Razão, emoção e agronegócio

Edição XV | 02 - Mar . 2011

    De um modo, geral o agronegócio vive um novo ciclo de prosperidade, que reúne dois aspectos relevantes: ótima condição produtiva e preços remuneradores. Obviamente que, como elemento de menor representatividade e maior vulnerabilidade, apoiado nos princípios da economia rural, nem todos os produtores devem aproveitar esta maré ascendente.

    Momentos dessa natureza nos levam a refletir sobre a eterna batalha entre a emoção e a razão nos negócios. Naturalmente que, ao longo da história, a agricultura tem sido vista com mais romantismo e menos profissionalismo do que os demais setores, o que leva os incautos a acreditar que a emoção permanece como parcela preponderante no processo de decisão. Com o advento da administração do agronegócio apoiada nos processos gerenciais surgiu também a necessidade utópica de separar a emoção da razão nas decisões diárias. 

    Nenhum setor escapa dessa discussão, tampouco o sementeiro. A cada ano em que o preço da soja torna-se mais atrativo, por exemplo, ocorre uma batalha na cabeça de cada sementeiro, entre razão e emoção na produção de sementes para o próximo ano. Se apenas decidíssemos pela razão, certamente haveria anos em que as sementes sumiriam do mercado e o caos estaria instalado.


    Separando a vida pessoal da organizacional

    Desse modo, muito esforço tem sido empregado para encontrar as medidas necessárias para que os executivos separem as influências da vida pessoal sobre as decisões organizacionais, e vice-versa; contudo, há quase um consenso de que é algo cuja solução ainda está longe de ser encontrada.

    Muito se tem avançado em técnicas e mesmo na condução dos modelos de trabalho que procuram amenizar o impacto da emoção nas atividades empresariais. Porém, percebe-se que, mesmo sendo tratada com afinco e cuidado, a emoção faz parte do indivíduo, pois é ela exatamente que dá sentido a tudo o que fazemos, servindo inclusive de propulsora para as ações racionais.


    Mão de Obra e Cérebro-obra

    A qualidade de vida no ambiente organizacional, por exemplo, possui influência direta na vida familiar e vice-versa. Por isso, um grupo cada vez maior de empresas se preocupa em agregar os seus colaboradores como um todo, inserindo no ambiente da organização não apenas a mão de obra, mas principalmente o cérebro-obra.

    Dito de outro modo, pode significar que a empresa esteja interessada na capacidade criativa e de agregação de valor do colaborador, ao mesmo tempo em que se preocupa com as suas emoções, que podem influenciar direta ou indiretamente no trabalho.

    Manter a estabilidade emocional é um dos grandes desafios que as empresas modernas têm enfrentado, principalmente para manter os principais colaboradores na organização. À medida que as oportunidades para os bons profissionais se multiplicam, criar e manter um ambiente agradável e um vínculo que ultrapassa o contrato formal de trabalho tem sido um grande diferencial para reter os talentos.


    Preocupado com o gestor certo?

    Há pouco tempo, a preocupação central do DRH era com os gestores operacionais, que, instigados à reciclagem, recebiam doses maciças de empenho no equilíbrio entre resultado de curto prazo e equilíbrio relacional de curto e longo prazos. Principalmente, por relacionarem-se com número significativo de colaboradores que estão na base da pirâmide.

    Contudo, percebeu-se rapidamente que não eram apenas os gestores diretamente envolvidos com o operacional que necessitavam rever o seu modelo de trabalho. Frequentemente, o problema tinha origem no gestor principal (leia-se diretor ou mesmo o proprietário), que não conseguia organizar com equilíbrio a relação entre emoção e razão.

    Assim, a visão sistêmica e holística das organizações se tornou fundamental para que todos possam entender e aplicar a filosofia de trabalho a que a empresa se propõe. Como consequência, cobrar o equilíbrio deve ser um modelo sistêmico de trabalho e, acima de tudo, fazer parte do modus operandi da organização. Destemperanças não são mais vistas com naturalidade.

    À medida que o balanceamento faz parte da filosofia de trabalho, todos estarão mais preparados para monitorar e serem monitorados pelos seus colegas. Criar um ambiente onde os problemas e as soluções sejam discutidos abertamente estabelece um modelo com menos cobrança e mais controle.

