Absorção de água sob estresse

Edição XV | 03 - Mai . 2011
Silmar Teichert Peske-silmar@seednews.inf.br
Fabricio Becker Peske-fabricio@seednews.inf.br

    A semeadura tem um período certo para ocorrer, que em geral situa-se entre 30 e 45 dias. Antes ou depois desse período pode comprometer a produtividade do cultivo, em geral, quer por alta ou baixa temperatura ambiental ou por falta de chuva. Assim, há ocasiões em que o solo não apresenta as condições adequadas para a semente germinar, e, mesmo assim, o agricultor é praticamente forçado a realizar a semeadura, para minimizar os riscos de não poder estabelecer o seu cultivo. 

    Outra situação problemática para o agricultor é a ocorrência de chuva durante a semeadura ou poucos momentos após, o que em geral, para qualquer cultivo, afeta a germinação e emergência das sementes, necessitando de ressemeadura. 

    Neste trabalho vamos abordar a absorção de umidade pela semente, com ênfase às condições de estresse, quer por deficiência ou excesso de água.

    A água é essencial para germinação das sementes, uma vez que, ao se hidratarem, há a reativação de diversas enzimas, e ainda síntese de outras, que irão desdobrar as substâncias de reservas, as quais são essenciais à retomada de crescimento do embrião da semente.

    O processo inicial de absorção de umidade pela semente envolve três fases distintas, iniciadas pela hidratação da semente (primeira fase), seguidas de um período de absorção baixa ou nenhuma absorção de água (segunda fase), e acréscimo na taxa de absorção de água (terceira fase), a qual culminará na emissão da raiz primária pela semente. 

    A duração de cada estágio depende das propriedades inerentes às sementes, como a composição química, permeabilidade do tegumento, tamanho das sementes e absorção de oxigênio. Também há a dependência por condições de hidratação, como temperatura, umidade e composição do substrato.

    A embebição inicial de água (primeira fase) ocorre tanto em sementes vivas como em mortas, e tem uma duração de 8 a 16 horas. No entanto, a terceira fase ocorre apenas nas sementes vivas, pois este aumento na absorção de água é relacionado às mudanças que ocorrem na medida em que há a retomada de crescimento do embrião, caracterizado pela expansão e/ou divisão das células.

    De forma geral, quanto à permeabilidade das sementes à água, há a influência significativa da camada externa das sementes ou, como em alguns casos, do pericarpo. A área micrópila-hilo geralmente possui maior permeabilidade à água, pois esta é normalmente a camada externa mais fina da semente – em feijão e soja, essa região é responsável por aproximadamente 20% do fluxo de água, nas primeiras 24 horas de hidratação. Em muitos casos, as camadas mais externas das sementes podem conter células mucilaginosas, que se rompem ao entrar em contato com a água, exsudando mucilagem que servirá para aumentar o contato da semente com o solo e, assim, ampliando o número de caminhos ou rotas pelas quais a água irá ser absorvida.

    Há espécies de plantas como o feijão, soja, algodão e muitas leguminosas forrageiras que, dependendo da variedade, produzem sementes “duras” ou impermeáveis à água. Estas, podem não absorver água por um período longo de tempo, mesmo após vários dias em contato com água. 

    Porém, este é apenas um caso à parte. A partir do momento em que se inicia a embebição de água pela semente, esta deixa de ser um organismo em repouso para iniciar um processo que culminará no desenvolvimento do embrião. Logo, percebe–se facilmente a importância desta etapa para o desenvolvimento normal de uma plântula, e assim, chegar a uma planta adulta e completamente desenvolvida. 

    É claro que quanto maior o contato da semente com o solo, maior é a quantidade de água embebida; inclusive, esta é a razão de os agricultores, no momento da semeadura, cobrirem as sementes com solo com alguma compactação, passando algo por cima da linha de semeadura.

    As alterações na textura da superfície da cobertura das sementes podem modificar o contato com um volume específico de solo, pois essas sementes com maior textura têm maior contato com o solo do que aquelas com superfície lisa, embebendo água mais rapidamente e favorecendo a germinação. Da mesma forma, o tamanho das sementes também é um fator que pode influir na embebição, uma vez que sementes pequenas possuem uma relação de superfície por volume maior do que a das sementes grandes. 

    A quantidade total de água usada pelas sementes durante a embebição geralmente não excede de duas a três vezes a massa da semente seca, como por exemplo, para desencadear-se o processo de germinação de sementes de milho, é necessário haver embebição de 30 a 35% de água em relação à sua massa seca, enquanto que para sementes de soja é necessário haver embebição de ao redor de 50% de água em relação à sua massa seca. 

