A Semente e os Desafios da Agricultura

Edição XV | 05 - Set . 2011
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br

    O aumento estimado da população, de 9 bilhões de pessoas para 2050, agregado ao aumento do consumo global de alimento para mais de 3.000 kcal/pessoa/dia, de acordo com a FAO/WHO, fará com que nos próximos 40 anos a produção de alimentos venha a ser igual à produzida nos últimos 12.000 anos – e isto deverá ser conseguido a despeito das mudanças climáticas, limitada quantidade de terra, água e combustíveis fósseis. Felizmente, a indústria de sementes, através do fitomelhoramento, tem conseguido superar os desafios, o que nos leva a deduzir que continuará a superar, produzindo mais alimentos para uma população crescente e melhor nutrida.

    Em 1960, o cultivo de um hectare era suficiente para alimentar duas pessoas, em 1995 um hectare alimentava quatro, e para 2025 um hectare deverá produzir alimentos para cinco pessoas. Como pode ser visto, num período de 35 anos, já se conseguiu duplicar a produção de alimento para atender a demanda; entretanto, agora, ao contrário do passado, o aumento de 25% na produção de alimentos em 15 anos, deverá ser conseguido na mesma área e muitas vezes em condições cada vez mais adversas, como solos degradados e depauperados.

    Os ganhos de produtividade são de diversas origens, no entanto grande parte deve-se aos avanços obtidos com o melhoramento vegetal. No milho, por exemplo, 40 a 50% dos ganhos desde 1930, nos Estados Unidos, são devidos ao manejo agronômico, como aplicação de nitrogênio, agroquímicos, densidade de semeadura e plantio direto, enquanto os outros 50 a 60% são atribuídos ao melhoramento genético. Atualmente, a média de produtividade em milho nos Estados Unidos é próxima de 10t/ha. Na Inglaterra, um amplo estudo, realizado desde 1982, mostra que mais de 90% dos ganhos de produtividade com trigo devem-se ao fitomelhoramento.

    No Brasil, os ganhos de produtividade também têm sido apreciáveis, e grande parte devido ao fitomelhoramento. Em soja, milho, trigo, arroz e algodão, por exemplo, nos últimos 20 anos, o aumento de produtividade tem sido ao redor de 50%. Em 1990, a produtividade média da soja era de 2t/ha e, atualmente, é de 3t/ha. Esse aumento de 1t/ha pode até parecer pouco, porém, considerando que o país cultiva 23 milhões de hectares de soja por ano, significa um acréscimo de 23 milhões de toneladas de grãos por ano, que pode alimentar muita gente. Por outro lado, em milho, em 1990, a produtividade média era de 1,95t/ha, sendo atualmente de 4,45t/ha, com um aumento de 100%, que em 11 milhões de hectares cultivados no país significa um aumento de 27,5 milhões de toneladas de grãos de milho por ano. Para se ter uma idéia do que esta produção significa, salienta-se que para obter-se 1kg de carne de frango é necessário 1kg de milho; assim, as 27,5 milhões de toneladas de grãos de milho significam para a sociedade a disponibilidade de 27,5 milhões de toneladas de carne de frango. Considerando que 1kg de carne de frango possui 1.000 kcal e que uma dieta normal diária seja 3.050 kcal, essa quantidade de 27,5 milhões de toneladas de carne é suficiente para alimentar, por um ano, mais de 24 milhões de pessoas.



    O aumento da produtividade com o uso de sementes de alta qualidade das variedades melhoradas pode reduzir o custo dos alimentos por possibilitar ao agricultor a obtenção de um custo menor em sua atividade – e isso talvez seja a parte mais visível do que a semente pode proporcionar. Há, no entanto, outros aspectos que a semente melhorada (variedades melhoradas) pode proporcionar, como o melhor uso da terra, pois produzindo mais não haverá necessidade de desmatar o solo. Outro aspecto é a qualidade nutricional da semente, como é caso clássico do arroz de ouro para suprimento de ferro e vitamina A, a soja rica em Ômega 3 para o colesterol e a soja rica em óleo pouco saturado. As sementes também podem ajudar a minimizar as perdas de armazenamento dos grãos, que alcançam mais de 10% ao ano em termos globais. Muitos outros benefícios poderiam ser utilizados para ilustrar o quanto as sementes são capazes de contribuir para com o nosso bem estar.

