Alguns detalhes da gestão

Edição XIX | 02 - Mar . 2015

    Nada ainda está confirmado sobre como será 2015 para o agronegócio em termos de preços das principais commodities, mas, mesmo com algumas notícias animadoras, ainda estaremos longe dos patamares de antes. Já há expectativas de que não será a derrocada que se vislumbrava um pouco antes do final do ano.

    Contudo, é bom não se imaginar livre de problemas, pelo contrário, ao gosto do período de “vacas magras” que o agronegócio está vivendo ou pode viver com intensidade, é consenso que o básico, o óbvio, qualquer um seja capaz de fazer relativamente bem, mas é nos detalhes que os diferenciais se revelam. É através deles que as empresas se sustentam e se destacam. Nesse sentido, é aceitável que produzir é algo que o agronegócio sabe fazer bem, mas no gerenciamento ainda há espaço para avanços.

    Sem arroubos de competência ou grandes ilações sobre o futuro próximo, é óbvio que ninguém atua num negócio ou numa atividade apenas para empatar, mas sob a ótica realista, este é um ano de muito trabalho para se equilibrar. Quem conseguir fechar o orçamento no “zero-a-zero” pode se considerar um bom gestor e até satisfeito com suas atividades.

Investir para se distanciar na crise

    Contudo, sempre há espaço para aproveitar determinados momentos e esses são para aqueles que não fazem apenas o básico, igual aos demais. Se distanciar da manada é uma tarefa cada vez mais difícil, e alguns conseguem aos poucos se destacar no horizonte, sejam grandes ou pequenos.

    Os momentos de crise notadamente têm revelado oportunidades para aqueles que se mantêm atentos e dispostos a não apenas ‘mais do mesmo’, ou possuem energia para enfrentar os desafios da inovação. É nesses anos que surgem oportunidades para os que se preparam, e percebe-se que neles os custos de investimento e inovação podem ser até menores.

    Novamente, a lei da oferta e da procura se revela. Com menor interesse e capacidade de inovação, a oferta desses insumos tende a arrefecer seu custo, beneficiando aqueles que, capitalizados, conseguem aproveitar essa janela de depressão temporária. A lógica é bastante simples: se está ruim para você, também não está bom para os outros. Mas com um pouco de análise, talvez alguns possam transformar esse limão numa limonada.

    Inovar em momentos de crise, muitas vezes é mais barato do que em momentos de euforia, quando tudo segue o rastro dos bons ventos, elevando ainda mais os custos. Mas a grande questão sobre a inovação nesses momentos de esmorecimento setorial é que os resultados normalmente aparecem nos próximos ciclos e oportunizam um salto produtivo-tecnológico quando os demais apenas estão iniciando a fase de recuperação. Quem investe, sai do atoleiro na frente e com diferenciais.

    Como afirmei noutro momento, é importante reunir ao menos três características para se beneficiar dessas situações: elevado senso de oportunidade, austeridade emocional e gestão ortodoxa.

    Em momentos de parcos recursos disponíveis, sempre é importante analisar onde sua aplicação possui melhor relação benefício-custo, com retornos mais duradouros. Assim, inovar tem aplicação ampla. Pode estar relacionado à ampliação das atividades, nos processos de gestão, com investimentos em sistemas, por exemplo, na própria formação de equipes de trabalho ou em conhecimento estratégico.

    Talvez a recomendação genérica do tenista americano Arthur Ashe seja bastante interessante no momento atual: “Comece de onde você está. Use o que você tiver. Faça o que você puder”. Sem ilações e estratégias milagrosas, fazer o que precisa ser feito, o que às vezes significa se mover pouco, mas manter-se firme, investir em segurança e deixar a ventania passar.

Sem confiança a luta está perdida

    Provavelmente, um dos primeiros consultores do mundo, principalmente de estratégia, do qual se tem notícia, foi Sun Tzu, um general estrategista e filósofo chinês, ainda no século IV a.C. Há algum tempo, em função de seus manuscritos que foram transformados no livro A Arte da Guerra, em 1919, foi convertido a guru em várias áreas, principalmente nos negócios.

    Dentre suas lições experienciais para o sucesso, boa parte se baseia em dois aspectos: o conhecimento e a confiança. Ambos num sentido bastante amplo. Especificamente em relação ao segundo, sabemos que em todas as áreas ela se revela fundamental para obter sucesso em qualquer empreitada. 

    No agronegócio, porém, a confiança assume papel preponderante, dado o alto grau de incerteza que o setor possui e a característica cíclica na combinação de fatores que fazem dele ora um caso de franco sucesso para seus players, ora de enorme temeridade.

    Talvez o nível de confiança seja exatamente um elemento interessante em relação aos produtores rurais. Nesse sentido, ao invés de análise conjuntural, percebe-se que o preço (boa parte atrelado à cotação do dólar) continua sendo um balizador fundamental da confiança. Para constatar isso, basta uma breve análise dos resultados do último relatório trimestral (janeiro/2015) do ICPRural e ICPSoja (Índice de Confiança do Produtor Rural e Índice de Confiança do Produtor de Soja), elaborados pelo AgroFEA.

    Em comparação aos resultados de outubro/2014, o ICPRural fechou a primeira pesquisa do ano de 2015 com 68,4 pontos, aumento de 14% em comparação com a pesquisa anterior. Mas não é algo muito animador diante do máximo de 100 pontos que pode alcançar num cenário de expectativa otimista dos produtores.

    No caso dos produtores de soja, o índice somou 72,1 pontos, cerca de 19% superior ao trimestre passado, mas também longe do máximo de 100 pontos possíveis. Nesse aspecto, vale ressaltar que o sub-índice preços foi o que mais cresceu, dando sinais evidentes que é um balizador importante.

    Embora todos ainda muito abaixo dos revelados no mesmo período do ano anterior e também de 2012, essa elevação acentuada ocorreu exatamente em dois momentos combinados. Um de relativa manutenção dos preços nos mercados internacionais (embora, por enquanto, sem sustentação no longo prazo) e outra pela elevação da cotação do dólar, que ocorreu a partir de final de outubro/2014. 

    Isso, obviamente, não pode ser motivo suficiente para mudar as estratégias necessárias em anos de dificuldades eminentes para os produtores. Ainda não há sinais evidentes no front para que possamos celebrar qualquer coisa no curto prazo. Por ora, as notícias não são tão pessimistas como se supunha, mas não devemos cochilar no posto.

    Mas em se tratando de negócio, é fundamental pensar no longo prazo e, aí sim, o nível de confiança deve ser elevado. É através dele que se propõem investimentos que naturalmente tragam retornos, na maioria das vezes, no médio e longo prazos. Pensar estrategicamente está centrado nas ações de curto, médio e longo prazos. Apenas alguma delas não é suficiente para emprestar sustentabilidade ao negócio.



Até a próxima.

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