    As sementes possuem potenciais hídricos baixos devido à relação da água com os diversos componentes das sementes, sendo governado por três potenciais diferentes: mátrico, osmótico e de pressão. O potencial mátrico refere-se à habilidade dos açúcares, proteínas e outros compostos em influenciar a capacidade de movimento da água. O osmótico refere-se à quantidade de solutos dissolvidos na água, os quais reduzem o potencial hídrico (menor movimento da água) na medida em que aumentam de concentração, causando um gradiente de energia com a água no estado puro (potencial zero), ou seja, sem solutos. Por fim, há o potencial de pressão, o qual se refere à força exercida pela água na parede celular. 

    Logo, a diferença no potencial hídrico entre a semente e o solo é que irá determinar a disponibilidade e a taxa de transferência da água do solo para a semente. Pode-se assumir que o solo sempre terá água para a semente germinar, entretanto a quantidade irá variar em função da umidade do solo. Mesmo num solo com umidade no ponto de murcha permanente, a semente irá embeber água, porém tão lentamente que terá dificuldade de alcançar o grau de umidade necessário para desencadear o processo de germinação num período razoável de tempo. Isso pode ocasionar a rápida deterioração das sementes.

    A disponibilidade de água do solo para a semente é determinada pelo potencial hídrico, ou a força com que a água é retida pelo solo. Assim, um solo rico em argila retém muito mais a água do que um solo arenoso. Por exemplo, um solo argiloso no ponto de murcha permanente (-15 Bars) pode ter 11% de umidade, enquanto um solo arenoso pode ter apenas 5% de umidade.



    Condições de Baixa Umidade

    Vários estudos foram conduzidos, relacionando o desempenho das sementes sob condições de estresse hídrico, especialmente com baixa umidade do solo, ou seja, com valores abaixo do ponto de murcha permanente. No texto, utiliza-se um exemplo com soja, no qual as sementes permaneceram no solo por nove dias, com umidade variando entre 4 e 11%, para depois adicionar água para a germinação das sementes. O ponto de murcha permanente deste solo era de 11%, ou seja, o solo estava bem seco. Examinando os valores de germinação, constata-se que no solo com 7% de umidade, as sementes de soja sem proteção apresentaram zero por cento de germinação, enquanto a 11% de umidade do solo a germinação foi de 85% e a 4% de umidade, a germinação também estava em 85%. Por outro lado, as sementes tratadas com fungicida, após nove dias no solo, com 7% de umidade, apresentaram ainda 75% de germinação e, quando com um produto hidrófobo e fungicida, a germinação foi de 83%. 

    O exemplo apresentado mostra os benefícios do tratamento de sementes com fungicida e produto hidrófobo em caso de semeadura em solo seco. A explicação está no nível de hidratação das sementes e ataque de microorganismos. As sementes nuas no solo com 11% de umidade (no ponto de murcha permanente) conseguiram, durante os nove dias no solo, atingir mais de 50% de umidade e assim desencadear o processo de germinação. Por outro lado, as sementes no solo com 7% de umidade embeberam água até 40% de umidade, causando a sua deterioração, enquanto as sementes no solo com 4% embeberam apenas até 18% de umidade, o que não afetou o seu desempenho.

    As sementes são organismos vivos, respiram e estão em permanente metabolismo, que pode ser alto ou baixo, e em forma de deterioração ou para desencadear o processo de germinação. Qualquer semente que atingir o ponto crítico de umidade para desencadear a germinação inibe o processo de deterioração, cujo exemplo foi o da soja, ilustrado no texto, na situação em que a umidade das sementes atingiu mais de 50% e a germinação foi superior a 80%. Por outro lado, na situação em que as sementes atingiram apenas 35% de umidade, o processo de deterioração foi tal, que todas sementes morreram num prazo de nove dias. 

    Os resultados de germinação e emergência das sementes colocadas em solo seco são similares aos que ocorrem no armazenamento das sementes. A perda da capacidade de germinar (emergir) das sementes diminui conforme aumentam a umidade, a temperatura e o tempo de exposição. Assim, sementes colocadas em solo, com umidade insuficiente para germinar  até que ocorra uma chuva  ou irrigação, estão praticamente armazenadas no solo. O solo, mesmo bem seco, não é um bom local para armazenar as sementes.  

    Há duas implicações práticas para o agricultor que semear em baixas condições de umidade do solo em antecipação a uma chuva. Primeira, os agricultores devem usar procedimentos para “secar” o solo o máximo possível, pois quanto mais baixa a umidade, maior é o tempo que as sementes podem aguardar a chuva. Segunda, o tratamento das sementes com fungicida (com ou sem um produto hidrófobo) aumenta o potencial de sobrevivência das sementes até que ocorra a chuva.   

    Os efeitos adversos da baixa umidade do solo na germinação e emergência são acentuados nas semeaduras a lanço, como as realizadas com algumas sementes de forrageiras ou na semeadura por avião. A principal causa da vulnerabilidade destes tipos de semeadura é o fato de a área de contato solo-semente ser pequena. Entretanto, algumas espécies de gramíneas forrageiras conseguem, mesmo assim, embeber água suficiente para germinar.

