No andar da carruagem

Edição XIX | 04 - Jul . 2015

    O famoso jargão popular parece fazer muito sentido no atual momento, tanto no amplo cenário econômico como na especificidade do agronegócio. É ‘no andar da carroça que as abóboras se ajeitam’ tem movido a esperança daqueles que atuam na agricultura, ao enfrentar o novo ciclo de pressão de seleção que vivemos.

    A pressão de seleção é uma característica do mundo competitivo. Não há como escapar dela, mas conviver sabiamente com ela é possível. Embora ocorra na maioria dos setores, é no agronegócio (já há algum tempo totalmente integrado ao ambiente econômico) que ela se apresenta evidentemente cíclica.

    Mas ter ciência disso não tem utilidade alguma se não soubermos o que fazer com essa informação. Ou, na pior das hipóteses, não acreditarmos que ela vá ocorrer e não tivermos coragem suficiente para fazer o que precisa ser feito.

    Se ela é cíclica, como já se sabe desde há muito tempo, se preparar em momentos de bonança para os momentos de depressão seria o mais lógico dos mundos. Mas é claro que isso parece simples assim olhando de longe. De perto, há várias questões que nos inibem de tomar as decisões adequadas. Uma delas é exatamente acreditar que a lei econômica é inexorável, isso representa um primeiro e grande passo. Reside aí a grande diferença entre saber e acreditar. Se você sabe que é assim, vai acontecer. Fique certo disso.

O bicho não é tão feio assim

    Voltando ao terreno dos fatos, é verdade também que, pelo catastrofismo que foi deflagrado e espalhado, a esta altura do campeonato o caos já deveria estar instalado. Para alguns desavisados está sendo realmente catastrófico e para outros ainda será. Mas, de um modo geral, logo após alguns indicadores de sustentação da competitividade do setor começarem a apresentar um viés ruim, vários analistas se colocaram rapidamente a prognosticar o apocalipse, que felizmente ainda não veio.

    Ao andar da carroça, se percebeu que o bicho não era tão feio quanto parecia ser ou se desenhava. É verdade que nada ainda está bem, resolvido ou ganho. Pelo contrário, o pior ainda pode estar por vir, mas, a princípio, a escuridão não chegou de repente e na intensidade que se previa. Muita gente, por exemplo, vendeu antes da hora, esperando o pior, e depois se arrependeu.

    Mesmo o bicho não sendo tão feio, não quer dizer que ele seja manso. Pelo contrário, é arredio e sorrateiro. Precisamos ter cuidado. O momento é de cautela, mas nunca de covardia. Aliás, isso não combina com o empreendedor do agronegócio. Ser cauteloso significa fazer tudo dentro das possibilidades, medir as consequências, mas agir de modo eficaz. Sem arroubos corajosos, que somente devem ser deflagrados no final dos momentos de depressão ou no início dos períodos de bonança.

    É claro que somente o fato de apertar as margens ou reduzir o crescimento já gera uma tensão que ninguém gosta ou espera. Mas ela passa. Está na hora de levantar as orelhas, arregaçar as mangas e avançar.

Não se deixar levar

    Saber lutar contra a correnteza ou aproveitar quando ela nos favorece têm sido duas estratégias genéricas de sucesso. Se deixarmos à própria sorte, normalmente ela tende a nos levar para onde não queremos ir ou não escolhemos estar. Para isso, precisamos remar com vigor quando convém, frear quando necessário e dirigir sempre.

    Ao contrário da letra da música do Zeca Pagodinho (Deixa a vida me levar), é necessário aprender a dirigir e agir proativamente. Até porque remar contra a correnteza nunca foi um grande negócio. Sempre custa muita energia e o resultado normalmente é pífio.

    Muito se tem falado sobre rapidez, mas quando se está na direção errada, velocidade pode representar problemas ainda maiores. Isso tem acontecido principalmente em momentos de bonança, quando os investimentos são altos e fáceis, o crédito disponível e o horizonte amplo. Fazer sem critérios é o caminho mais rápido para ter problemas quando a crise se avizinhar.

    O contrário do que diz a letra do Pagodinho, não podemos deixar o destino ou o ambiente nos levar. De nada adianta apenas levantar as mãos para o céu, é necessário fazer a nossa parte sempre. Seja nos momentos de fartura ou de aperto. Você precisa pilotar, independente do que esteja acontecendo lá fora.

Prevalece a Venda Consultiva

    Já escrevi sobre isso nessa coluna. Em 2013 dediquei um artigo inteiro sobre as vendas complexas. Mas diante da situação atual, mais do que nunca as vendas, na ampla maioria, assumiram essa característica, o que justifica a retomada do assunto.

    Não há mais compras realizadas fortuitamente, por impulso, apenas as por necessidade. Ninguém arrisca a fazer graça com o dinheiro escasso. A régua da competitividade subiu muito a partir do ano passado. Aliás, sempre sobe em momentos de aperto. E quando isso ocorre, quem precisa melhorar a sua dinâmica (dar os seus pulos) é o pessoal de mercado.

    Quando se trata de commodities, o preço sempre é um fator importante em qualquer processo de venda. Mas nesses momentos de depressão, levanto dois aspectos importantes a serem estudados com cautela como postura estratégica.

    O primeiro é exatamente sair dessa formatação focada em preço, que as commodities carregam. Descomoditizar os produtos da empresa tem trazido excelentes resultados para quem a pratica com profissionalismo. Na área de sementes, soja especialmente, os primeiros começaram há quase uma década com as sementes premium, gold, super, ou algo semelhante. Sair da vala comum, pode garantir mercado e eventualmente um premium price.

    A segunda estratégia reside exatamente no relacionamento com o cliente, estimulado nos momentos de fartura, mas colocado à prova nas fases de amargura. É nestas que os resultados de longo prazo são efetivamente colhidos. É como qualquer relacionamento, nos momentos de fartura e demanda elevada, muita gente aparece, mas é nos momentos de crise e desânimo que apenas os fiéis se mantêm.

    Por isso, a venda consultiva deve, cada vez mais, fazer a diferença nas relações comerciais. Invista nisso e teremos resultados de curto, médio e longo prazos. Apostar na continuidade e não apenas na relações spot são atitudes típicas de quem pensa estrategicamente a sua empresa. Ela, sozinha, já representa uma maneira de descomoditizá-la, e não apenas os seus produtos.



Até a próxima.

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