    Uma grande tempestade, como aquela que ocorreu em 2007 com a alta dos preços dos alimentos, pode ocorrer novamente, e, para minimizar seus efeitos, a melhor ferramenta pode vir através da semente com o uso das variedades melhoradas. Isso parece fácil, mas envolve ciência e tecnologia, muitos anos de trabalho árduo de muita gente e bastante dinheiro. As plantas devem produzir mais, ser mais fortes e precoces, resistentes tanto às condições adversas de clima como a doenças e pragas, ter facilidade de colheita e qualidade nutricional, entre outros aspectos. Há consenso de que a agricultura dos nossos dias possui duas prioridades: segurança alimentar com aumento de produtividade e sustentabilidade. O uso das sementes melhoradas pode atender estas prioridades, lembrando que ciência e tecnologia necessitam de políticas de médio e longo prazos, que não se ligam e desligam como uma chave de luz.

    É evidente que a segurança alimentar e a produção de alimentos têm significado diferente conforme o país, entretanto, mesmo aqueles países (muito poucos) que ainda possuem terra nova para explorar, devem considerar a vantagem de aumentar a produção via produtividade com melhores variedades do que agregando terra. Há países como o Brasil, onde o agronegócio representa praticamente 30% do produto interno bruto (PIB), em que o investimento em ciência e tecnologia, tanto do setor público como privado, é bastante significativo. O investimento anual do setor público brasileiro em ciência e tecnologia para o agronegócio ultrapassa a dois bilhões de dólares anuais, o que possibilita um bom equilíbrio entre o setor público e privado com liberações de materiais superiores todos os anos nos principais cultivos.

    As sementes de alta qualidade das variedades melhoradas necessitam ser utilizadas pelos agricultores em quantidade, para poderem realmente contribuir para a segurança alimentar – não adianta ter uma sementinha nota dez, necessita-se de bilhões e bilhões de sementinhas da melhor qualidade possível, que muitas vezes não é o ‘dez’, mas deve ser o mais próximo possível. Neste sentido, há um sistema universal em que as sementes, antes de serem oferecidas ao agricultor, são multiplicadas de uma forma tal que mantêm sua qualidade. Este sistema envolve, em geral, a produção de quatro categorias de sementes: a genética, que é a primeira geração; a semente básica, que é a segunda geração; a certificada I (no Brasil – nos outros países, em geral, denomina-se de registrada), a terceira geração; e a certificada II, que é a quarta geração. Esse processo assegura-se ter quantidade de sementes mantendo sua qualidade, e a oferta ao agricultor de uma semente de baixo preço (isso mesmo, a semente participa com menos de 10% do custo de produção dos principais cultivos).


    A produção e a distribuição das sementes aos agricultores é algo complexo, que envolve várias tecnologias e grandes investimentos. Assim, quem se dedica a esta nobre atividade, além de necessitar de recursos financeiros e humanos, também irá requerer um arcabouço legal para suas atividades. Felizmente, a grande maioria dos países já percebe essa necessidade e possui suas leis de sementes para proteger e orientar todos os participantes da cadeia, do obtentor da variedade melhorada até ao agricultor que usa as sementes.    

    Outro aspecto a ser considerado sobre o papel das sementes, para diminuir as ameaças sobre a falta de alimentos, é que as variedades melhoradas devem ser criadas e desenvolvidas. E, além dos recursos humanos e financeiros comentados anteriormente, há necessidade de um ambiente de confiança mútua entre os programas de melhoramento vegetal e o governo, também através de um arcabouço legal, que, felizmente, a maioria dos países possui via acordos governamentais  para proteção de cultivares, com adesão às ATAs da União para Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV). 

    A ATA da UPOV de 1978 contempla a proteção das novas cultivares até as sementes, enquanto a ATA de 1991 (atualmente a única a que se pode aderir) contempla a proteção até o grão, ou seja, se o agricultor quiser usar sua própria semente, pode fazê-lo – entretanto, os royalties do melhorista devem ser pagos. Outro aspecto importante da proteção de cultivares é que ambas as ATAs contemplam a  isenção do melhorista, ou seja, qualquer variedade melhorada que esteja sendo comercializada pode ser utilizada por qualquer melhorista (mesmo o concorrente) em seu programa de melhoramento. Isto significa que quem possui uma variedade superior agora, sabe que, em alguns anos, alguém provavelmente terá um produto melhor. Assim, caso queira estar no topo, não poderá “descansar”.