    Um dos principais fatores que contribuem para o estresse da baixa umidade do solo é a condutividade hidráulica da maioria dos solos. As sementes conseguem “buscar” água apenas até uma distância de um centímetro. Em geral, a condutividade hidráulica dos solos diminui conforme a textura do solo aumenta.   



    Condições de alta umidade

    A embebição de água pelas sementes é a primeira etapa do processo de germinação, entretanto pode ser prejudicial à semente. O dano à semente pode ocorrer quando esta estivar muito seca e o substrato (solo, etc) estiver muito úmido. Estas condições podem ocorrer no teste de germinação em laboratório ou no campo quando ocorre uma chuva momentos após a semeadura. O dano é manifestado pelo aumento de lixiviação de solutos da semente, pela redução em vigor ou, inclusive, pela morte da semente. O dano de embebição é atribuído à ruptura das membranas celulares da semente, ocasionada pela intensa entrada de água nos primeiros momentos de embebição.

    Num estudo relacionando o grau de umidade da semente, em que mais resistem aos efeitos danosos de uma chuva torrencial (ver figura no texto), constatou-se que sementes com 11% de umidade apresentaram apenas 50% de germinação, enquanto que com 25% de umidade a germinação era 70%, e a 45% de umidade no momento da chuva, a germinação das sementes praticamente não foi afetada, ou seja, elas apresentaram 85% de germinação. 

    O tempo de embebição das sementes (soja), em condições adequadas de umidade do solo, para alcançarem 50% de umidade, situa-se ao redor de 12 horas. Isto significa que chuvas torrenciais, após meio dia em que foram colocadas no solo, não afeta praticamente às sementes.

    Como no caso de condições adversas de baixa umidade do solo, as sementes tratadas com fungicida e com um material hidrófobo para potenciar seu efeito caracterizam uma prática para minimizar os efeitos danosos da intensa embebição.  

    Conclui-se que o período de embebição é um período crítico, o que necessita de máxima atenção, pois as sementes possuem diversas peculiaridades que devem ser observadas antes de serem expostas ao ambiente, o qual, por sua vez, é um sistema complexo, governado pela interação de muitos fatores que nem sempre estão sob o controle do homem. O conhecimento da relação entre o processo de embebição das sementes em condições de baixa umidade do solo pode minimizar o risco de um baixo desempenho das sementes. Neste contexto, em condições de estresse hídrico, o tratamento das sementes com fungicida aumenta o potencial das sementes germinarem.



    Efeito do germoplasma

    A identificação de cultivares com capacidade superior para vencer as condições adversas da umidade do solo, quer por déficit ou excesso, é de grande importância. Os programas de pesquisa de muitas empresas estão trabalhando com afinco para identificação e desenvolvimento destes materiais. Cultivares de soja, milho e sorgo com capacidade superior para atenuar os efeitos à seca já foram desenvolvidos e alguns estão em fase de pré-comercialização no Brasil.

    Também há diferenças entre cultivares em relação à capacidade de superar as condições adversas do excesso de água, principalmente naqueles materiais com tegumento mais espesso ou com menos poros. Entretanto, a crescente prática do tratamento fúngico das sementes com alguns outros produtos e revestimento com polímero, minimiza os efeitos adversos pelo controle da embebição de água pelas sementes. No Brasil, mais de 90% das sementes de soja e milho são tratadas com fungicida.     

    A capacidade das cultivares e a efetividade de fungicidas no tratamento das sementes em superar as condições adversas de déficit hídrico é uma preocupação de muitas instituições de pesquisa e empresas. Neste sentido, desenvolveram um teste que consiste em colocar as sementes, em solo com umidade abaixo do ponto de murcha permanente, deixando as sementes por nove dias (para soja) antes de suprir a umidade adequada para a germinação e emergência.


    Outros aspectos 

   Outros fatores podem influenciar a embebição de água por parte da semente e, por fim, comprometer a germinação, como os fertilizantes com índice alto de salinidade, regularmente usados na agricultura, como o fosfato supertriplo e outros. Esses podem afetar a embebição de água pelas sementes, alterando o potencial da água no solo próximo às sementes e/ou, causar mudanças no potencial de pressão no interior das células. Por esta razão, a colocação de tais produtos próximo às sementes – prática essa já incorporada pelos agricultores há muitos anos – não deve ser recomendada. 


    As sementes são muitas vezes semeadas em solo seco, em antecipação a uma chuva. Em situações em que a chuva não ocorre num período de 6-9 dias ou que ocorra logo após a semeadura, as sementes serão adversamente afetadas. O conhecimento do processo de embebição das sementes propicia que procedimentos sejam adotados para minimizar os efeitos adversos sobre as sementes. O tratamento das sementes com fungicidas, outros materiais protetores e o revestimento com film coating é um dos mecanismos para minimizar os efeitos adversos do déficit ou excesso de água. A utilização de cultivares com maior capacidade para superar as condições adversas da baixa umidade do solo já pode ser considerada uma possibilidade concreta.     

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