta novamente para o modus operandi das famílias. Talvez, para formarmos bons gestores e dignos sucessores nas nossas empresas, antes de pensarmos em projetos complexos, muitas vezes dispendiosos e frequentemente de difícil execução, deveríamos nos preocupar com o modo como nossas famílias cuidam de si, gerenciam e aplicam os seus recursos.

    Da mesma maneira que a educação, a gestão (que é um ingrediente da educação) começa dentro de casa. Queremos que nossos filhos gastem menos, controlem os seus recursos, e nos exaltamos quando a mesada termina antes do final do mês. Mas também não é do cotidiano delas ver os seus pais controlar e planejar os seus gastos e discutir o orçamento mensal ou anual em família.

    O destino do dinheiro é uma incógnita para a maioria dos lares e a maioria dos pais. Mesmo sem dinheiro, sucumbem aos argumentos dos filhos na fila de espera do caixa, diante da prateleira de brinquedos ou da vitrine. Sempre arrumam um argumento para driblar o orçamento. Desse modo, sem perceber, fazem escola de perdulários e maus empresários. Talvez por isso, e não por acaso, o Brasil seja um dos países de pior poupança doméstica.

    Até a próxima.

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