Os grandes temas do agronegócio (Parte I/II)

Edição XV | 03 - Mai . 2011

    Há algum tempo, o dólar já não é mais o grande tema a ser discutido no agronegócio, embora alguns ‘líderes’ ainda teimem em fazê-lo, relegando a segundo plano questões mais evidentes, algumas, da gestão do próprio setor que defendem. Obviamente que, dada a importância que o mercado internacional possui para o setor, o câmbio permanece como um fator decisivo e que pode ser preponderante para que a empresa obtenha lucro ou prejuízo na sua atividade, mas deve-se reconhecer que outros aspectos do agronegócio se tornaram tão ou mais importantes que ele. A cotação da moeda americana já não está onipresente e perdeu relevância, embora ainda permaneça na pauta das reivindicações da classe produtora.

    Ocorre que o tema perdeu a proeminência de antes no debate das questões vitais, e foi vítima exatamente daquilo que o país e a classe produtora mais ansiavam: a estabilidade econômica e principalmente a da moeda. Os principais gestores que antes viam as cotações do dólar oscilar 2% a 5% ao mês e, em casos extremos, ao dia, agora perceberam a mudança. 

    No momento, todos sabem que as oscilações, salvo alguma hecatombe climática ou financeira em algum lugar significativo do planeta, não tendem a mudar muito dos 5% ao ano. Por isso, definitivamente, não pode representar qualquer esperança de melhoria nas atividades do agronegócio, principalmente porque a nova aura de estabilidade já dura mais de 16 anos, superando quatro eleições, além da última, cuja candidata se elegeu jurando manter o trem no mesmo trilho. Logo, não há qualquer motivo para imaginar que algo de novo vá acontecer no front e que grandes alterações possam beneficiar algum setor, seja qual for.

    Assim, os grandes temas do agronegócio aumentaram em número e complexidade, além de terem sofrido refinamento, visto que os modelos de gestão também evoluíram. Contudo, assim como os grandes temas brasileiros que passam ao largo do enfrentamento da discussão pública, de governo, ou do legislativo, no agronegócio também é comum a mídia se ater àquilo que chama mais atenção dos potenciais clientes ou patrocinadores e nem sempre se dedicam aos temas que verdadeiramente sejam relevantes para a evolução de um setor ou país. 

    É evidente que cada setor possui seus principais grandes temas, mas o agronegócio em si tem alguns que representam ou podem reunir os direcionadores do seu futuro. Não é propósito de este ensaio encerrar aqueles assuntos relevantes e tão pouco esgotar a sua discussão. Na verdade, o propósito é apenas chamar a atenção para aqueles que parecem afetar a todos de forma direta ou indireta e que merecem vigilância especial de qualquer gestor que se preze ou que pretenda fazer da sua empresa pelo menos uma organização capaz de se perpetuar.

    Embora boa parte dos gestores do agronegócio, especialmente no setor primário, ainda se preocupe eminentemente com as questões imediatas como clima e preços objetivos, há aqueles que pensam no longo prazo, e por isso tendem a cada vez mais se debruçarem sobre os seguintes grandes temas (outros se somarão a estes, já mais estruturados, à medida que o tempo a avança): a questão ambiental mundial e o novo Código Florestal Brasileiro; a verticalização no agronegócio; a nova matriz energética mundial e o agronegócio; as questões logísticas e tributárias; política econômica em detrimento da política agrícola; a potencial crise alimentar mundial; e a sempre pífia gestão empresarial.

    A questão ambiental mundial e o novo Código Florestal Brasileiro

Embora ainda haja alguns debates (todos com interesses perceptíveis de parte à parte) sobre a efetividade e risco das mudanças climáticas, é quase unanimidade que há algo de muito sério mudando no clima do planeta. Enquanto alguns ainda discutem a essência (se ela é efetiva ou transitória), a maioria das pesquisas se debruça sobre as implicações nas populações e a sua sobrevivência, tendo como foco, no caso do agronegócio, as mudanças dos sistemas produtivos.