    Embora os termos possam parecer sinônimos, cobrar está mais para a definição de dívida, atraso e erro, do que de acompanhamento, ao passo que controle está mais próximo de cuidado e preocupação com o acerto. Em última análise, o primeiro com o retrabalho e o prejuízo, e o segundo, com a proatividade e o resultado. Por isso, o equilíbrio ambiental é fundamental para que as decisões sejam tomadas com a razão, mas com boa dose de emoção no processo de execução.


    A importância da espirituosidade

    O equilíbrio entre a emoção e a razão se inicia na capacidade do gestor principal em articular estas duas nuances. Neste aspecto, a espirituosidade torna-se uma aliada excepcional e talvez seja o último reduto a ser definitivamente conquistado pela gestão contemporânea, no agronegócio, traduzindo a maneira suave e descomprometida de encarar as relações pessoais. Como afirma o adágio popular: perde-se o amigo, mas não se perde a piada.

    Naturalmente que a espirituosidade e a espiritualidade são aspectos distintos da relação humana, embora, em determinada medida e algumas circunstâncias, cumpram papéis semelhantes. Ambas podem contribuir para arrefecer os ânimos, relaxar a tensão organizacional e tornar as relações menos dolorosas, mais simples e compromissadas com o aspecto humano, embora utilizem processos, obviamente, díspares e distantes.

    Desse modo, a espirituosidade diz respeito a encontrar graça nas questões difíceis, despretensiosamente, mas sem empurrá-las para baixo do tapete. Na essência, é trazer leveza para as relações humanas, colocando-as no centro do ambiente empresarial ao invés dos problemas em si. É um aspecto empregado com êxito por grandes líderes, como ferramenta para melhorar o clima organizacional, tornando as relações menos ásperas e os problemas mais palatáveis. 


    Para melhorar a espirituosidade

    Dotar os gestores de espirituosidade, no entanto, requer empatia, treino e uma boa dose de autoconhecimento, além de funcionar melhor com equipes maduras e de melhor formação cultural, o que de pronto é um grande desafio no agronegócio, dado o perfil preferencial da mão de obra e, inclusive, dos próprios gestores. Contudo, cada um pode se monitorar um pouco e fazer a sua parte. Vai-se perceber a diferença na equipe e nos resultados em questão de dias.

    Não faço apologia aos irresponsáveis ou àqueles que levam tudo na brincadeira, pelo contrário. Gerenciar organizações imputa aos líderes grandes responsabilidades de toda ordem, mas, como diz um amigo, para ser um profissional sério não é necessário tomar banho de terno, basta ser responsável.


    Graça na desgraça

    A espirituosidade pode ser encarada, inclusive, como um dom pessoal. Um atributo dos bons gestores e que se sentem confortáveis fazendo graça na desgraça, justamente por se sentirem suficientemente confiantes e seguros das suas responsabilidades, deixando, por sua vez, os seus colaboradores e subordinados cientes das expectativas, mas mais à vontade e instigados a procurar alternativas por si e não com medo de levar uma bronca por apresentarem um problema e uma solução.

    Chefes limitados ou medíocres, normalmente possuem equipes medíocres. Já passou o tempo em que bons profissionais toleravam superiores incompetentes, fechados e até invejosos. Por isso, o bom humor e a cumplicidade tornaram-se, acima de tudo, ativos fundamentais na gestão das organizações atuais, e em função da profissionalização no agronegócio e a extensa gama de oportunidades de trabalho, firmaram-se como um grande diferencial.

    Os gestores ‘do ontem’, normalmente, não são capazes de imaginar que brincar faz dos seus colaboradores profissionais mais felizes e mais produtivos. Que a cumplicidade cria relações mais duradouras e compromissadas, não o contrário. É a diferença entre executar pelo medo da punição ou pelo compromisso da parceria. 

    Mas cuidado com a falsa espirituosidade. Aquela que machuca ao invés de relaxar. A piada jocosa, que ofende, e quando usada reiteradamente na cobrança, quase se torna assédio moral. Pode iniciar na ironia e descambar para a baixaria. A espirituosidade precisa ser legítima, não inventada. Talvez por isso, no fundo, seja muito séria.

    Até a próxima.

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