    Nas leis de proteção de cultivares o acesso aos materiais comerciais é livre, no tanto, isto não significa uma maior disseminação e uso de uma tecnologia ou produto. Para isso há necessidade de bons programas e processos de produção e distribuição das sementes. Neste sentido, enfatiza-se um estudo realizado no Brasil, em que a variação da produtividade do milho varia de 2 a 15t/ha, sendo a média de 4,45t/ha, significando que há muitos agricultores produzindo muito bem, enquanto outros estão com dificuldades para obterem alta produtividade. A diferença entre estes grupos de agricultores está no tipo de material que utilizam para plantar: os que obtêm alta produtividade utilizam milho híbrido simples, enquanto os de baixa produtividade são, na maioria, os que utilizam sementes crioulas (variedades sem um processo de produção de sementes). Isto exemplifica que é importante a criação e desenvolvimento de materiais superiores, porém de nenhum proveito se o agricultor não os utilizar.


"O aumento da produtividade com o uso de sementes de alta qualidade das variedades melhoradas pode reduzir o custo dos alimentos por possibilitar ao agricultor a obtenção de um custo menor em sua atividade"


    Além da importância da carga genética de uma semente para aumentar e garantir a produção e a sustentabilidade do sistema, há doenças, insetos e invasoras que não podem ser controlados geneticamente. Assim, em vez de aplicações aéreas nos cultivos, há, felizmente, produtos que podem ser aplicados às sementes para controle das doenças e pragas, reduzindo bastante as aplicações de ingredientes ativos no ambiente. 

    As sementes devem possuir alta qualidade aliada a alto desempenho, obtido por fungicidas, inseticidas, micronutrientes e hormônios. Neste sentido, vários produtos para tratamento de sementes foram desenvolvidos nos últimos anos, atendendo às necessidades da semente para produzir uma planta vigorosa, mesmo em condições adversas. Felizmente, a percepção do agricultor é alta no sentido de que a semente necessita de uma ajuda para desempenhar melhor seu papel. Para ilustrar, salienta-se que nos cultivos de milho, soja e algodão, no Brasil, praticamente toda semente é tratada com fungicida, enquanto que o tratamento com outros produtos está crescendo, como é o caso de inseticida, que já alcança mais de 60% para a cultura da soja e mais de 90% para milho. 

    Como se constata, a semente pode ser o caminho para minimizar os desafios da agricultura para proporcionar alimento a uma população crescente, que cada vez come mais. É isso mesmo, na média, a população irá consumir mais, pois espera-se que as atuais um bilhão de pessoas que estão passando fome, comecem gradativamente a sair da pobreza. Neste sentido, deve-se ter atenção especial para que os aumentos de produtividade não acarretem redução demasiada dos preços dos grãos e fibras, pois queremos uma população bem nutrida e uma agricultura sustentável, em que o agricultor também consiga viver com dignidade. É evidente que não se pode eliminar com um ‘canetaço’ a lei da oferta e da procura, mas pode-se utilizar ferramentas políticas para minimizar seus efeitos. 


    É bom enfatizar que em qualquer atividade há uma grande dispersão da eficiência de produção, como a relatada no presente artigo, em que a produtividade do milho varia no Brasil de 2 a 15t/ha, e que talvez nem todos os agricultores colham o suficiente para pagar suas contas. Mas quando os mais eficientes, em termos de produtividade e custo, não conseguem pagar suas contas, algo está anormal. Desejam-se altas produtividades para baixar o custo dos alimentos, entretanto também devemos apostam em uma agricultura economicamente viável.  

    Como pode ser observado, estamos confiantes e otimistas de que a sementes irão superar os desafios de produzir alimentos suficientes para a população e, inclusive, com a possibilidade de haver excesso em alguma situação. Para isso, a semente também pode ser a solução, produzindo, além de quantidade, com uma qualidade superior para uma melhor nutrição, ou ingressando na parte medicinal, que é um mundo a parte e bastante promissor. A semente está aí para ser o veículo capaz de suprir muitas das nossas necessidades.


    Estamos num mundo globalizado e enfrentamos a necessidade de praticamente duplicar a produção de alimentos nos próximos 40 anos, sem aumentar a área de cultivo; com menos água, mais doenças, pragas e plantas daninhas e com mudanças climáticas. A semente, com certeza, pode ser o caminho para alcançar este desafio, como já fez em outras ocasiões. Para conseguir alcançar seu objetivo, a semente irá, evidentemente, necessitar de altos investimentos em ciência e tecnologia, com políticas de médio e longo prazos, tanto do setor público como do setor privado, bem como com a suficiente sensibilidade da classe política, no sentido de que se deseja diminuir a fome da população, mantendo-se viável o setor agrícola economicamente um agricultor viável. É importante que as políticas sejam tomadas com dados concretos e não apenas com o coração. 


    Baseado no filme da ISF “Agriculture under Pressure” (www.worldseed.org). O autor agradece ao Dr. Marcel Bruins (ISF) pela revisão do texto. 

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