    Neste aspecto, o foco dos estudos dá conta, dentre outros, sobre as mudanças de localização e espacialidade das atividades agrícolas nas diferentes regiões, o que é um fato que pode carrear investimentos e definir novas tecnologias de produto e processo em regiões antes não imaginadas, e ao mesmo tempo esvaziar outras. Estudos recentes demonstram, por exemplo, indícios de que o extremo sul do país possa vir a reunir condições climáticas apropriadas para a cultura do café, caso os modelos conhecidos até o momento sejam confirmados.

    Na esteira desta celeuma, os países, para não perder a competitividade, têm se dedicado a, de um lado, fortalecer a sua importância nas negociações internacionais, e de outro, atualizar a legislação em torno das questões ambientais. O Brasil, com a legislação anacrônica nesse sentido e falta de visão de futuro de alguns governos, deixou margem para ações e debates ilógicos e por isso foi forçado a colocar, agora como prioridade zero, adequar o código florestal às necessidades locais e às pressões internacionais.

    É evidente que, como era de se esperar, os interesses de parte à parte não se harmonizam por completo, mas há motivos para acreditar que o avanço é evidente, embora alguns setores tenham se mostrado bastante reticentes em relação aos resultados. Neste sentido, desde o início, quando o debate foi aberto e estimulado, deixando claro que o propósito era realinhar a legislação existente com os novos cenários internacionais, ao invés de propor, vários setores apenas fizeram frente sem serem capazes de apontar alternativas viáveis.

    Quando posicionamentos dessa natureza ocorrem, o resultado não é difícil de imaginar: discussões vazias, arroubos de incredulidade, resultados pífios ou mesmo decisões quase absolutistas. Felizmente, recentemente o setor produtivo foi capaz de entrar decididamente no debate, demonstrando capacidade de entendimento e inteligência para encontrar alternativas capazes de serem harmonizadas, pelo menos em boa parte das áreas.


    A verticalização no Agronegócio

    Esse assunto já foi tema desta coluna, mas é necessário realçar o seu intrincado e relevante conjunto de consequências que se desenham para o setor, mesmo considerando que o assunto é recorrente e bastante antigo. Talvez por isso mesmo. 

    Lembro-me, por exemplo, que na década de 1970, quando ainda era menino, alguns grupos organizados apoiavam e defendiam iniciativas que buscavam eliminar os intermediários nas cadeias de produção. Naquela época boa parte do sistema comercial no agronegócio ainda era guiado pela falta de contratos pontuais e de longo prazo; mantinham-se centrados no mercado spot e, assim, na esteira do associativismo que vivia o seu apogeu - antes de experimentar o início da grande crise do sistema, iniciativas desse gênero eram estimuladas.

    Contudo, com a evolução e sedimentação do tecido econômico que dá sustentação ao agronegócio, logo se percebeu que muitos agentes antes vistos com desdém ou mesmo mal vistos, como os intermediários, por exemplo, se revelaram fundamentais, principalmente na prestação de serviços, muitas vezes essenciais à coordenação da cadeia, como a distribuição ou mesmo a originação terceirizada, comuns no setor de grãos, na pecuária e desde sempre no setor sementeiro, através dos cooperados.

    Mas, recentemente, o modelo econômico de escala e aceleração do processo competitivo entre os agentes de uma cadeia, ou mesmo entre cadeias distantes geograficamente e apoiado pelos investimentos cruzados de grandes grupos econômicos, outro modelo começou a se tornar evidente: a verticalização.

    É evidente que o processo desencadeado tem como propósito melhorar a competitividade dos recursos investidos pelos agentes que promovem ou estimulam essa prática. Contudo, também é lógico que uma vez sendo essa a expectativa, há outros agentes, com menor capacidade de intervenção, que terão dificuldade de se manterem na atividade ou com margens adequadas, principalmente no longo prazo.

    Uma característica interessante desse modelo é que, como estratégia competitiva que é, tem sido trabalhada na maioria dos casos de modo subliminar, o que frequentemente passa despercebido pela maioria dos players do setor, principalmente aqueles menos articulados, engajados e receptivos aos novos cenários. A área de sementes tem dado mostras contundentes de que trilha este caminho com firmeza, e pouco temos percebido de iniciativas capazes, não de frear, dado que é um processo irreversível do sistema econômico, mas de atenuar ou rearranjar a capacidade de coordenação entre os agentes.

    Até a próxima edição, quando o assunto será concluído.

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